Esta manhã, quando entrei para o carro para me dirigir ao trabalho, liguei o rádio, como normalmente faço pelas 8h00, esperando ouvir, como de costume, as mais diversas noticias sobre a crise, os cortes nos salários, assaltos e outras coisas deprimentes, mas tive uma enorme surpresa…
Após o sinal horário, contrariamente ao costume, aquela estação transmitia apenas música, e que música!!!... Nada mais, nada menos do que a velhinha Grândola, Vila Morena, pela voz do saudoso Zeca. Inicialmente pensei que se trataria de um programa especial dedicado à revolução de Abril, quando de repente um jornalista interrompeu a canção e depois de saudar os ouvintes, lançou a “bomba”:
- Algo está a mudar no nosso país. O fim da crise está por horas! – relatou o jornalista com voz trémula – segundo notícias que têm chegado ao longo de toda a madrugada à nossa redacção, a mentalidade dos nossos governantes e de todos os que têm prejudicado o nosso país com actos de corrupção, roubos, fuga aos impostos e outros actos vis, está a mudar – fez uma pausa para respirar fundo e continuou: - é como se um vírus bom estivesse a espalhar-se entre essa gente e a obrigá-los a mudar o seu modo de vida. A nossa rádio está a envidar todos os esforços para trazer a este estúdio, ainda no decorrer deste noticiário, um reputado cientista e investigador da área da Psicologia, que nos irá dar as explicações possíveis, sobre este autêntico fenómeno social, que já está a intrigar o mundo.
O jornalista, nesta altura, fez uma pausa bastante prolongada, após o que prosseguiu:
- Segundo notícias acabadinhas de chegar até nós, todos os envolvidos em casos de corrupção, acabaram de confessar os seus crimes e irão restituir o dinheiro de que se apropriaram indevidamente. Esse dinheiro que se encontra espalhado por diversos bancos em todo o mundo, será transferido para uma conta à ordem do Estado Português, comprometendo-se ainda os mesmos, como castigo, a trabalharem gratuitamente e durante tempo indeterminado, como serventes, em obras públicas prioritárias como a linha da Lousã ou ainda em escolas e hospitais.
O primeiro-ministro e o Presidente da República anunciaram que irão abdicar de 50% do seu ordenado em favor do combate ao deficit, porque reconhecem que o restante é mais do que suficiente para viverem condignamente e querem dar o exemplo de solidariedade tão necessária num estado social. O mesmo deverá acontecer com os ministros, deputados e gestores públicos que até aqui auferiam ordenados escandalosos, para além de outras mordomias e que querem acabar imediatamente com esta situação de desigualdade no país… – fez novamente uma pausa para respirar – todos os políticos que até aqui recebiam reformas duplas e até triplas, de montantes que eram um atentado à inteligência humana, estão também a anunciar que não querem continuar com tamanha usurpação, querendo receber apenas o que de facto merecem. Todos aqueles, e são muitos, que têm contas bancárias exorbitantes, autênticos coleccionadores de notas, anunciaram que irão colocar esse dinheiro à disposição de um governo sério e que se comprometa a utilizá-lo para o bem comum, sendo a criação de empregos a primeira prioridade. Até os proprietários de segundas, terceiras e mais habitações, casas de férias e outras riquezas até agora utilizadas apenas para uso pessoal, vêm dizer que irão colocar esses bens à disposição de pessoas carenciadas, que vivem em condições miseráveis ou até sem qualquer abrigo.
Aquela avalanche de boas notícias parecia que nunca mais acabava, no entanto, naquele momento, o jornalista parou de falar e a rádio começou a transmitir uma música suave, que foi logo interrompida, com o regresso da voz:
- Acabou de chegar à nossa redacção um dos maiores estudiosos na área da Psicologia, especializado em convulsões sociais, o Dr. Abrílio Cravo, que nos vai explicar o que se está a passar:
- Bem, meus amigos… – a sua voz era calma e doce – a explicação é muito simples; trata-se apenas do verdadeiro espírito de Abril que está finalmente a chegar às pessoas. O espírito de solidariedade e sobretudo de igualdade que o 25 de Abril quis trazer para o país, mas que infelizmente gerou comportamentos desviantes e completamente contrários a esse espírito. Agora, que estão passados e se perderam trinta e sete anos, surge esta nova maneira de encarar a vida que vai certamente revolucionar o país no bom sentido…
Naquele momento comecei a ouvir um apito intermitente e então começaram a surgir na estrada, vindos de toda a parte, carros que buzinavam estridentemente, com pessoas de rostos felizes às janelas, agitando bandeiras. Vi também, com grande espanto, camiões militares que me ultrapassavam, ou se cruzavam comigo. Iam carregados com soldados e marinheiros que cantavam e agitavam cravos espetados no cano das suas armas.
Mas aquele momento de felicidade estava a ser perturbado pelo apito intermitente que não era de nenhum carro, mas que continuava teimosamente, e então, num instante, tudo se desvaneceu…
- Maldito despertador – resmunguei – enquanto estendia o braço para o desligar.
Era tão bom mas não só em Portugal.
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