O cume do monte Gerumelo. Ao fundo a elevação cónica de Germanelo. |
Perto de Penela existem dois montes que distam entre si cerca de dois quilómetros. São os montes Melo, a norte e Gerumelo, a sul. Num desses montes, o Melo, existe um castelo que foi erguido por D. Afonso Henriques em 1142 e que se encontra quase todo destruído. As atuais muralhas, ameadas, foram parcialmente reconstruídas no troço norte, séculos mais tarde, seguindo o traçado original, pelo seu proprietário, o historiador de Penela, Professor Salvador Dias Arnaut (1913-1995).
Diz uma lenda muito antiga que nesses montes habitaram dois irmãos, ferreiros de ofício. Esses irmãos eram gigantes e tinham o mesmo nome dos montes em que se haviam instalado. Cada um em seu monte e com a sua forja exercia a sua profissão, mas, segundo a lenda, não possuíam mais do que um martelo e dele se serviam alternadamente. Quando o Gerumelo precisava do martelo, chegava à porta da forja e gritava ao Melo, para este lho atirar, e vice-versa. Isto repetia-se de todas as vezes que trabalhavam. Só a força de gigantes podia arremessar o martelo, a tão grande distância.
Ora, aconteceu que um dia o Gerumelo se zangou com o irmão e, quando este lhe pediu o martelo, arremessou-lho com tamanha violência e mau humor que ele se desencabou no ar. A maça de ferro foi cair no sopé do monte Melo e logo ali rebentou uma fonte de água férrea — a fonte da Ferratosa (atual Fartosa) Quanto ao cabo, que era de madeira de zambujo, precipitou-se mais longe, enraizou e deu origem a um bosque de zambujeiros, onde posteriormente se veio a formar a aldeia que tem, hoje, o nome de Zambujal.
Ora, aconteceu que um dia o Gerumelo se zangou com o irmão e, quando este lhe pediu o martelo, arremessou-lho com tamanha violência e mau humor que ele se desencabou no ar. A maça de ferro foi cair no sopé do monte Melo e logo ali rebentou uma fonte de água férrea — a fonte da Ferratosa (atual Fartosa) Quanto ao cabo, que era de madeira de zambujo, precipitou-se mais longe, enraizou e deu origem a um bosque de zambujeiros, onde posteriormente se veio a formar a aldeia que tem, hoje, o nome de Zambujal.
É verdade que esta lenda é muito conhecida, assim como o monte onde habitou o irmão Melo e onde se encontra o castelo, assim como o que dizem ser as ruínas da forja do ferreiro gigante. Mas, a verdade também é que sobre o monte Gerumelo pouco ou nada se sabe. Desse monte apenas se encontram, na Internet, fotografias captadas muito ao longe, o que pode querer dizer que a lenda não faz despertar o interesse pelas pesquisas no local ou, talvez, esse desinteresse se deva às dificuldades do percurso para chegar ao cimo do monte.
Movido pela curiosidade de saber exatamente como é o monte Gerumelo e o que possa existir no cume decidi partir à aventura e fazer a escalada do monte. - Talvez encontre por lá alguns restos da forja ou da bigorna do Gerumelo; o martelo não vou encontrar de certeza, pois esse ficou soterrado no sopé do monte Melo - pensei, lembrando-me da lenda.
A aldeia de Casas Novas, no sopé do monte. Curiosamente esta aldeia pertence ao concelho de Soure, apesar de distar de Penela apenas uma escassa meia dúzia de quilómetros. |
Depois de algum tempo a procurar um acesso ao monte que me desse alguma segurança pois era dia de caça e na zona ouviam-se com frequência disparos de caçadeira e, como não queria ser confundido com nenhuma peça cinegética, iniciei a subida do monte pela sua vertente leste, depois de ter atravessado a aldeia de Casas Novas e ter seguido durante algumas centenas de metros por uma estrada de pedra e depois por um estreito trilho que seguia quase em linha reta em direcção ao topo. Trata-se de uma subida muito íngreme e, por vezes, tive que me desviar do trilho, por se tornar mais fácil a escalada fora desse mesmo trilho.
Esse caminho deve ser, muito provavelmente, utilizado por praticantes de descida em BTT, pois não nos parece possível a subida do monte por qualquer tipo de veículo. Só a pé e mesmo assim com muitas dificuldades.
Quando cheguei ao cimo verifiquei, com alguma desilusão, que excetuando um marco geodésico, não existe mais nada que indicie ter havido por ali alguma actividade humana. Apenas talvez, uns socalcos ou leirões que circundam a vertente oeste, possam ter sido feitos por mão humana para o cultivo de alguma coisa, em tempos remotos. Dada a pobreza dos solos ao redor do monte, fui levado a inclinar-me para essa hipótese, apesar da acentuada inclinação do terreno. Esta elevação termina em cone quase absoluto, ao contrário do monte Germanelo, que tem no seu topo um pequeno planalto, onde se situa o castelo, que talvez tenha sido feito por mãos humanas, aquando da construção do mesmo.
Outra diferença bem visível entre os dois montes é a sua flora. Enquanto no monte Gerumelo quase não existem árvores e a sua vegetação é rasteira, no Germanelo esta é mais abundante, existindo também muitas árvores. Em comum estes dois montes têm, além da lenda que os une, também a magnifica paisagem que do seu alto oferecem sobre o amplo vale do Rabaçal sendo, na minha opinião, lamentável o facto de não ter acessos ao seu topo um pouco melhores, pois se os tivesse certamente teria a visita de muitas pessoas, pois trata-se de um percurso muito bonito, que atrairia pessoas que gostam de praticar exercício físico em contacto com a natureza e certamente a lenda do gigante Gerumelo ajudaria a trazer as pessoas até cá acima. O monte Melo antes do arranjo dos seus caminhos era também pouco visitado, mas hoje já atrai muitas pessoas que vão conhecendo a história do castelo e a lenda dos dois irmãos ferreiros.
Encontrava-me nestas cogitações quando o monte começou a ficar envolto num ténue manto de nevoeiro. Cansado pela subida sentei-me no pequeno rebordo circular do marco geodésico e, deixando-me envolver pela quietude e silêncio do local, fechei os olhos e encostei a cabeça à parte cónica do marco, meditando sobre a história dos ferreiros e interrogando-me sobre a origem e veracidade daquela lenda.
De repente estremeci... como que a responder às minhas dúvida ouvi, vindo das entranhas da terra, o som de um maço a bater em ferro. Pensando que era uma ilusão, ou que talvez se tratasse do chocalho de alguma ovelha tresmalhada que andasse a vaguear nas proximidades, recostei-me novamente para retemperar as forças para a descida do monte.
Passados alguns minutos, fiquei novamente alerta, pois, vinda das nuvens, escutei uma voz que gritava:
- Gerumelo! Gerumelo! Atira para cá o malho, Gerumeeeee...looo!!!...
Então a terra estremeceu e, vindo das entranhas do monte, ouvi o vozeirão do Gerumelo:
- Já vai, mano, já vai, espera só um pouco…
De novo escuto o barulho característico do malho a bater em ferro e, decorridos alguns minutos, outra vez a voz do Gerumelo:
- Aí vai o malho, mano!... Aí vai eleeee!!! …
Nesse momento senti uma ligeira brisa agitando o monte e de seguida escutei um silvo rasgando os ares e outra vez a voz do gigante Melo, trazida pelo nevoeiro:
- Obrigado, Gerumelo! Quando precisares dele, avisa para cá!
O silêncio voltou a reinar naquelas paragens e então abri os olhos e vi que o nevoeiro já tinha desaparecido, restando apenas algumas brumas envolvendo e parecendo tornar ainda mais misterioso o castelo no outro monte.
A vertente norte do monte. É a zona de melhor acesso ao cume. |
Iniciei a descida pela vertente norte e, apesar de por ali a inclinação ser menos acentuada, era também impossível a subida por outro meio que não fosse o uso das pernas, mas de qualquer modo o acesso pareceu-me muito mais fácil, apesar de em alguns pontos a inclinação ser bem grande.
Quando cheguei à base do monte encontrei uma estrada em terra batida, mas em bom estado e, virando à esquerda, cheguei em poucos minutos à localidade de Tamazinhos, uma aldeia semi-abandonada, onde passou outrora a Estrada de Coimbra, uma via romana que ligava Coimbra a Santarém.
Menos de um quilómetro percorrido e eis-nos a entrar na aldeia da Ferratosa, a atual Fartosa; povoação que ficou ligada à lenda dos germanelos, devido à nascente de água férrea que ali brotou com queda do malho do Gerumelo.
Aldeia da Fartosa. |
Do livro "Penela - História e Arte, de Salvador Dias Arnaut, transcrevo o seguinte trecho, relacionado à aldeia da Fartosa:
A primeira referência conhecida à Fartosa é de 1160: fala-se da foz de água de Ferratosa (ribeiro da Fartosa) no rio Ulmar (o “Carálio”). Em 1174 menciona-se a fonte da Ferratosa, que se supõe ser mesmo a fonte da Fartosa, que fica em lugar umbroso, à beira do ribeiro.
O nome da aldeia vem de “ferro”. A fonte é de água férrea. Se não fosse a fonte, decerto a Fartosa nem teria nascido. A lenda dos ferreiros Melo e Gerumelo é uma explicação para a maravilha de uma nascente, para mais de água férrea, naquele descampado calcário…
Continuei a viagem em direção ao Rabaçal…
Um poço de surpresas! Eis o que a vida sempre nos reserva.
ResponderEliminarGostei, desconhecia a lenda. Apreciei a forma como me foi apresentada por este contador de viagens...a sensibilidade e a dedicação demonstradas, são de louvar. Parabéns!
Conheço bem a zona da qual gosto muito... tantos das terras como dos maravilhosos queijos... Embora nunca tenha subido os montes... e não conhecesse a lenda... mais um desafio, um dia destes e aproveito para trazer uns queijinhos...
ResponderEliminarGostei... parabéns...
Mário Santiago
Olhe que os montes são muito interessantes. Belas paisagens, ar puro...
ResponderEliminarMas cuidado... não vá o Jerumelo estar outra vez de mau humor!...