Fui
pela primeira vez à serra da Estrela, numa excursão, já lá vão umas dezenas de
anos, por alturas da primavera para aproveitar a existência de neve na serra.
No
percurso de regresso passámos pelas Penhas Douradas, estando anunciada uma
paragem na nascente do rio Mondego. Eu estava muito entusiasmado com essa
visita, pois sendo o Mondego o maior rio inteiramente português, imaginava a sua nascente provavelmente
como uma enorme cratera na montanha, de onde sairia em turbilhão uma grande
quantidade de água, que formaria gigantescas ondas de espuma, antes de começar
a deslizar livre e serena por entre margens distantes…
O
autocarro descia devagar pela estrada da montanha, quando se ouviu a
voz do responsável pela excursão a dizer:
Desci
do autocarro tendo de imediato estranhado o silêncio do local. Não se ouvia
barulho nenhum de água a correr. Também não se avistava nada que se parecesse
com um rio…
-
Será que se enganaram?! Aqui não há nascente nenhuma! – pensei entre admirado e
incrédulo.
Entretanto
as pessoas, algumas munidas de garrafas ou garrafões, estavam a dirigir-se para
uma pequena fonte existente na berma da estrada, de onde brotava um fio de água
que caía para uma pia de pedra, passando depois por debaixo da estrada, após o
que se sumia no meio de densa vegetação.
-
Então isto é que é a nascente do Mondego?!!! – murmurei incrédulo, enquanto me
aproximava da pequena fonte. - Grande cachola!
A nascente do rio Mondego |
Ai oh água do Mondego
Ai águas do mondeguinho
Num dos teus barcos à vela
Seguirei o meu caminho
Ai oh água do Mondego
Ai águas do mondeguinho
Deixa-me beber-te as águas
Que me vou pôr a caminho.
Ai águas do mondeguinho
Num dos teus barcos à vela
Seguirei o meu caminho
Ai oh água do Mondego
Ai águas do mondeguinho
Deixa-me beber-te as águas
Que me vou pôr a caminho.
(Balada de Coimbra)
O certo é que este fio de água se vem a transformar num grande rio que, após deixar o seu percurso tumultuoso na montanha, foi outrora navegável entre a zona de Penacova e a Figueira da Foz.
No
tempo da ocupação romana os navios vindos do Oceano Atlântico ainda chegariam a
Coimbra, mas o progressivo assoreamento foi reduzindo a navegação para montante
exigindo barcos de menor porte: as barcas serranas. Estas embarcações ficaram
para sempre ligadas ao rio Mondego e ainda navegaram durante quase todo o
século XX, fazendo o transporte de mercadorias do interior para o litoral. Hoje
têm um lugar importante na história das povoações ribeirinhas do Mondego e do
próprio país, pois a História de uma Pátria é composta por todas as pequenas
histórias da vida do seu povo.
Monumento de homenagem à Barca Serrana, em Penacova. Esta barca encontra-se exposta numa rotunda de acesso ao IP 3. Destaque para a sua proa altiva. |
Hoje
as barcas serranas que ainda existem são peças de uma história que é importante
preservar estando algumas em exposição, umas das quais se encontra no Museu de
Marinha, podendo ser apreciada pelas muitas pessoas que visitam aquele espaço.
Encontra-se outra exposta numa rotunda em Penacova, junto ao nó de acesso ao
IP3.
Mas
as barcas serranas não desapareceram totalmente do rio. Ainda se lá encontra
uma e a navegar! Esta barca, está fundeada junto ao Museu da Água, de quem é
propriedade, e pode proporcionar belos passeios pelo rio, nos meses de verão, a
quem o desejar.
Esta
barca está ali com a finalidade de manter viva a sua história e foi construída
com esse propósito em 2010, pela empresa PMHR, de Paulo Rodrigues, situada em
Ferradosa – Penacova.
Fotos da Barca Serrana em construção, gentilmente cedidas por Paulo Rodrigues:
Fotos da Barca Serrana em construção, gentilmente cedidas por Paulo Rodrigues:
Fotos da construção da barca que se encontra atualmente no rio Mondego, em Coimbra. A foto de cima representa uma fase ainda inicial da construção, sendo praticamente o esqueleto da embarcação. Na foto do meio a barca está já em vias de conclusão, destacando-se a popa e o leme. A imagem de baixo mostra a barca já com a sua vela desfraldada, pronta a deslizar nas águas do Mondego.
Estas embarcações são construídas com madeira de carvalho e pinho e é aplicado um tratamento para a sua conservação. No final são revestidas com pez, o que lhes dá aquele tom escuro, ou mesmo negro.
Esta empresa que se dedica à arte de carpintaria e marcenaria, está atualmente a construir uma outra barca serrana que irá também navegar no Mondego, na zona de Penacova. O passado está, assim, cada vez mais presente no rio e a história daqueles tempos difíceis, mas que são recordados com nostalgia, terá nessa barca mais um exemplo vivo desse passado.
A
construção de represas no rio veio dificultar ou mesmo impedir, de forma
continuada, a navegação em todo o seu percurso, embora facilite a sua navegação
localizada, como é o caso da albufeira formada pelo Açude-Ponte, em plena
cidade, onde o “Basófias”, o maior barco que navega no médio Mondego, faz
pequenas excursões turísticas neste espelho de água de cerca de três
quilómetros.
Barcos do Mondego... O Basófias e a Barca Serrana... O passado e o presente, lado a lado, no maior e mais carismático rio português. |
Antes
da construção do Açude-Ponte ainda se viam alguns barcos de madeira, na zona da
cidade. Nem todos tinham a magnitude das barcas serranas, mas a sua missão era
muito diferente das pequenas embarcações desportivas que hoje povoam o rio, não
só na área citadina, mas também para montante, sobretudo na zona de Penacova.
Nos
anos 60 ainda existiam alguns barqueiros no rio e uma das suas missões, naquela
altura, era ajudar as pessoas a fazer a sua travessia e, para isso, montavam
pontes de madeira que eram percorridas por peões, que para a utilizar pagavam
uma pequena portagem.
Estes
barqueiros tinham uma enorme destreza a manobrar as suas barcas, como pude
comprovar um dia, ao atravessar uma dessas pontes, que ligava as duas margens
do rio próximo do local onde foi construído o Açude-Ponte.
Nesse
dia atravessava a ponte na direção da margem esquerda, para ir ao Almegue.
Transportava dois garrafões vazios e, a dada altura, deixei cair um para a
água. Perante a minha aflição pela iminente perda do garrafão, o barqueiro
saltou para uma barca que estava ancorada junto à ponte e, impulsionando a
embarcação à vara e a favor da corrente, conseguiu apanhar o garrafão, já a
muitas dezenas de metros de distância, pois naquele local as águas do rio deslizavam
com alguma força. No regresso para a ponte, lutando contra a corrente, o
esforço foi muito maior e tudo isto por causa de um garrafão vazio! Um exemplo
de solidariedade que me ficou na memória…
Agradecimento:
Meio Século de Aprendizagens agradece a Paulo Rodrigues da empresa PMHR, a cedência das fotos e os esclarecimentos prestados.
Fonte consultada:
Wikipédia
Artigos relacionados:
Sistemas primitivos de navegação no Mondego
Barca Serrana já navega em Penacova
Histórias do Mondego
As pontes de madeira em Coimbra
Zona Centro - Listagem de artigos referentes à região centro
Agradecimento:
Meio Século de Aprendizagens agradece a Paulo Rodrigues da empresa PMHR, a cedência das fotos e os esclarecimentos prestados.
Fonte consultada:
Wikipédia
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Ah querido amigo... o que começa de mansinho . muitas vezes se torna imenso!
ResponderEliminarEnquanto estava lendo sua escrita, já tinha desde o começa a ideia de que a nascente do rua era um fio d'água ... como eu sabia? Um dos maiores rios da cidade onde eu moro começa do mesmo jeito... um fiozinho cristalino de água corrente que brota da terra em meio a vegetação, nem tão pomposo como esse de Mondego e infelizmente, dada a situação de o Rio Tietê percorrer muitos caminhos e passar por meio a selva de pedra onde moro, ele se torna um rio morto aqui na metrópole e, devo dizer muito triste!
Lindos os barcos José Alexandre, gostei muito das fotos!
Um beijinho dessa sua amiga ;)
sempre escrevo tudo correndo...preciso tomar o costume de reler antes de pubblicar ...ahahah
ResponderEliminarEntão, desculpe os erros de digitação ,' a nascente do rio era um fio dágua' , era isso :D
Olá Cintia. Obrigado pelo comentário.
ResponderEliminarFico muito contente por ter gostado das fotos dos barcos. A verdade é que eu também gosto muito de barcos, sejam de que tipo forem, mas a Barca Serrana é especial.
Fiquei com pena do rio Tietê ser como descreve. Felizmente o rio Mondego dá vida e alegria à cidade por onde passa, a minha cidade, que é Coimbra, e a Figueira da Foz, onde desagua, deve também muito da sua beleza ao rio Mondego.
Um beijinho também para si.
Boa tarde estou a procurar noticias de meu bisavô Manuel Pereira ,filho de João Pereira e Rosa de Jesus ,trabalhava nas barcas serranas do Mondego ,ele saiu daí para o Brasil após ter engravidado uma prima , chegando no Brasil trocou de nome ,mais seus irmãos afirmavam que ele era natural de Portugal e todas as histórias que temos são destes irmãos já todos falecidos.estou a buscar registros de Baptismo ,caso saibam de alguma coisa favor comunicar (documento de registro dos barqueiros e coisa e tal.) via e-mail exotic.pet@gmail.com
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