O “Meio Século” teve conhecimento de que o senhor José dos Santos, o funcionário público a quem a nossa equipa de reportagem fez uma entrevista acerca de um ano e que, na altura, se encontrava à espera da sua aposentação, já se encontra sentado no enorme banco dos reformados deste país. Resolvemos por isso enviar a nossa equipa de reportagem novamente ao seu encontro para saber como é que ele se está a adaptar à sua nova situação.
Segue-se o relato dos nossos repórteres:
Rumámos à aldeia do senhor José a um sábado logo pela manhã, cedinho, para ver se ainda o apanhávamos em casa não fosse o homem, que é um viciado em agricultura, estar já na sua horta e obrigar-nos a molhar os pés nas ervas cobertas de orvalho para ir ao seu encontro.
Afinal enganámo-nos no nosso raciocínio, pois o senhor José, quando tocámos à campainha da sua casa, surgiu à nossa frente de pijama vestido e com os olhos ainda inchados, o que parecia indicar que fora arrancado da cama devido à nossa chegada.
Meio Século – Ora viva, senhor. José! Disseram-nos que já está aposentado e, pelos vistos, não nos enganaram…
Senhor José – Bom dia! É verdade que já estou aposentado há alguns meses, mas o que é que querem dizer com essa de “não nos enganaram”?
Meio Século – É que pensámos que a esta hora talvez já estivesse na horta, mas pelos vistos está mas é a gozar do estatuto de aposentado, dormindo até tarde…
Senhor José – Pois… é que eu dormi muito mal esta noite… ando aqui com uma pontada nas cruzes… isto é de andar todo o dia agarrado à enxada e também deste tempo enevoado.
Meio Século (falando em surdina) – Pois…pois… todo o dia agarrado à enxada… que grande aldrabão! (falando agora em voz alta) – Bem senhor José, podia-nos ter avisado logo quando veio a sua aposentação, para falarmos consigo sobre o assunto, conforme lhe tínhamos dito da outra vez que cá estivemos.
Senhor José – Pois é, mas sabem que… é que as coisas não correram muito bem comigo, o meu processo acabou por se complicar devido a um mau preenchimento do meu pedido de aposentação, que acabou por ser um erro tripartido entre mim, o meu serviço e a Caixa Geral de Aposentações que, no caso desta última, se transformou num erro duplo. Assumo também alguma culpa no caso, devido a não ter exigido as informações que por direito me deveriam ter sido prestadas e por ter confiado em quem tratou da documentação. Esta situação mexeu um bocado com o meu sistema nervoso, pois estou a ser prejudicado no valor da minha pensão.
Meio Século – Mas, como assim… senhor José? Prejudicado por um erro? Mas não tratou de corrigi-lo? E afinal que erro foi esse?
Senhor José – Calma aí, uma pergunta de cada vez que eu explico tudo, mas não adianta ter pressa, que ainda agora é manhã…
Meio Século – Isso é para o senhor José, que agora quando acabou de se levantar já tinha o dia ganho, mas nós temos de fazer pela vida.
Senhor José – Ora, ora… vocês jornalistas é só escrever meia dúzia de patacoadas e o dinheiro cai logo do céu aos trambolhões. E ainda por cima inventam que se fartam…
Meio Século – O senhor José continua a bater na mesma tecla. Quantas vezes é preciso dizer-lhe que não somos jornalistas? E além disso fala de barriga cheia. Reformado do Estado!... Quem nos dera ter um ordenado como o seu, ainda por cima depois de ter passado um “vidão” a fazer pouco ou nada…
Senhor José (furioso) – Olhem lá ó jornalistas de meia tigela! Eu já trabalhei mais sozinho durante a minha carreira do que vocês os dois alguma vez vão conseguir fazer juntos. E se vieram para aqui para me chatear, podem dar meia volta e ir chatear o cara…ças!...
Meio Século – Vamos lá senhor José, tenha calma, nós só estávamos a brincar consigo, não é razão para dizer palavrões, que isso não fica nada bem a um funcionário público.
Senhor José (mais calmo) – Eu apenas disse caraças e isso na minha terra não é nenhum palavrão, mas mesmo que fosse, o que era isso comparado com o tal ex alto funcionário público, secretário de estado ou lá o que era que mandou o outro membro do governo levar no tal sítio que se escreve com duas letras apenas? Ou o vosso jornal é mais importante que as televisões que deram luz aquele texto maravilhoso, que de outro modo não saía lá da penumbra do jornal onde foi escrito?
Meio Século – O tal indivíduo escreveu isso num blogue, não num jornal, assim como nós também não somos de nenhum jornal, mas sim de um blogue. Mas tem razão, aquilo escrito lá no blogue não seria lido por mais de uma dúzia de pessoas, que é o que vai acontecer também com esta entrevista.
Senhor José – Vamos mas é deixar-nos desta conversa da treta. Querem ou não que vos fale do tal erro nos papéis?
Meio Século – Claro que queremos… somos todo ouvidos.
Senhor José – Então é assim: os requerimentos para aposentação contêm um espaço onde se pode colocar uma data posterior à data do requerimento para ser considerada como a data em que queremos que a nossa reforma seja atribuída. Essa data, posterior, é apenas obrigatória para quem ainda não tenha atingido as condições necessárias para poder ser aposentado e que apresenta o requerimento com algum tempo de antecedência.
Uma vez que a aposição dessa data a considerar é facultativa e se o espaço for em branco vão ser consideradas as condições legais à data de entrada do requerimento na Caixa e as condições de facto existentes (idade e tempo de serviço) à data da pronúncia do despacho, ninguém em seu perfeito juízo iria colocar a data do envio do requerimento como sendo também a data a considerar para a atribuição da pensão, uma vez que a contagem de tempo de serviço e da idade, param nessa data, que foi exatamente o que aconteceu comigo. Só me contaram a idade e o tempo de serviço exatamente até ao dia em que o requerimento foi enviado. Ora, mesmo que eu não contasse o resto, a situação neste ponto já era absurda, pois pararam a minha contagem retroativamente a dois dias tendo em conta a data de entrada do requerimento na Caixa (dois dias depois de ser posto no Correio).
Quanto a mim, isso já configurava uma situação ilegal uma vez que a data a considerar teria de ser posterior, nunca anterior à data de entrada do requerimento na Caixa ou mesmo à data do envio desse requerimento. Com esta brincadeira andei a trabalhar um ano e quase um mês (o tempo que decorreu entre a data do envio do requerimento e o despacho), sem que esse tempo em que fiz todos os descontos legais tivesse sido contado, assim como a idade o não foi também.
Meio Século – De facto andar a descontar e não contar para nada, parece uma estupidez…
Senhor José – Mas esperem aí que o melhor ainda está para vir… Passados dois ou três dias após o envio do requerimento comecei a refletir e a analisar a cópia do documento, enquanto ia também consultando a legislação sobre o assunto. Não demorei muito a chegar à conclusão que aquela data que tinha sido aposta como data a considerar na aposentação e que era afinal a mesma data da elaboração do documento, me poderia prejudicar. Aí não deveria constar data nenhuma e se ela ali fora colocada foi por engano ou por desconhecimento da legislação de quem fez o preenchimento do documento e também devido à minha própria ignorância, pois assinei o documento sem mandar retirar a data.
Segundo as normas legislativas sobre o assunto e que constam no site da CGA eu podia modificar essa data ou anulá-la mediante comunicação à CGA, comunicação essa que poderia se feita por email, que é, aliás, o meio recomendado pela Caixa para o fazer.
Segui esse procedimento, enviando um email dirigido à Direção da CGA, pedindo para não considerarem a tal data uma vez que ela tinha sido inscrita no requerimento por engano.
Meio Século – E então? … Responderam ao seu email?
Senhor José – Responderam. Essa resposta chegou cerca de uma semana depois e deixou-me absolutamente descansado. Diziam que a data a considerar seria ignorada, uma vez que se tratava da mesma data do requerimento e que a minha aposentação seria tratada tendo em conta as condições legais à data do requerimento e a situação existente de facto (considerando a idade e o tempo de serviço) na data do despacho.
Meio Século (repórteres boquiabertos) – Então e depois dessa resposta não lhe contaram a idade nem o tempo de serviço?!!!
Senhor José – Não! – Vejam lá se isto não é mesmo uma situação absurda, um autêntico disparate…
Meio Século – De facto… mas o senhor José não reclamou?
Senhor José – Claro que reclamei. Só que desta vez desloquei-me em pessoa aos Serviços da Caixa para apresentar a reclamação ao vivo e a cores! Afinal o serviço de reclamações através de email recomendado pela Caixa, revelou-se um autêntico fiasco.
Meio Século – E então, o que é que lhe disseram?
Senhor José – Tive que escrever uma carta ao Diretor Geral da CGA expondo a situação, apesar de, perante as provas apresentadas, estar absolutamente claro que se tratava de uma lamentável falha dos Serviços da Caixa, o que foi reconhecido pelo funcionário que me atendeu e que me atribuiu toda a razão, mas o erro não podia ser corrigido do pé para a mão e iria demorar o seu tempo, tempo que, entretanto, já vai em mais de dois meses.
Meio Século – O senhor José não voltou a saber mais nada?
Senhor José – Voltei! Aqui há dias telefonei para lá e depois de estar pendurado ao telefone durante 40 minutos, recebi a informação do que já conhecia: achavam que eu tinha toda a razão, mas tinha que esperar, que estas coisas levam tempo… que lá para o verão, talvez…
Meio Século – É uma situação chata, mas o que importa é que lhe façam justiça e já agora… em quanto é que está a ser prejudicado? E quanto é que está a receber?
Senhor José – Não acham que estão a ser indiscretos demais?
Meio Século – Ora, ora, senhor José. A nossa missão é informar e por isso temos de fazer perguntas…
Senhor José – Pois é, mas se quiserem saber quanto é que estou a receber consultem a lista publicada no D.R., que já lá está… é só procurar por José dos Santos… Quanto ao resto não sei exatamente…
Meio Século – Está bem, isso também não interessa muito, o que é interessante é essa história do patético erro que o está a prejudicar.
Senhor José – É verdade. E se me permitem deixo um alerta para os futuros candidatos à reforma: Tenham cuidado quando preencherem ou assinarem o requerimento para a aposentação; verifiquem se está tudo bem, porque os erros são fáceis de cometer, mas muito difíceis de corrigir.
Meio Século – Obrigado, senhor José, temos de ir andando, por agora, mas claro que voltaremos quando a situação estiver resolvida, que esperamos seja em breve.
Senhor José – Até depois, então…
(Esta é uma história de ficção. No entanto algumas semelhanças com pessoas ou factos reais poderão não ser mera coincidência.)
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