CONCURSOS PARA INGRESSO NA FUNÇÃO PÚBLICA - breves histórias


A Administração Pública sempre foi muito procurada para a obtenção de emprego. Foi criado o mito de que quem trabalhasse para o Estado, sem excepções, auferiria de bons ordenados e regalias sem fim, para além de estabilidade no emprego. De todas estas benesses só a última e que tem algum fundo de verdade, mas até essa parece ter acabado.

Lembro-me de, no ano de 1976, após a minha saída do serviço militar, numa altura em que era tão ou mais difícil do que actualmente arranjar trabalho, ter concorrido para alguns serviços da Função Pública e ter até conseguido arranjar um lugar nos serviços de Higiene da Câmara Municipal de Coimbra, devido a um erro de interpretação da minha ficha de inscrição, pois no local destinado à profissão escrevera operário da construção civil e os serviços interpretaram isso como pedreiro.
Na altura da tomada de posse desse serviço o lapso foi descoberto, pois eu na altura era apenas um servente com poucos meses de trabalho nessa profissão, mas, no entanto, não me retiraram da lista para entrar, onde até figuravam alguns recém-licenciados, pois isso iria provocar muitas alterações e eu não era culpado do sucedido. Não cheguei a tomar posse desse lugar devido a problemas relacionados com transportes e horários, apesar de até já ter uma vassoura de gilbardeira (planta arbustiva muito utilizada para fazer vassouras para varrer ruas e limpar chaminés) à minha espera, com o meu nome gravado no cabo e tudo!

Em 1988 fui admitido a um concurso para cabouqueiro dos Serviços Municipalizados de Coimbra e, depois de ter feito provas escritas em que tive uma boa classificação, passei à fase de provas práticas. Ainda hoje recordo essas provas como uma prepotência ou até como uma forma de gozar as pessoas que concorreram sem conhecer os meandros do sistema. Os lugares a atribuir eram mais de uma dezena, mas esses postos de trabalho já se encontravam todos ou quase todos ocupados com trabalhadores contratados, sendo o concurso apenas um “verbo-de-encher” e quem concorria externamente tinha poucas ou nenhumas hipóteses de ser admitido.

O que sei dizer é que naquele dia apanhei uma valente suadela a abrir à pá e picareta um buraco que calculo teria cerca de 1,50mX1,00mX1,00m.

Inicialmente éramos mais de uma centena de concorrentes, mas depois das provas escritas o número foi reduzido para cerca de metade. Eu e os restantes sobreviventes do concurso fomos transportados em camiões para um terreno nas margens do rio Mondego, onde estavam os buracos já marcados. O tempo gasto na abertura do buraco era cronometrado e a classificação seria atribuída mediante o tempo e também a perfeição do buraco, pois este tinha de ter as medidas exigidas e as paredes estarem bem aprumadas.

O local parecia uma feira tal era a algazarra que os concorrentes faziam antes do início do trabalho; porém, depois de cada um ser colocado ao lado da sua marcação de buraco, munido de uma pá e uma picareta e depois de dado o sinal para começar o trabalho fez-se um silêncio sepulcral, ouvindo-se apenas o bater da picareta no solo e de um ou outro suspiro de algum concorrente menos habituado àquele tipo de “esferográficas”.

Fui dos primeiros a terminar o buraco, talvez o terceiro ou quarto, e o trabalho estava nas devidas condições, pois teve a aprovação das pessoas que estavam encarregadas dessa verificação, o que aliado à boa classificação que tivera nas provas teóricas, devia ser suficiente para ser um dos candidatos admitidos, se houvesse alguma seriedade nestas coisas.

Não me recordo do resultado exacto da classificação final e apenas tomei conhecimento dele através de um telefonema que fiz para os Serviços, algumas semanas depois; sei apenas que me disseram que com o resultado que obtivera não tinha qualquer possibilidade de ser admitido, apesar do concurso ser válido também para as vagas que se viessem a verificar no prazo de dois anos.

Isto é apenas um exemplo da perda de tempo e de recursos gastos neste tipo de processos, para além de enganarem e criarem falsas expectativas nas pessoas. Naquele caso concreto e muitos outros terão existido em que os concursos não serviram para nada, pois os lugares já estavam de antemão preenchidos e mesmo para os que ainda não estivessem ocupados seria sempre dada primazia a concorrentes que tivessem a sua cunhazinha, ou os chamados “padrinhos” (penso que me entendem) e, se havia necessidade de o fazer, ao menos poderiam ter informado as pessoas sobre como as coisas se processavam, para depois ninguém se sentir enganado.

A respeito de concursos para a função pública tenho mais histórias para contar mas têm de ficar para outra altura. 

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1 comentário:

  1. Bom dia Amigo José Alexandre
    Também já senti isso na pele quando concorria para a Administração Pública.
    Depois fiquei a saber uma coisa...quem neste país não conhecer o Dr.Cunha Valente não se safa.
    Ele a mim nunca me foi apresentado, tenho pena, e ao Amigo Alexandre pelos vistos também não.
    Um abraço
    Camilo

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