Fazer aguardente de medronhos

Nas zonas rurais, antes do aparecimento da Internet, para fazer pesquisas sobre qualquer assunto de que tínhamos pouco ou nenhum conhecimento, era costume irmos “pesquisar” ao café ou à taberna da aldeia. Nesses locais desenvolviam-se autênticos “fóruns” onde se discutia sobre os mais diversos assuntos. A agricultura era um dos temas mais falados e cada participante dava a sua opinião sobre a melhor maneira, ou sobre a melhor altura para semear as suas batatas, os seus feijões ou o seu milho. Os participantes nesses "fóruns" falavam também muito sobre a qualidade das suas árvores de fruto, incluindo, claro está, as suas videiras, do vinho que produziam e até da sua aguardente…

Eram lançadas para a discussão muitas opiniões diferentes e sobre o fabrico da aguardente, que é do que trato neste artigo, existiam também algumas ideias bastante diversificadas, porque nesta tarefa específica assim como em muitas outras não existia uma regra única e absoluta. Cada um tinha a sua própria ideia, que julgava ser a melhor, sobre a forma de fazer sua aguardente.

Agora já não existem esses fóruns de taberna, mas quem precisar de saber algo sobre agricultura, ou seja sobre que assunto for, basta recorrer à Internet e um mar sem fim de informação logo se estende à sua frente. O problema, porém, continua a ser o mesmo: a diversidade de opiniões e a dificuldade em saber qual a melhor e a mais credível informação. No caso do fabrico da aguardente aparecem sites de empresas, de algum modo ligadas a essa atividade, que expõem elas próprias a sua visão sobre o assunto. Serão talvez opiniões mais técnicas e aparentemente credíveis, mas o leitor com uma maior prática de pesquisa na Web não se deixa convencer pela primeira informação que lhe aparece e, continuando a sua pesquisa, é confrontado com imensas outras opiniões deixadas por internautas que querem partilhar os seus conhecimentos na matéria.

Apesar de já algumas vezes ter fabricado aguardente de medronhos e também de bagaço de uvas, essas tarefas foram feitas ainda no tempo em que não havia Internet, pelo que fui à procura de mais informação, aproveitando esse manancial de conhecimentos que é lançado na rede, para proceder da melhor forma à destilação dos medronhos que apanhei durante o mês de Novembro, passado.

Muitos dos sites ou blogs que falam do assunto repetem a mesma informação, basicamente com as mesmas palavras, tudo indicando que se trata de conteúdo reproduzido por internautas que não possuem experiência ou conhecimentos próprios sobre o assunto. No entanto, aparecem testemunhos muito interessantes de pessoas que produzem ou produziram a sua aguardente ou que de algum modo estão ou estiveram ligados a essa atividade. De qualquer modo surgem opiniões muito diversas, o que confunde e dificulta a formação ou a escolha de um plano para colocarmos da melhor forma a aguardente a correr pela bica do alambique.

Sobre o processo da fermentação dos medronhos é onde surgem mais opiniões díspares quanto ao tempo necessário para essa fermentação, sendo que a maior parte aponta para uma duração de 30 a 60 dias. Depois diz-se que de seguida os medronhos devem ser guardados durante 60 dias, mas também encontrei opiniões contrárias que dizem que após a fermentação a aguardente deve ser feita de imediato.


Sobre a destilação dos medronhos, ou seja sobre o fabrico da aguardente, também encontrei algumas opiniões divergentes, sobretudo no que diz respeito às três partes de que se compõe o destilado, ou seja, a cabeça, o coração e a cauda. As opiniões sobre as quantidades correspondentes a cada uma delas não são consensuais, apontando a maior parte das opiniões para 10/80/10 ou seja os primeiros 10% da aguardente recolhida corresponde à cabeça, os seguintes 80% ao coração e os restantes 10% à cauda. A dificuldade maior será saber exatamente a altura em que se deve fazer a separação ou o corte das aguardentes.

Também quanto ao que se deve fazer com a parte da aguardente correspondente à cabeça não existem um consenso, mas a maior parte da informação encontrada indica que se deve deitar fora porque contém matérias nocivas, sendo que a esse respeito existe informação assustadora, pois é afirmado que pode causar vários problemas, que incluem cegueira, se ingerida. Já quanto à cauda, parte que também é conhecida como “malafaia”, a maior parte das opiniões apontam para que seja misturada na alambicada seguinte. No entanto também encontrei quem dissesse que a aguardente devia ser toda misturada no final da alambicada para ficar com uma graduação uniforme.

Depois de um tanto confuso com a diversidade de opiniões e até um pouco apreensivo com algumas delas, achei que mesmo assim estava apto a lançar-me no fabrico da minha aguardente de medronhos; afinal já antes o fizera, sem me preocupar tanto e tudo correra mais ou menos bem.

Vou passar a contar como fiz a minha aguardente, mas tal como disse no meu primeiro artigo sobre aguardente de medronhos, esta foi apenas a forma como procedi que pode não ser a melhor nem a mais correta. Não pretendo ensinar ninguém a fazer aguardente de medronhos, mas apenas partilhar aquilo que aprendi com minha própria experiência e também nas pesquisas que fiz.

Os medronhos estiveram a fermentar durante dois meses e meio e formavam uma pasta homogénea, não havendo frutos ainda intactos como acontecera da primeira vez que fizera aguardente deste fruto, pois agora tinha esmagado os medronhos com uma trituradora e do recipiente onde estavam saía um agradável aroma (para quem gosta) parecido com o cheiro do vinho, mas mais suave. Como tinha vindo a misturar alguma água na pasta para esta ser menos densa e mais fácil de mexer não devia existir o risco de o produto agarrar ao fundo do alambique, pelo que optei por não utilizar um crivo de separação que eu fizera em alumínio para impedir que a parte mais sólida da pasta entrasse em contato com o fundo da panela. Tinha cerca de 40 litros de produto e como o meu alambique só tem 5 litros de capacidade, calculei que devia ter que levar a panela ao lume por algumas dez vezes, ou mais, atendendo a que não a poderia encher completamente.

Na primeira alambicada coloquei mais um pouco de água na panela para tornar a calda ainda mais fluida, mas foi a única vez que o fiz, pois verifiquei que com o aquecimento a pasta de medronhos ia ficando cada vez em estado mais líquido. Na primeira alambicada o produto demorou um pouco mais a começar a ferver, o que se justificava devido ao aquecimento das paredes da fornalha não estar ainda feito. Coloquei o pequeno capacete na panela, ainda antes da pasta estar em completa ebulição e preparei-me para recolher a primeira aguardente que ia sair pelo pequeno tubo do condensador.

O líquido começou a sair de uma forma um pouco irregular e foi-se depositando no fundo do copo mostrando ter um tom azulado, mas passado pouco tempo estabilizou, passando a correr um fiozinho certo e o líquido passou a ser claro e transparente. Quando julguei que já devia estar recolhida a parte correspondente à cabeça retirei o copo e lancei um pouco do líquido na fornalha para ver o que acontecia. Por pouco não fui atingido na cara por uma enorme labareda que saiu da boca da fornalha, indicando que a primeira aguardente estava com um grau alcoólico bastante elevado. Optei por guardar a parte restante numa garrafa à parte, pensando que ao menos poderia servir para ajudar a acender a lareira em casa.

A primeira alambicada foi feita um pouco às “apalpadelas”, pois não sabia exatamente a quantidade de aguardente que poderia extrair de um pouco menos de cinco litros de pasta de medronhos e também não tinha material para medir a graduação alcoólica, assim fui provando um pouco da bebida e recorrendo também ao “teste de inflamação, lançando um pouco de líquido de quando em vez na fornalha e verifiquei que só após a saída de meio litro de aguardente, o grau alcoólico pareceu começar a abrandar, pelo que subentendi que a partir da saída de meio litro de boa aguardente, começava a aparecer a chamada cauda da mesma. Daí para a frente comecei a separar os primeiros 5 cl, (ou até um pouco mais para maior segurança) que considerei como sendo a parte da cabeça da aguardente, a guardar os seguintes 50 cl e a aproveitar os últimos cerca de 5 cl para misturar na alambicada seguinte. Para isso recolhia a aguardente num copo que tinha uma escala, o que facilitava esta operação.

Tal como eu previra a pasta não se agarrara ao fundo da panela e após uma ligeira limpeza da mesma voltei a encher o recipiente e a colocá-lo sobre o fogo.

Na segunda alambicada o produto já levou menos tempo para começar a ferver e o processo passou a ser rotineiro; as alambicadas passaram a demorar cerca de uma hora e no primeiro dia, em cinco alambicadas que demoraram cerca de seis horas, extraí dois litros e meio de aguardente. Repeti a operação passada uma semana e consegui no total cinco litros de boa aguardente.

É certo que o alambique é muito pequeno, mas para quem o vai utilizar para fazer destilações para consumo próprio e pretende diversificar o tipo de bebidas que vai produzir, fazer, por exemplo, um pouco de aguardente de maçãs, peras ou figos, etc., tudo em pequenas quantidades, serve perfeitamente e a diferença de preço de um alambique de cinco litros para um de dez é bastante significativa.




No final da “safra” engarrafei a aguardente, tendo colocado rótulos nas garrafas em que dei um nome à aguardente e tudo!... Uma pequena brincadeira para dar um ar decorativo e alegre às garrafas e para, depois de vazias, guardar pelo menos uma para ficar para a posteridade e recordar mais esta aventura que foi a apanha de medronhos e a confeção da aguardente que, se fosse a fazer contas ao tempo despendido, ficavam num preço tal que daria para comprar umas tantas garrafas de whisky da melhor qualidade, mas não seria a mesma coisa. E o fabrico da aguardente, quando o tempo está frio ou chuvoso, até é uma atividade agradável. 

Preparei um vídeo com anotações sobre algumas das fases do processo da destilação.