CERÂMICAS EM RUÍNAS

A cerâmica é o material artificial mais antigo produzido pelo homem, existindo há cerca de dez a quinze mil anos. Do grego "kéramos”, "terra queimada" ou “argila queimada” é um material de imensa resistência, sendo frequentemente encontrado em escavações arqueológicas.

A cerâmica é uma actividade de produção de artefactos a partir da argila, que se torna muito plástica e fácil de moldar quando humedecida. Depois de submetida a uma secagem para retirar a maior parte da água, a peça moldada é submetida a altas temperaturas ao redor de 1.000oC, que lhe atribuem rigidez e resistência, mediante a fusão de certos componentes da massa, e em alguns casos fixando os esmaltes na superfície.

Essas propriedades permitiram que a cerâmica fosse utilizada na construção de casas, vasilhames para uso doméstico e armazenamento de alimentos, vinhos, óleos, perfumes, na construção de urnas funerárias e até como "papel" para escrita.

No meu percurso profissional, conta-se um período de dez anos de trabalho numa cerâmica de barro vermelho, de fabrico de tijolos e tijoleiras para edifícios. Ainda participei na construção desta cerâmica, que era já bastante evoluída em termos tecnológicos e que permitia a produção em grande escala desses materiais, tendo sido equipada com um moderno forno-túnel, de produção contínua, muito diferente dos antigos fornos em que era necessário o seu arrefecimento para proceder às tarefas de enforna e desenforna do material.

Esta cerâmica, que fabricava principalmente abobadilhas ou tijoleiras para pavimentos funcionava, há poucos anos atrás, quase ininterruptamente e produzia grandes quantidades desse material, na altura em que a construção civil era uma actividade bem visível no nosso país e por todo o lado se erguiam prédios e moradias.

Hoje, isso já faz parte do passado e essa fábrica, apesar da sua modernidade, juntou-se às muitas centenas de empresas do género que não sobreviveram à crise e encerraram as suas portas.


Ruínas de uma cerâmica, das muitas que se encontram pelo país fora.
A decadência desta industria, no que diz respeito a materiais de construção já não é nova e, por todo o país, muitas cerâmicas têm desaparecido, algumas completamente, sobrevivendo no local como testemunho desse passado, apenas as suas grandes chaminés cónicas, de tijolos vermelhos.

Mas a diminuição da construção de habitações não é a única culpada pelo colapso desta indústria, existindo outras razões, como o aparecimento de novos materiais e o desenvolvimento de técnicas de construção que podem também secundarizar os materiais cerâmicos. Os blocos de cimento já há muito tempo que começaram a ser utilizados principalmente em muros e outro tipo de construções que não exijam isolamento térmico ou anti-humidade, e embora não sejam muito utilizados em paredes de casas, vieram de algum modo competir com os tijolos cerâmicos. No entanto, agora, fabricam-se blocos com argila expandida, que é um material muito leve e que permite um bom isolamento térmico e acústico estando por isso a serem construídas paredes e tectos com este material, com prejuízo claro para os tijolos cerâmicos, apesar da argila expandida ser obtida, como o próprio nome indica, da argila ou barro, portanto a mesma matéria-prima que é utilizada no fabrico dos tijolos e telhas.

E até os telhados de muitos edifícios passaram a ser feitos com outros materiais que vieram substituir as tradicionais telhas de barro, depois de estas serem há muitos anos utilizadas nas coberturas de casas, fábricas, armazéns e todo o tipo de construções.

A crise chegou também as cerâmicas de barro branco, de produção de azulejaria e sanitários e muitas têm também encerrado, uma das quais a Estatuária Artística de Coimbra ou Cerâmicas Estaco, que era uma referência do ramo no distrito de Coimbra e se encontrava nos anos oitenta em plena laboração, está há vários anos ao abandono, com as silvas e ervas daninhas a tomarem conta do espaço e restos de louças sanitárias espalhadas pelo chão. Os seus edifícios têm um aspecto fantasmagórico: parece que sofreram um bombardeamento, sem telhados, vidros partidos, autênticas ruínas…



As Cerâmicas Estaco, que já deram trabalho a muitas centenas de trabalhadores, estão agora completamente em ruínas. Um cenário chocante para quem viu estas fábricas em laboração.
O ambiente desta zona (Pedrulha-Coimbra) nada tem a ver com o que se passava ali na década de oitenta, quando esta e outras fábricas próximas estavam em pleno funcionamento e davam trabalho a muitas centenas de pessoas, tendo eu próprio nessa altura recebido uma proposta de trabalho para a Estaco, por intermédio de um funcionário dessa empresa, meu conhecido, que não aceitei.

Infelizmente as cerâmicas não são as únicas empresas em decadência e outros ramos de industria dependentes da construção civil, também passam por sérias dificuldades, como serrações de madeiras ou fábricas de transformação de mármores e granitos e muitas outras, encontrando-se encerradas a maior parte delas, o que atesta bem a importância que teria para o país possuir um sector como o da construção civil, em expansão, com os benefícios que daí adviriam no desenvolvimento da economia e criação e manutenção de emprego.

É verdade que a crise á geral, não se limitando à área da construção; no entanto, costuma-se dizer que este ramo de trabalho “mexe com tudo” e embora não seja realmente assim, o certo é que ao redor da construção civil gravitam imensas empresas que dela necessitam para a sua sobrevivência.

Resta esperar que melhores dias venham e que muitas fábricas que se encontram pelo país fora em estado degradante possam ainda renascer e voltar a ouvir-se o som tradicional das sirenes que marcavam o início e o fim das jornadas diárias de trabalho.

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A Indústria da Argila em Miranda do Corvo
Os Trabalhadores do Barro
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3 comentários:

  1. Amigo, por onde estava? Percebi se ausentou por algum tempo, mas...claro, voltou com um monte de informação!

    Não imaginava que cerâmica poderia ser matéria prima para papel, como funciona isso?
    E, falando de crise, tenho uma senhora amiga minha aqui no Brasil que é Portuguesa e que imigrou ainda jovem junto com o marido para viver aqui a longo tempo... uma vez ela se lamentou comigo que não gostaria de voltar a aldeia de onde ela vinha porque sabia que iria ficar imensamente magoada, pois os habitantes de lá, por falta de emprego, sairam todos e abandonaram o lugar... aqui fico na memória dele como quando ela era criança , é assim que ela quer lembvrar do lugar onde viveu em Portugal...
    Entendo as razões da senhora e, imagino bem o que é isso vendo essas fotos que voce mesmo diz ficar chocado!

    Dias melhores virão , é assim que deve pensar. Boa semana J. Alexandre , um grande abraço!

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  2. Amiga Cintia:
    O termo "papel" é em sentido figurado, na verdade tratavam-se de pequenas placas de cerâmica onde se escrevia, mas há imenso tempo como é evidente. A própria Bíblia terá sido escrita também neste material, entre outros.
    Quanto aos locais representados nas fotos, são impressionantes pela negativa, mas não tem a ver directamente com a cerâmica em geral, mas mais com a parte de produtos serâmicos destinados à construção civil.
    Uma boa semana também para si. Um grande abraço e muito obrigado pela participação.

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  3. ah claro...ahahaha, voce tinha me convencido de que era papel mesmo...ahahahah

    olha minha cara de boba agora...ahahaha

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