O VERÃO QUENTE DE 1975

Emblema dos S.U.V.
Portugal viveu momentos bastante conturbados durante o período do PREC (Processo Revolucionário em Curso). Este período que normalmente é considerado no espaço temporal de Abril de 1974 a Abril de 1976 teve o seu auge no chamado “verão quente de 1975”. Nessa altura reinava alguma indisciplina no seio das Forças Armadas que era visível em vários aspectos, como na apresentação pessoal de alguns militares, sobretudo no corte de cabelo, pois era frequente encontrarem-se militares, em especial marinheiros, com o cabelo muito comprido e eu próprio cheguei a usá-lo a cobrir completamente as orelhas o que era impensável nos tempos anteriores à revolução. O facto de se usar o cabelo comprido, não é em si um motivo de indisciplina, tudo depende dos regulamentos e eu sempre fui um militar disciplinado, o que existia era, talvez, alguma permissividade ou falta de rigor por parte das autoridades militares, devido ao período excepcional que o país atravessava.

Mas a indisciplina, notava-a na rua e também nas viagens de comboio que fazia entre Lisboa e Coimbra, quando vinha passar os fins-de-semana a casa. Assisti a cenas bastante lamentáveis, nos comboios especiais para militares, protagonizadas por alguns elementos quando eram abordados pelo revisor, pois houve uma altura em que havia uma recusa generalizada em pagar a viagem e já quase ninguém comprava bilhete, o que provocava conflitos com os funcionários da C.P., isto numa altura em que o preço das viagens para militares correspondia a 50% do bilhete normal, antes da redução que ocorreu posteriormente em que o preço passou a ser de ¼ do custo total.

Em Agosto de 1975, surgiram os SUV (Soldados Unidos Vencerão). Os SUV eram grupos de militares que actuavam no interior dos quartéis com vista a promover a auto-organização política dos militares. Tratava-se de uma organização clandestina no interior das Forças Armadas e incluía, não só soldados como também alguns graduados.

No seu manifesto, ponto 1, os SUV diziam o seguinte:

Soldados Unidos Vencerão (SUV) é uma frente unitária anti-capitalista e anti-imperialista que aparece no momento em que a reacção fascista se organiza de novo, aproveitando-se das hesitações e das divisões introduzidas no seio dos trabalhadores assim como da política dos governos que não souberam nem quiseram defender as justas reivindicações das lutas dos operários e camponeses dos quais, nós, soldados fazemos parte.

Manifesto dos SUV
Esta organização apesar da sua condição de clandestina teve, no meu entender, algum poder interventivo nas Forças Armadas ou pelo menos terá tido, senão o apoio, pelo menos alguma aceitação ou complacência por parte de algumas Unidades Militares, pois foi bem visível a participação de muitos soldados e marinheiros em manifestações por ela organizadas.

Recordo-me de ter participado numa destas manifestações que ocorreu em Évora no dia 15 de Outubro de 1975 e de não terem sido colocados obstáculos, pelo menos que eu tivesse conhecimento, por parte dos superiores hierárquicos do serviço de que fazia parte pois foi organizado por elementos dessa Unidade o transporte em autocarro, tudo às claras e apesar da manifestação ter sido à noite, houve dispensa do serviço durante a tarde desse dia.




Uma manifestação dos SUV
Essa manifestação que decorreu na Praça do Geraldo, teve uma grande participação de militares e os jornais da época davam conta do acontecimento dizendo: “Foi uma manifestação que atraiu muitos milhares de pessoas, apesar da enorme trovoada que assolou a região”.

O chamado “verão quente de 1975” foi um período alucinante, que só terminaria em 25 de Novembro e do que aconteceu nesse dia ainda resta alguma polémica, podendo os factos serem analisados de modos diferentes, conforme a ideologia de cada um.


Alguns dos mais importantes acontecimentos desse período épico:

11 de Março
Divisões profundas entre oficiais do MFA. A ala spinolista é levada a tentar um golpe de estado. Insurreição na Base Aérea de Tancos e ataque aéreo ao Quartel do RAL1 .

12 de Março
São extintos a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado e em sua substituição é criado o Conselho da Revolução. O Governo dá início à execução de um grande plano de nacionalizações (Banca, Seguros, Transportes etc...).

26 de Março
Tomada de Posse do IV Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves.

25 de Abril
Eleições para a Assembleia Constituinte com uma taxa de participação de 91,7%. Resultados dos Partidos com representação parlamentar: PS 37,9%; PPD 26,4%; PCP 12,5%; CDS 7,6%; MDP 4,1%; UDP 0,7%.

19 de Maio
Início do chamado Caso República . Raul Rêgo é afastado da direcção do jornal pelos trabalhadores, acusado de ter tornado o República no órgão oficioso do Partido Socialista.

25 de Maio
Ocupação pelos trabalhadores das instalações da Rádio Renascença, propriedade do Episcopado.

6 de Junho
Em Ponta Delgada realiza-se a primeira manifestação pública da Frente de Libertação dos Açores (FLA). Este movimento sem grande expressão e peso político reivindicava a autodeterminação dos Açores.

25 de Junho
Independência de Moçambique.

5 de Julho
Independência de Cabo-Verde.

12 de Julho
Independência de S. Tomé e Príncipe.

13 de Julho
Assalto à sede do PCP em Rio Maior. Têm aqui início uma série de acções violentas contra as sedes de partidos e organizações políticas de esquerda, registadas por todo o país mas com maior intensidade no Norte e Centro.

27 de Julho
Fuga de 88 agentes da ex-PIDE/DGS da prisão de Alcoentre.

8 de Agosto
Tomada de posse do V Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves.

30 de Agosto
Vasco Gonçalves é demitido do cargo de Primeiro Ministro. Iniciam-se as negociações para a formação do VI Governo Provisório, PS/PPD/PC.

10 de Setembro
Desvio de 1000 espingardas automáticas G3 do DGM 6 em Beirolas.

11 de Setembro
Manifestação dos SUV no Porto, numa tentativa de criar no seio das Forças Armadas uma zona de influência adepta do Poder Popular de Base como advogavam alguns partidos da chamada esquerda revolucionária.

19 de Setembro
Tomada de posse do VI Governo Provisório, chefiado por Pinheiro de Azevedo.

21 e 22 de Setembro
Agudiza-se a luta política nas ruas: manifestação dos Deficientes das Forças Armadas com ocupação de portagens de acesso a Lisboa e tentativa de sequestro do Governo.

25 de Setembro
Nova manifestação dos SUV em Lisboa. Na intenção de retirar poderes ao COPCON o Governo cria o AMI - Agrupamento Militar de Intervenção.

27 de Setembro
Manifestantes de partidos de esquerda assaltam e destroem as instalações da Embaixada de Espanha como medida de protesto contra a execução pelo garrote de cinco nacionalistas bascos, decidida pelo governo ditatorial do Generalíssimo Franco.

15 de Outubro
Manifestação dos SUV em Évora.

7 de Novembro
Por ordem do Governo, o recém-criado AMI, faz explodir os emissores da Rádio Renascença.

9 de Novembro
Famosa manifestação a favor do governo no Terreiro do Paço, com o deflagrar de granadas de fumo, dando origem à celebre frase do primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo: «o povo é sereno. É só fumaça».

11 de Novembro
Independência de Angola.

12 de Novembro
Manifestação de trabalhadores da construção civil cerca o Palácio de S. Bento sequestrando os deputados. Em resposta às vaias dos trabalhadores o primeiro-ministro respondeu com um contundente “vão todos bardamerda”.

20 de Novembro
O Governo anuncia a suspensão das suas actividades alegando "falta de condições de segurança para exercício do governo do país".

3 comentários:

  1. Parabéns amigo José Alexandre.
    Para quem não viveu nessa época tem aqui uma compilação muito completa dos principais acontecimentos do "Verão quente de 75".
    Lembro-me especialmente do 11 de Março ( ataque ao Ralis ) e nesse dia estávamos em Luanda a bordo da H.Capelo.
    Não se sabia em pormenor o que se estava a passar em Lisboa, as notícias chegavam a conta gotas.
    Aguardámos ordem do Comamdo Naval para estar preparados e o navio largou do porto e fundeou ao largo na baía afim de seguir para Lisboa.
    O Comandante do navio, o então Capitão de Fragata Mendes Quinto, reuniu a guarnição e proferiu algumas palavras, entre elas lembro-me do seguinte:
    _ não sabemos exactamente o que se está a passar, sabemos que houve bombardeamento a uma unidade militar, por isso preparemo-nos para partir rápidamente para Lisboa assim que vier a ordem, mas quero que saibam uma coisa, lamento se tivermos de fazer fogo contra portugueses, mas se não nos restar alternativa temos de o fazer. Conto convosco para o que tivermos de enfrentar.
    E foi com estas palavras que começámos a tomar consciencia da gravidade da situação.
    A guarnição ao princípio mostrou-se apreensiva mas lá no fundo estávamos ansiosos para actuar e contribuir para resolver a situação que no momento não sabíamos muito bem o que era.
    Foram tempos conturbados esses, em que o país esteve á beira da guerra civil.
    Felizmente tudo acabou em bem e podemos regressar a Luanda comemorando com camarão e umas belas Cucas ( cerveja angolana).
    Um abraço
    Camilo
    ex cabo M 196/70

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  2. Manda a verdade que se diga que a expressão aqui referida "o povo é sereno... é só de fumaça", não foi proferida, tal qual em ponto algum da intervenção de Pinheiro de Azevedo.
    O que foi dito, comprovadamente (existe vídeo com áudio, da RTP), e por duas vezes: "o povo é sereno... é apenas fumaça'.
    Comprovem, já que assim foi.

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  3. Queria dizer que a expressão proferida não foi "o povo é sereno... é só fumaça" mas sim "o povo é sereno... é apenas fumaça".

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