Homenagem do "Meio Século" aos militares de Abril
Naquela madrugada de Abril,
Os soldados saíram à rua.
Eram comandados por um capitão valente,
E seus ideais eram nobres.
Isso ninguém desmente.
O nome desse capitão era Fernando,
Maia o apelido,
Esse homem já nos deixou,
Os soldados invadiram o Terreiro do Paço,
No cumprimento da sua missão.
No Tejo, uma fragata ameaçava,
Mas nada aconteceu, graças à sua tripulação.
Portugal era um país
Que vivia acorrentado.
O povo era infeliz,
Pois era triste o seu fado.
Muitos jovens perderam a vida,
Na guerra do Ultramar.
Deixaram os entes queridos,
No Continente a chorar.
Abril, Abril…
Mês do nosso coração.
No peito temos cravos a florir,
E nos lábios a nascer uma canção!
Salgueiro Maia, caminhando pela Rua do Arsenal, em direcção ao Terreiro do Paço. |
Para comemorar o 36º aniversário da revolução e o primeiro desde a criação do “Meio Século”, vou escrever a minha história desse dia, lançando um desafio a todos os camaradas que estavam nessa altura a cumprir o serviço militar, para que contem também as suas: onde estavam nesse dia, as emoções que sentiram, o papel que desempenharam… afinal, independentemente da participação que cada um teve, fomos todos militares de Abril.
Mas, como este blogue é um espaço completamente aberto, ainda pouco conhecido, é certo, que está a crescer de forma lenta, mas segura e que procura conquistar o seu espaço com um trabalho sério, respeitando e agradecendo a opinião de todos, convido também todas as pessoas que, não sendo militares, viveram esse dia com a emoção e ansiedade natural dos grandes acontecimentos, a fazerem também essa viagem ao passado. Vamos por uns momentos esquecer a crise, os problemas do país e o que correu mal, concentrando-nos apenas nos ideais nobres da revolução dos cravos, que fizeram renascer a esperança numa vida melhor.
Praça do Município. Ao fundo as paredes do Edifício da Marinha. |
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VAMOS A LEVANTAR!... TODOS CÁ PARA FORA, JÁ!!!
Foi ao som do vozeirão do sargento de dia à Unidade, que naquela madrugada ressoou na caserna, que eu e os meus camaradas “asilantes” despertámos do sono calmo e povoados de sonhos fantasiados, de uma juventude ainda sem mácula.
Sobressaltados por este acordar precoce, com a mente ainda entorpecida e incapaz de raciocinar, vestimo-nos à pressa e dirigimo-nos para a saída da caserna, tendo recebido ordem para seguir para a parada, onde se iria proceder a uma formatura da guarnição, pois estava a passar-se algo de muito grave.
O dia ainda não despontara e no céu não havia estrelas. O ar puro da madrugada ajudou-nos a despertar e então começámos a escutar, vindo da rua, um ruído de veículos muito diferente daquele a que estávamos habituados. Já, completamente despertos, não nos foi difícil adivinhar o que se estava a passar. Estávamos a ser completamente cercados por tanques de combate e muitos outros veículos militares!
O que estava a acontecer naquele momento, não constituiu, de todo, uma surpresa para nós. A Unidade já há algum tempo, sobretudo desde a tentativa de golpe do dia 16 de Março, que se encontrava de prevenção, por períodos que alternavam entre os níveis de segurança de simples ou rigorosa. As autoridades militares da época já estariam certamente a contar com um desfecho daquela natureza, dada a instabilidade e descontentamento que o país vivia, provocados sobretudo pela guerra colonial.
A formatura da guarnição não se chegou a realizar e nós permanecemos por ali em pequenos grupos, comentando a situação, ou tentando ver o que se estava a passar no exterior. Entretanto, o dia começava a romper, deixando a descoberto um céu muito cinzento, mas sem ameaça de chuva.
O carro que habitualmente transportava o pão para a cozinha ainda não chegara, no entanto dirigimo-nos para lá, na tentativa gorada de tomar o pequeno-almoço. O refeitório tinha ao fundo umas janelas pequenas, com grades de ferro por onde, conseguíamos ver os tanques que circulavam na Rua do Arsenal e que faziam estremecer as grossas paredes do edifício.
A ansiedade, provocada pela incerteza sobre o rumo que as coisas iriam tomar era cada vez maior, agravada pelo som de disparos e rajadas de metralhadora, que de vez em quando se escutavam, vindos do exterior. Começavam também a surgir boatos sobre uma possível ordem de saída para a rua, acompanhados de notícias de acontecimentos graves que se estariam a passar no edifício e também sobre a presença de navios de guerra no Tejo, prontos a bombardear as forças do M.F.A., no Terreiro do Paço.
A fragata N.R.P. "Almirante Gago Coutinho", em frente ao Cais das Colunas. |
Ainda hoje subsistem algumas dúvidas, ou pelo menos ainda se encontram envoltos em polémica alguns factos passados na fragata, pois existem algumas versões diferentes sobre o assunto.
Naquele dia o pessoal civil que trabalhava nas várias repartições e serviços que funcionavam no local, não entrou no edifício. De resto, naquela zona às primeiras horas da manhã apenas se viam a circular veículos militares. No entanto o carro do pão entrou por volta das 10h00 e teve direito, da nossa parte, a uma saudação especial de boas-vindas.
Av. Ribeira das Naus. |
A manhã já ia muito adiantada quando recebemos ordem para nos dirigirmos para os nossos postos de trabalho. Eu prestava serviço numa pequena repartição, que tinha duas janelas, de onde se avistava parcialmente a Av. Ribeira das Naus e era possível ver, embora de forma imprecisa, os veículos e tropas que ali circulavam.
Foi nessa altura que o imediato da Unidade entrou na repartição e, visivelmente nervoso, assomou a uma das janelas onde, de arma em punho, apontada para fora, disse algumas palavras que deixavam antever a sua discordância com o que se estava a passar, o que nos deixou bastante intranquilos.
Foi nessa altura que o imediato da Unidade entrou na repartição e, visivelmente nervoso, assomou a uma das janelas onde, de arma em punho, apontada para fora, disse algumas palavras que deixavam antever a sua discordância com o que se estava a passar, o que nos deixou bastante intranquilos.
Para a tarde as coisas acalmaram um pouco. O capitão Salgueiro Maia retirou-se com parte dos seus soldados para o quartel do Carmo, mas ficaram ainda muitos militares na zona e o movimento de veículos militares continuou nas ruas circundantes do edifício.
Mas aquele foi um dia muito longo. À noite, apesar das notícias que chegavam através da rádio e televisão, dando conta do controle da situação pelo M.F.A., chegava até nós o estrondo de explosões noutras zonas da cidade, a fazerem lembrar que a revolução ainda não terminara.
Finalmente o dia chegou ao fim. A partir de agora começava uma nova era e com ela surgia, de novo, a esperança.
As fotos (à excepção do cravo) são do fotógrafo Alfredo Cunha, ele também um homem de Abril, que produziu imagens históricas eternas.
As fotos (à excepção do cravo) são do fotógrafo Alfredo Cunha, ele também um homem de Abril, que produziu imagens históricas eternas.
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Amigo Alexandre, para si foi um dia em cheio,e este dia foi para nós marujos um dia de fortes emoções.
ResponderEliminarFui acordado no NRP Velas, á mesma hora e pelas mesmas razões.
Peparados para formar na BNL e equipar com armamento e cartucheiras porque havia a possibilidade da Base Naval ser cercada e invadida por forças do Exército e assim sendo teria de ser defendida. À tarde tudo se começava a clarificar e as unidades iam aderindo ao MFA.
Demobilizámos ao final do dia.
No dia seguinte, foram formados vários pelotões com a guarnição de alguns navios, um deles o meu, e fomos render a Companhia de Fuzileiros que tomou de assalto a sede da Pide na rua António Maria Cardoso.
A noite de 26 para 27 foi passada naquele sinistro baluarte a recepcionar pides que eram detidos ou se entregavam voluntáriamente.
Demos assim o nosso contributo á Revolução e ao nosso país.
Foram momentos únicos do qual nos orgulhámos, pois éramos muito jovens, tínhamos acabado de sair da adolescência, mas isto deu-nos têmpera e confiança em nós próprios. Estávamos prontos para o que viesse, nada nos demovia. Tínha-mos um ideal a preservar.
Assim pudessem ser os jovens de hoje.
Viva o 25 de Abril, Viva a Marinha, Viva Portugal
Camilo ex Cabo M 196/70
É curioso que só se fala da Fragata Almirante Gago Coutinho (F473)no dia 25 de Abril de 1974,mas, para além deste navio, havia outros mais, que faziam parte do EXERCICIO que tinha tido inicio no TEJO com todos o outros navios de outras marinhas (NATO),que eram os "DRAGA MINAS",Nada mais nada menos que (se a memória não me falha)5 "M409"M410"M411"M406",e "M408",eu estava no "M409",Então comandado pelo 1ºtenente Teles Ribeiro, (Stª Cruz)Se a coisa tivesse dado para o torto também faziam (MOSSA),tal como a fragata ,os draga minas tambem receberam a mesma ordem enviada pelo estado maior da Armada,o COMANDO tomou a decisão acertada de se NEUTRALIZAR,evitando o PIOR.
ResponderEliminar201/71 M/M Peralta Mares
Amigo Joaquim:
ResponderEliminarObrigado pelo seu testemunho histórico, que é também um esclarecimento importante, pois, na verdade e como diz, só se fala na Fragata Almirante Gago Coutinho. Eu próprio, embora soubesse que a Fragata fazia parte de um exercicio da NATO em conjunto com outros navios, deconhecia os pormenores de que fala.
Um abraço.
Amigo Filho da Escola Joaquim Mares, é verdade, os Draga-Minas estavam prontos para sair, mas houve nesse dia alguma indecisão por parte do Comando Naval, as guarnições ficaram com essa ideia, porque ora se falava em preparar os navios para largar, ora se colocava os homens de prontidão para guarnecer a Base.
ResponderEliminarEu guarnecia o M410 NRP Velas, era Mar.M 196/70, e tinha como companheiro um filho da tua escola, o Mar.M Guerra de 71.
Certamente nos conhecíamos, as guarnições dos Draga-minas tinham um lema: Homens de ferro em navios de madeira"
Um grande abraço
Camilo ex Cabo M 196/70