Quanto
mais avançamos na idade mais as nossas recordações do passado se avivam na
memória. A distância sobre o tempo vivido acentua as boas recordações e atenua
ou desvanece as menos boas. Talvez por isso nós sintamos o passado, como algo
que nos engrandece, que nos faz enfrentar o presente com alguma coragem e
otimismo.
Recordar é viver… esta
frase tão comum, poderia ser apenas o título de um livro, de um filme ou de uma
canção, mas ela reflete, afinal, o verdadeiro sentimento de quem já atingiu a
maturidade através de um percurso de vida onde passou por diversos estádios a
nível pessoal, profissional, social, etc. A nostalgia do passado é bem visível,
seja através de pessoas conhecidas que às vezes vemos na televisão falando com
entusiasmo sobre episódios do passado, seja em grupos de etnografia que fazem
reconstituições de profissões, de costumes e tradições ou, até, no interesse
com que vemos as pessoas mais velhas visitando exposições ou feiras sobre
coisas relacionadas com o seu passado, como ferramentas, roupas, livros…
No
Museu Municipal de Alvaiázere encontra-se a exposição “Tempo, Espaço e
Memória”, que integra dez núcleos temáticos que se interligam através de um
percurso informativo dedicados a algumas das artes e ofícios tradicionais que
marcaram a região. A exposição comporta um diversificado número de peças do
século XX recolhidas sobretudo no concelho de Alvaiázere e que constituem o
testemunho vivo de memórias, tempo e espaços singulares que caracterizam uma identidade
cultural que tende a desaparecer. A exposição retrata algumas das várias
profissões e ofícios tradicionais que marcaram a região. São atividades que
ainda sobrevivem e que não são exclusivas de Alvaiázere, pois elas foram e
ainda são exercidas em todo o país, com algumas diferenças de região para
região, mas todas elas tiveram a sua evolução e, no presente, esse trabalho que
era realizado há algumas décadas atrás, com dificuldades e com a ajuda de
ferramentas e utensílios hoje declaradamente ultrapassados, tem pouco a ver com
o que se passa atualmente onde tudo é facilitado por meio de máquinas e
tecnologias modernas. Quem exerceu aquelas atividades ali recriadas ou que as
presenciou, que viveu naquele tempo ali recordado, sente a nostalgia do passado
e viaja de novo até ele: regressa, nem que seja por momentos, “ao afago das
coisas da terra”.
Sala de aulas. Escola Primária |
Quando
entrei naquele espaço de memória uma das profissões ali recriadas despertou-me
imediatamente a atenção, não pela profissão em si (professor primário), mas
pelo que está ali exposto e que representa uma fase da infância de algumas
gerações, de um tempo ainda não muito distante, que deixou a sua marca: a sala
de aula com o crucifixo na parede frontal, ladeado pelas fotografias de um
antigo presidente da República e do presidente do Conselho de Ministros do
tempo do Estado Novo, a enorme mesa do professor onde repousam alguns livros, o
mata-borrão, as tão conhecidas e famigeradas régua de madeira e a palmatória ou
menina dos cinco olhos, as orelhas de burro; o quadro negro tendo ao lado a
cana-da-índia que servia de ponteiro e também como instrumento de castigo…
Lá
estão também as nossas carteiras com os tinteiros embutidos, onde molhávamos o
bico da caneta de pau, para desenhar as nossas primeiras letras, o caderno, a
tabuada, a pedra ou ardósia, com o lápis e o apagador…
Junto
às paredes laterais encontram-se os mapas onde outrora éramos, por vezes,
chamados a apontar algum país, cidade, província ou distrito: o Mapa de
Portugal Continental onde eram realçadas as províncias ou regiões do país, o
Mapa de Portugal Insular e Ultramarino, assinalando os arquipélagos da Madeira
e Açores e os antigos territórios ultramarinos sob administração portuguesa e
também o Mapa do Mundo, ou Planisfério, com todos os continentes e oceanos.
Há
também um armário, bem velhinho e de portas envidraçadas, onde se encontram
religiosamente guardados vários instrumentos utilizados no ensino, na época.
Naquele
momento, no meio daquele cenário tão propício a recordações, contrariando o
silêncio, a quietude e a luz difusa, aquele espaço encheu-se de vida!... Nas
carteiras estavam meninos de bata azul, sentados, que de lápis em punho
escreviam nos seus cadernos. O professor caminhava por entre as filas de
carteiras, num passo vagaroso e o ranger do sobrado por onde ele passava
cortava o silêncio, também interrompido de vez em quando pela voz de um menino
que, de dedo no ar, pedia para fazer uma pergunta. O professor abeirava-se do
menino, agachava-se, pousava-lhe a mão no ombro e falava-lhe ternamente…
Fui
invadido por umas sensação de felicidade. Naquele momento eu estava a fazer uma
redação e as palavras fluíam facilmente, sem qualquer esforço, a imaginação
voava…
Sonhava
com o recreio, as brincadeiras com os amigos e as mil aventuras de infância…
Confusamente, em simultâneo com o silêncio da sala, com o barulho do caminhar
compassado ou o som da voz calma do professor, ouvia os gritos, os risos e os
choros, sentia a alegria, via a confusão…
Apesar
de tudo, um ligeiro sentimento de mal-estar teimava em perturbar aquela
sensação de felicidade. Era algo que começara de forma ténue, mas que
inexplicavelmente teimava em ganhar força, de forma estranha. De repente,
deixei de ouvir os passos do professor para escutar a sua voz, uma voz agora
diferente, desagradável e autoritária, que interrompeu os meus pensamentos,
fazendo desvanecer a alegria e a visão agradável do recreio:
- Com
que então o menino está a dormir na aula?!!!
Regressei
à primeira fase da realidade em sobressalto. À minha frente estava a figura
austera do professor com o semblante carregado e com a palmatória de madeira a
balançar na mão direita.
Foi
então que compreendi o motivo daquele mal-estar que me estava a perturbar a
felicidade daquele efémero regresso ao passado: a palmatória!... Estendi a mão
para o professor e zás… Escutei o barulho característico e familiar do embate
da madeira na palma da mão e estremeci. Foi então que tudo se desvaneceu; os
meninos tinham desaparecido e o professor também. Ali fiquei apenas eu, de mão
estendida e uma ligeira sensação de formigueiro nos dedos…
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Meu tempo na escola foi mais suave que o seu meu amigo. Na minha época não tinha nada para castigar o aluno sapeca ou malcriado... não físicamente ( graças a Deus) ...ahaha
ResponderEliminarA gente só ficava de castigo mesmo, sentadinho e ganhavamos mais lição de casa para fazer, o que tomava embora nosso tempo livre para brincar.
E, observando melhor esse objetos de castigo... ser aluno peralta era um grande prejuízo nessa época ai hein?
Beijinho e boa semana! :D
tin
Concordo com uma réguada ou duas quando merecidas. Penso que deveria voltar às nossas escolas com muita moderação e sentido de justiça. Evitava muita tragédia e sofrimentos maiores. Não é agradável, é verdade, mas não é o fim do mundo.
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