Um dos trabalhos regulares de quem vive no campo é a recolha de lenha nas florestas. Embora seja um trabalho que pode ser efectuado em qualquer altura do ano, normalmente é feito com maior frequência no verão e Outono, com vista ao seu armazenamento para consumir durante o inverno. Actualmente, a lenha que se consome é mais para aquecimento, em lareiras ou fogões, porque a maior parte das pessoas já não a utiliza para cozinhar, ao contrário do que acontecia há alguns anos atrás, nas aldeias, quando as refeições eram preparadas ao lume no chão térreo das cozinhas, com as suas paredes negras e reluzentes de fuligem, que era também a cor do exterior das panelas e, nas casas mais modestas, muitas vezes a chaminé era as frestas das telhas por onde saía o fumo para o exterior. Esta foi a realidade que eu conheci e certamente também a de muitas outras pessoas e que com certeza ainda será actual em algumas regiões do mundo e até no nosso país, onde as desigualdades sociais, infelizmente vão-se mantendo através dos tempos.
Há quatro ou cinco décadas atrás, na minha aldeia as pessoas, principalmente as mulheres e as crianças, juntavam-se em grupos a que se chamava um “rancho” e dirigiam-se para a serra em busca de lenha para cozinhar ou para cozer a broa. Naquele tempo era difícil encontrar lenha seca e percorriam-se grandes distâncias na serra para se conseguir arranjar um feixe ou molho, e às vezes recorria-se a um cambo (uma vara com um galho na ponta) para puxar os ramos secos dos pinheiros. Na altura era grande a procura de lenha e daí a dificuldade em encontrá-la, pois existia uma espécie de código ou um entendimento geral em que apenas era permitido recolher lenha seca, não se podendo cortar qualquer árvore verde. A lenha recolhida era depois atada num molho que era transportado à cabeça pelas mulheres ou às costas pelos homens e até os miúdos transportavam um pequenino feixe.
Ao longo dos acidentados caminhos encontravam-se, a espaços, locais onde habitualmente se parava para descansar, pois nesses sítios existiam os poisos, locais onde a configuração do terreno permitia poisar o molho e depois voltar a colocá-lo à cabeça ou às costas com mais facilidade. Esses momentos de descanso eram aproveitados para pôr a conversa em dia e sabiam extraordinariamente bem.
Havia outro método de transportar a lenha, neste caso troncos de árvores, mais utilizado por homens, que era o pegar os troncos de zorra e arrastá-los dos pontos mais altos da serra para o sopé, através de pequenos sulcos que existiam nas encostas. Estes sulcos foram aparecendo em sítios estratégicos feitos precisamente pelo arrasto dos troncos. Utilizei muitas vezes esse sistema de transporte de lenha, que não era muito fácil de fazer e era preciso bastante destreza física devido aos declives do terreno que, por vezes, era muito acentuado.
Entretanto, as coisas foram mudando e, actualmente, o consumo de lenha é mais reduzido e o seu transporte é feito de outro modo. Já ninguém se dá ao trabalho de procurar ramos secos nas árvores, pois existe lenha em abundância nas florestas (pelo menos na zona onde vivo é assim) e encontram-se facilmente árvores tombadas pelo vento, algumas a obstruir caminhos, em zonas de floresta abandonadas, acabando muitas por apodrecer ali mesmo. Já ninguém está interessado em utilizar o processo, tão prejudicial para a coluna lombar, de carregar à cabeça ou às costas a lenha da floresta para casa e, quem tem posses para isso, compra a lenha a madeireiros, sem mais preocupações.
Traçador antigo |
Eu ainda continuo a ir à serra recolher a lenha de que necessito, procurando árvores tombadas e já secas, por vezes em sítios difíceis e em zonas de mata onde não é feita qualquer limpeza. Lenha que, se não for aproveitada, acabará por apodrecer no local, a menos que seja consumida pelos incêndios, hoje tão frequentes, infelizmente.
Para transportar a lenha utilizo a minha moto enxada, máquina muito útil de que já aqui falei e, para a cortar e traçar, uma serra com motor (motosserra), mas lembro-me muito bem de quando tinha que a traçar com uma serra de arco ou com um traçador manual. Estes traçadores tinham que ser manobrados por duas pessoas e foram sendo substituídos neste trabalho pelas serras de arco, pois estas eram de utilização mais fácil, desde que os troncos não fossem muito grossos.
A juntar a todo este trabalho ainda há a acrescentar o de rachar a lenha com um machado e depois o seu armazenamento, o que dá razão ao povo quando diz que a lenha aquece duas vezes, mas eu diria que aquece mais e melhor com todo o trabalho que dá, do que propriamente quando está a arder na lareira.
A carga já pronta |
A descarga |
A traçar |
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