Quando
avistei pela primeira vez, na estrada que do IC3 segue para o Rabaçal e Ansião,
a placa indicando a direção da serra de Janeanes, o nome pareceu-me
“afrancesado” e senti enorme curiosidade de conhecer essa tal serra de Janeanes
e ver o que haveria por lá.
Iniciei
a íngreme subida para a serra e não foi preciso andar muito para começar a
apreciar vistas magnificas sobre o vale do Rabaçal e os “montes irmãos” do
Germanelo, Jerumelo e também do monte de Trás de Figueiró, todos eles já
abordados em artigos deste blog.
O moinho de vento no alto da serra. |
Cerca
de um quilómetro percorrido começa a desenhar-se no horizonte, para oeste, a
silhueta ainda desfocada, mas inconfundível de um moinho de vento. A paisagem é
caraterística das serras do maciço de Sicó: árvores de pequeno e médio porte, vegetação
arbustiva e muitas aflorações calcárias.
Não
tardam a surgir no campo visual os contornos de uma povoação, o que é
confirmado logo de seguida por uma placa identificativa da localidade, dando as
boas vindas à serra de Janeanes.
Afinal
Janeanes é uma aldeia que tem o mesmo nome da serra ou será a aldeia que dá o
nome à serra?
Não
demorou muito até que ficasse minimamente esclarecido sobre o assunto quando,
após passar junto à capela da aldeia, desemboquei no pequeno largo identificado
com dois painéis de azulejos colocados em paredes de edifícios opostos, como “Largo
João Eanes”.
Mas,
quem foi João Eanes?...
A
resposta está ali mesmo, nesses painéis que identificam João Eanes como o
fundador da aldeia e também num pequeno monumento que o apresenta a figura de
um camponês no seu trabalho de ceifa. João Eanes terá sido, portanto, um
camponês e a ele se deverá o surgimento daquela aldeia, em plena serra de Sicó.
Assim, o nome da povoação deriva do nome do seu fundador e por consequência
aquele monte ou montanha que faz parte duma região a que se dá o nome de Terras
de Sicó, terá adquirido de forma natural o nome de serra de Janeanes, embora
geograficamente ela faça parte de um conjunto montanhoso que abrange os
concelhos de Pombal, Condeixa-a-Nova, Alvaiázere, Ansião, Soure e Penela.
Voltei
a passar junto da capela, tendo-me despertado a atenção um pequeno painel de
azulejos que dá a conhecer que na aldeia viveu uma senhora que atingiu a bonita
idade de 125 anos, um longevidade notável e pouco comum que, quem sabe, se não
terá sido influenciada pelo ar puro da serra…
Segui
pela rua principal da aldeia, em calçada, ladeada por casa construídas com a
pedra abundante da serra. Com esta pedra da serra de Sicó, muitas estradas e
outras obras se têm construído, existindo na região algumas pedreiras que fazem
a sua extração em grande quantidade.
A Capela de Janeanes. |
A
calçada termina, as casas também e a estrada segue em terra, para oeste,
delimitada agora por muros toscos. Em alguns locais a via assemelha-se às
antigas estradas romanas, pois o piso assenta na rocha calcária fazendo
lembrar, ainda que vagamente, as antigas calçadas romanas. As propriedades por
aqui são também delimitadas por muros que no passado eram feitos à custa da
pedra extraída do solo, num esforço insano e inglório de tornar as terras mais
propícias à agricultura, ou à pastagem dos gados, esta talvez a atividade mais
produtiva da zona e talvez João Eanes que é apresentado como um camponês, tenha
também feito da pastorícia uma atividade primordial. Aliás, os pastos desta
região, onde abunda a erva-de-santa-maria, têm alguma fama, pois é-lhes
atribuído o gosto peculiar do queijo do Rabaçal, um produto muito apreciado e conhecido
a nível regional e nacional.
O
moinho de vento de Janeanes fica no ponto mais elevado do monte e uma
bifurcação da estrada dirige-se para lá em declive acentuado e, como não podia
deixar de ser, ali foram também instaladas umas antenas, provavelmente de algum
operador de comunicações, o que a par com postes e torres de eletricidade,
decoram com muito mau gosto as paisagens simultaneamente belas e agrestes
destas serras.
O
moinho de vento é igual a muitos outros que se encontram por esta região:
construído em madeira, toda a estrutura roda apoiada num eixo central e em duas
rodas de pedra, sobre um círculo também em pedra.
O moinho de vento semi-arruinado. Ao fundo avista-se Casmilo e o monte da Senhora do Círculo. |
A
estrutura deste moinho está em muito mau estado e a necessitar de uma intervenção
urgente. A madeira exposta às intempéries e que não seja preservada com a
aplicação periódica de um produto próprio para a sua conservação, degrada-se
rapidamente e a deste moinho está a precisar de ser substituída, sob pena de
poder ruir a breve trecho.
Mas
este moinho apresenta algo de diferente em relações às outras estruturas do
género. Normalmente, à exceção das rodas, o conjunto exteriormente é todo
composto em madeira, no entanto, neste moinho, foi aplicado um mastro em ferro.
Vê-se que é uma peça que foi feita de propósito para aquele fim, pois tem junto
ao corpo da estrutura os encaixes para as varas e na ponta do tubo metálico,
uma chapa circular com os furos para fixar as cordas ou espiar as varas.
Este
é o ponto mais elevado da serra e as vistas são magníficas. Não muito longe
daqui, no cimo de outro monte, avista-se o Santuário da Senhora do Círculo e,
mais perto ainda, espreita a aldeia de Casmilo que tem, nas suas proximidades,
uma interessante e curiosa formação geológica conhecida por Buracas de Casmilo.
Dirijo-me para lá…
Rabaçal, 4 de Março de 1973 relato de uma passagem de Miguel Torga pela região.
ResponderEliminar“O esqueleto de um moinho de vento a entristecer ainda mais esta paisagem desolada de paredes ressoantes, olivais mirrados e carrasqueiras agressivas. As rodas de pedra em que assentava todo o engenho, que assim podia ser adaptado a qualquer aragem, o ciclópico vigamento de carvalho que as unia, e as duas mós, suspensas no vazio, coladas uma à outra como maxilas defuntas. As velas voaram, o grão deixou de cair da moega, a fome mudou de rumo e da fábrica alada ficou apenas, à margem da estrada da vida, uma caricatura espectral. E é junto dela que penso noutros moinhos, que em vez do pão do corpo moeram pão do espírito, e de que só restam também carcaças semelhantes. Moinhos que, como este, tiveram destino, mas não tiveram futuro.” Miguel Torga Diário XI
Interessante este relato de Miguel Torga sobre a região. Não o conhecia e cumpre-me agradecer ao caro visitante pela sua partilha aqui no blog, pois vem agregar valor ao post. Penso que não se pode falar da serra de Janeanes sem citar o seu velho moinho que, infelizmente, no estado em que está se assemelha cada vez mais a um espectro. Mesmo assim, este moinho ainda tem uma missão a cumprir, pois recordar e respeitar o passado é acreditar no futuro e o moinho é um testemunho vivo desse passado que as gerações vindouras têm o direito de conhecer.
EliminarOlá meu amigo!
ResponderEliminarQue lugar peculiar essa Serra de Janeanes. Pesno que deve ser algo triste , porque parece um tanto deserto ... se bem que aqui onde moro voce teria a impressão de um formigueiro, de tanta gente que se vê!
Devo acrescentar que essa pequeno painel de azulejos, como voce descreve, foi o que mais me chamou a atenção nessa publicação, imagine viver 125 anos!!!
Obrigada por compartilhar , suas publicações são sempre cheias de informação.
beijinho da tin
Olá Tin!
EliminarVivi durante alguns anos em Lisboa, a nossa maior cidade que, mesmo não sendo como São Paulo, também dá essa impressão de formigueiro e devo dizer que nessa altura senti enormes saudades destas terras menos povoadas. São as paisagens maravilhosas, é o ar puro, o silêncio, enfim... é impossível não gostar disto...
Eu é que agradeço por a ter como leitora.
Beijinho.
Serra de Janeanes é fantástico e nada triste! A calma, natureza a dois passos do resto!
ResponderEliminarTiago