A INDÚSTRIA DA ARGILA EM MIRANDA DO CORVO

Painel de azulejos, no Carapinhal, retratando a actividade do oleiro
Miranda do Corvo está há muitos anos ligada à indústria do barro. Pode-se até falar em muitos séculos de tradição na arte da olaria, pois a sua origem é muito remota, sabendo-se que teve grande incremento nos séculos XVI e XVII.

Essa arte tem sobrevivido ao passar dos anos e ainda hoje tem muita importância no concelho, não só pelos produtos que são fabricados, mas também pelo valor histórico e artesanal associados. Esses produtos actualmente são mais utilizados como decoração, mas há alguns anos atrás faziam parte do dia-a-dia das pessoas e havia alguns que eram completamente indispensáveis. Entre estes sobressaía o cântaro que era utilizado para transportar água das fontes, não só para beber mas também para outros usos, antes do aparecimento da água canalizada. As fontes onde se iam encher os cântaros eram pontos de convívio das populações e junto a elas muitas vezes se faziam jogos populares e bailaricos. As senhoras transportavam os cântaros à cabeça e ainda hoje, quando me lembro disso, fico fascinado pela sua habilidade prodigiosa, pois equilibravam o cântaro cheio de água, em cima da cabeça, sem utilizar as mãos.

Outro recipiente de barro muito conhecido era a bilha ou “moringa”, que era utilizada também para a água, nesta caso apenas para beber. A bilha tinha fama de tornar a água mais fresca e saborosa e era muito útil para as pessoas que se deslocavam para as suas terras de cultivo para trabalhar.

Não se pode falar da olaria de Miranda do Corvo sem citar as célebres caçoilas, fabricadas em barro vermelho ou preto, que ainda hoje são muito utilizadas para confeccionar a não menos célebre chanfana, uma receita originária do concelho. Essas caçoilas são preparadas para resistir a grandes temperaturas pois a chanfana, composta de carne de cabra, é mergulhada em vinho tinto e assada em fornos de lenha no interior desses recipientes.

Mas muitos outros utensílios de barro eram e ainda são produzidos na vila, principalmente na aldeia do Carapinhal, onde continuam a funcionar várias oficinas de oleiro.

Lembro-me de ver nos meus tempos de criança, no mercado semanal da vila, grandes quantidades desses produtos à venda que ali chegavam em carros de bois completamente carregados, o que diz bem da elevada procura que tinham na altura.

A frente do forno para cozedura de telha serrana.
A par com a arte da olaria, existiram também outras indústrias que utilizavam o barro como matéria-prima para o fabrico de materiais de construção como: telhas, tijolos e tijoleiras para pavimentos, entre outros. Infelizmente já nada disso existe hoje e se algumas dessas fábricas foram desaparecendo por terem ficado obsoletas, sem modernização, existe uma no concelho, de construção relativamente recente e equipada com tecnologias modernas, que também parou a sua laboração, sendo neste caso a prolongada crise que atravessamos o principal motivo dessa paragem.

O interior do forno. Por esta imagem se vê o completo estado de abandono a que foi votado!
As "telhas serranas" cozidas
 nos fornos do Vale Feijão
Em Miranda do Corvo, mais precisamente no Vale Feijão, até meados do século XX, produzia-se a popular telha serrana que ainda hoje serve de cobertura a muitas casas da região. Algumas dessas telhas eram um bocado toscas, no entanto têm aguentado dezenas e dezenas de anos de intempéries, mais resistentes do que algumas de fabrico recente que têm dificuldade em resistir ao gelo. Estas telhas eram cozidas em fornos rudimentares, de que ainda existem vestígios na zona. Apenas um está ainda em condições de poder ser fotografado, se bem que fossem vários, mas que foram completamente abandonados. Alguns dos meus antepassados, trabalharam nestes fornos e o meu avô materno tinha em casa um molde, constituído por duas peças de madeira com o qual eram feitas as telhas; utensílio que, entretanto, infelizmente, se perdeu.

No Montoiro, uma aldeia pegada à vila de Miranda, existiu uma fábrica de produção de tigelas ou púcaros que eram utilizados para receber a resina dos pinheiros. Não sei quanto tempo laborou essa fábrica, no entanto sei que nos anos sessenta estava em franca actividade, pois eu próprio lá trabalhei, na altura em que ainda andava na escola primária. Na altura a indústria da resina era uma actividade florescente no concelho, devido à existência de grandes áreas de pinhal. No entanto, como também aconteceu em relação à produção de madeira para caixas efectuada por algumas serrações da vila, o plástico liquidou essa indústria, devido ao aparecimento de púcaros feitos com esse material, tendo até, mais tarde, a recolha da resina ter passado a ser feita em sacos.

A máquina que moldava os púcaros era accionada manualmente. Tinha uma peça fixa que era um recipiente com o feitio do púcaro onde era colocada uma bola de barro previamente amassado; O operador accionava a parte móvel do molde que caía em cima da bola de barro com alguma violência e assim se formava o púcaro. Quando este era desenformado era necessário untar os moldes, tarefa que era feita utilizando um farrapo embebido em gasóleo. Todas estas operações eram feitas com muita rapidez, para que houvesse uma boa produtividade.

Aqui existiu uma cerâmica que produzia tijolos para construção. Dela só resta a chaminé, o símbolo de uma indústria outrora florescente no concelho, que dava trabalho a muitas dezenas de pessoas.
Em Miranda existiram também várias fábricas que produziam tijolos para construção de paredes e fornos. Todas elas deixaram de funcionar há vários anos, penso que pararam nas décadas de setenta e oitenta e de algumas praticamente já só resta a grande chaminé, que talvez tenha ficado para recordar uma indústria que outrora foi florescente, com fama de produzir produtos de boa qualidade. Também pode acontecer que essas chaminés tenham ficado no ar devido a dificuldades de demolição, uma hipótese bem menos romântica.

Mas a mais importante cerâmica do concelho, o verdadeiro ex-líbris desta industria, uma fábrica construída nos anos setenta, com modernos sistemas de produção, na qual trabalhei durante dez anos, tendo ainda participado na sua construção, lamentavelmente encerrou também as suas portas, não se fabricando hoje um único tijolo em Miranda! Longe vão os tempos em que foi recusada a instalação no concelho de uma indústria que queria utilizar a argila de Miranda para produzir os seus produtos, recusa que terá sido justificada, em parte, pelo excesso de ofertas de trabalho disponíveis!

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