Este carro ainda carrega a charrua e a grade utilizadas na lavoura. |
Pelas ruas circulavam carros de bois carregados com diversos produtos agrícolas. As suas rodas de ferro e madeira produziam um ruído característico sobre o chão de terra batida, chiando e tinindo a lingueta do seu trinco. O carreiro ia à frente com o aguilhão e a sua voz treinada e obedecida num caminhar lento e calmoso. Carro, animais e homem formavam um conjunto simultaneamente agreste e rude, mas também belo e harmonioso que há várias décadas atrás fazia parte integrante do dia-a-dia de muitas aldeias.
Tempos difíceis, de dureza extrema, que deixavam marcas nas mãos e no rosto das pessoas e em que os carros de bois eram quase o único meio de transporte de produtos a que as gentes dos campos tinham acesso e, mesmo assim, não era para todos; para alguns uma carroça puxada por um jumento calmo e paciente já era uma dádiva dos deuses; para outros um carro de madeira, um “triste-vida”, já era um mal menor, pois que, para muitos, as costas bastavam.
Mas, meu Deus! Que saudades desses tempos…Afinal, o que é a felicidade?...
Quantos de nós, jovens de outrora, adultos e idosos de hoje, não nos empoleirámos em carros de bois para sentirmos, por poucos minutos, a magia de viajar sentados em cima do chão duro de madeira, experimentando a forte trepidação e os solavancos das rodas de ferro no chão irregular dos caminhos, muitas vezes clandestinamente e às escondidas do carreiro?...
Muitas das ruas estreitas das aldeias pensadas para carros de bois, continuam estreitas, mas nelas passam automóveis onde o conforto se mede pela qualidade dos estofos, pela potência do motor ou pelo ar condicionado… mas, como se mede a felicidade? E o stress, não conta?!... Que saudades do tempo em que o tempo tinha tempo e não voava transportado pelas rodas velozes dos automóveis, mas sim que corria devagar ao som nostálgico da chiadeira e do ranger no solo dos aros de ferro dos carros de bois.
Hoje, já quase não existem carros de bois a circular nas ruas, mas muitas casas os têm expostos nos seus jardins, para embelezamento, mantendo viva a recordação e a nostalgia por esses tempos passados. Por vezes já só subsistem as rodas, que se encontram ao lado de antigos instrumentos de lavoura. Havia-as de vários tipos. Algumas tinham raios de madeira e estavam ligadas por um eixo de ferro, mas outras eram quase maciças e eram ligadas por um grosso eixo de madeira, sendo o aro que estava em contacto com o solo a única parte em ferro.
Um rodado de carro de bois utilizado para fazer um "canhão"
Tinha em minha casa um desses rodados de carro de bois e um dia, talvez porque as peças de artilharia antigas eram montadas em cima de rodas idênticas, resolvi fazer uma imitação de um canhão para colocar no jardim. Apesar de ser uma réplica muito deficitária, que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimentos via logo que era uma imitação, mesmo assim ainda deu para enganar alguns vizinhos que pensaram que se tratava de um canhão verdadeiro e, certo dia, um cobrador de seguros que veio a minha casa aconselhou-me ter cuidado e a retirar o canhão do jardim porque era proibido ter peças de guerra em casa!!!...
Na verdade, acabei mesmo por retirar o canhão do jardim, mas porque a madeira à chuva não resiste muito tempo e as rodas estavam a deteriorar-se rapidamente, tendo decidido transferi-lo para um local mais abrigado.
Para a construção deste canhão utilizei um tubo de lusalite, tendo feito a culatra com uma bilha de barro que foi cheia com cimento e chumbada numa ponta do tubo. Levou ainda uma bola de ténis, que foi colada à bilha, para dar uma aparência mais "real". Na outra ponta apliquei uma peça metálica que foi retirada de um aspirador avariado, tendo depois pintado tudo com tinta preta.
Carreiro: Nome dado aos condutores de carros de bois.
Triste-vida: Nome por que eram conhecidos, na minha região, os carros de mão de madeira, de uma só roda.
Interessantíssimo este seu post. Joalex, vossemecê é mesmo um engenhocas.
ResponderEliminarQuanto ao carro de bois, bem me lembro, lá em cima na Serra, nos meses de Agosto, o chiar compassado quando se deslocava, preso a uma junta de bois que o puxava. Os bois, de canga aos pescoços a dar à cauda. «Eixo, eixo, arrrre» era a voz do «carreiro», de cordas na mão enquanto picava com um pau os flancos dos animais, puxando-os.
Cheguei a subir com as miúdas de lá a ir buscar palha, ou mato, para as camas dos animais e até para cobrir as ruas. Dava cada salto! Depois a vínhamos a pé, à volta, que já não havia espaço para nós. Os bois castanhos, mansos, comprados e vendidos nas feiras - Mont'Alto, Lousã e outras - criados pelos boieiros da terra, uma grande ajuda naquele tempo.
Venderam-se os bois, os respectivos carros foram ficando cobertos de silvas, rodas caídas espelhadas pelos campos. Alguns reaproveitados enfeitam jardins.
Tendo saudades, mas descanso-me só de pensar no que ganhámos todos em salubridade pública. E as moscas, ai as moscas, que saudades não deixaram.
Desculpe a longa «conversa». Distraí-me :).
Fique bem.
É verdade Guidinha. Ainda me lembro das ruas das aldeias serem cobertas com mato e nelas andarem à solta galinhas e às vezes até ovelhas ou porcos! Realmente as moscas eram um bocado chatas, agora, quanto à salubridade pública permita-me que discorde;com a poluição provocada pelos automóveis não sei, não...
ResponderEliminarMuito obrigado por esta excelente participação. Conto sempre com as suas visitas!
Um abraço.
José Alexandre