Estava a acabar de publicar
o artigo anterior, quando me surgiu a ideia de tentar escrever um pouco sobre a
ignorância.
Isto aconteceu porque o
fundador da empresa metalúrgica do Tramagal tinha sido considerado pelos seus
conterrâneos como um jovem de “fraca inteligência”. Esse preconceito veio a
revelar-se ser inteiramente errado, bastando tomar conhecimento de um breve
resumo da sua história de vida para se perceber isso de imediato.
Apesar desse exemplo ser já
de um passado um pouco distante, existem percursos de vida mais recentes, ou
mesmo atuais, parecidos com aquele. Pessoas que sem estudos ou apenas com a
instrução primária, subiram a pulso na vida, aprenderam profissões de relevo e
até, também, construíram empresas sólidas que deram trabalho a muita gente que
dele necessitava.
E falo com conhecimento de
causa, pois eu próprio fui trabalhador durante alguns anos, por conta de um
desses empresários, que começou do nada e de quem até se dizia que em criança
chegara a andar a pedir esmola. Pois criou uma empresa sólida, de média
dimensão e que empregava algumas dezenas de operários.
Existiram e existem muitos
casos idênticos e eu conheço pessoalmente mais alguns, mas o que eu queria
realçar é que se todas estas pessoas que, mesmo sem estudar porque não tiveram
oportunidade para isso, tiveram tanto sucesso na vida têm forçosamente de ser
consideradas como pessoas de inteligência forte.
Quando me encontrava a
frequentar os Processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de
Competências (RVCC), conheci também muitas pessoas assim, com histórias de vida
fantásticas, de inteligência forte, que estavam ali para obter o seu merecido
certificado de competências, evidenciadas de forma muito clara, depois de
longos anos de aprendizagens na Escola da Vida.
Alguns estava ali mesmo ao
meu lado, no meu grupo, como um que era técnico de máquinas e atualmente é
presidente de uma Junta de Freguesia, outro que era agente da PSP, ou ainda
outro que era comandante de uma importante corporação de bombeiros… no meio de
tanta competência eu era um dos elos mais fracos e sentia-me bem pequenino.
Todos fomos apelidados de
ignorantes!!!...
Os conterrâneos do
empresário do Tramagal criaram um preconceito de fraca inteligência em relação
a uma pessoa sobre a qual ainda desconheciam as suas potencialidades. No caso
das Novas Oportunidades tratou-se de uma acusação sem fundamento, por
desconhecimento ou ignorância da realidade…
Neste caso, quem chamou
ignorantes aos participantes das Novas Oportunidades, estava também a querer
criar um preconceito ou então a acreditar num preconceito já existente, embora
este fosse um caso de menor gravidade, uma vez que ignorância não significa
necessariamente falta de inteligência ou inteligência fraca.
O artigo da Wikipédia sobre
a ignorância diz o seguinte:
A ignorância se refere à
falta de conhecimento, sabedoria e instrução sobre determinado tema, ou ainda à
crença em elementos amplamente divulgados como falsos. Em situação em
contrapartida o ignorante estabelece critérios que desclassifiquem o conselho
alheio, em prol da sua falta de conhecimento, busca estabelecer idéias falsas
sobre si mesmo e o mundo que o cerca de forma errônea, que desagrade aqueles
que o cercam. Ignorância é não saber, ou ignorar conhecimento, omitir-se
conhecer ou passar a conhecer, é negar a captação e aceitação do conhecimento
científico provável e comprovado através de métodos científicos e lógicos.
Apesar deste artigo estar
(na minha modesta opinião) escrito num português um pouco confuso e não
querendo fazer “ping-pong” com o termo ignorância, ao ler o texto fiquei com a
certeza de que ele assenta muito bem a pessoas que se julgam muito
inteligentes, mas que têm uma visão errada da realidade ou que se recusam
simplesmente a aceitá-la.
Isto vem também reforçar a
ideia de que ignorância não significa falta de conhecimentos de uma forma
geral, mas sim a sua ausência em relação a um determinado facto, estado,
situação, etc.
Ora, sendo assim, quem é que
não é ignorante? Nem os mais inteligentes sabem tudo, (para se saber tudo tinha
que ser também adivinho) por isso também esses são ignorantes em relação aquilo
de que não têm conhecimentos.
O termo ignorante, quando
usado para adjetivar pessoas, pode criar sentimentos de repulsão ou baixar a
autoestima dos visados menos prevenidos, mas não afetou, de certeza, a maioria
daqueles que trabalharam para alcançar a justa certificação das suas
competências obtidas de forma lenta mas bem interiorizada, durante muitos anos
em meio de trabalho, ou como eu gosto de dizer, na “Escola da Vida”.
É evidente que o processos
de RVCC podem, em alguns casos, ter sido mal conduzidos, pode ter existido
algum facilitismo em relação aos mesmos ou até terem acontecido interpretações
incorretas dos referenciais de competências. O referencial de
competências-chave para o nível secundário era, na altura em que eu frequentei
o processo, extremamente complexo e difícil de interpretar e em alguns casos os
próprios formadores sentiam esse problema. Essa dificuldade em entender o que
era realmente exigido pode, talvez, ter originado exigências de execução
variáveis de Centro para Centro.
Isso não me parece que seja
matéria suficiente para descredibilizar os processos, aliás, o mesmo pode
acontecer no ensino dito normal, pois os métodos e as formas de ensino, assim
como as condições para a sua execução estão em constante mudança, anunciadas em
montes de legislação, que também não será muito fácil de compreender. O mais
grave é, sem dúvida, a suspeita de possíveis fraudes que poderão ter
acontecido, na maior parte traduzidas na entrega de trabalhos para apreciação,
feitos total ou parcialmente por terceiros.
Claro que isto não pode
diminuir ou mesmo beliscar, de forma alguma, o valor da certificação obtida pela
maioria dos participantes nos processos de RVCC, alicerçada em conhecimentos
claramente demonstrados. Se essas fraudes existiram, então que procurem e
desmascarem os culpados, obrigando-os a carregar o fardo da acusação de
ignorância, fardo bem pesado e cujo peso foi tão levianamente repartido por
todos.
O facto de eu entender o
RVCC, como um processo muito justo e válido de certificar pessoas com provas
dadas de conhecimentos adquiridos durante os seus percursos pessoal e
profissional, não significa que concorde em absoluto com a maneira como a
certificação é levada a cabo, pois favorece desde logo aqueles que tenham
maiores conhecimentos de informática e ligeireza na escrita. As profissões e o
percurso de vida de outros podem não lhes ter permitido obter esses
conhecimentos, o que não significando que tenham menores competências, pode
originar maiores dificuldades para as demonstrar, uma vez que todo o trabalho
que é levado a cabo para o sucesso da certificação assenta na elaboração do
Dossier Pessoal e Portefólio Reflexivo de Aprendizagem, onde são expostos não
só os conhecimentos adquiridos no passado, mas também durante a frequência dos
processos, tendo sempre como pano de fundo as pesquisas na Internet, pois sem
esse recurso seria impossível ter êxito nesse trabalho.
Mas, bem lá no fundo e, não
querendo parecer polémico, acho que tantas exigências e dificuldades aparentes
acabam por se resumir a muito pouco e depois daquela linguagem dos referencias
ser “traduzida” e de se entrar na realidade, fica-se com alguma sensação de
facilidade, ou até de deceção.
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