Junto
às estradas nacionais encontram-se, por vezes, máquinas que são autênticas
relíquias, algumas de um passado mais distante, outras nem tanto, mas todas
certamente com uma história interessante que nunca será conhecida, pois agora,
passados que foram os anos da sua existência ativa, se encontram paradas,
porque foram entretanto substituídas por outras mais modernas tecnologicamente
e, mesmo estando estacionadas em locais onde podem ser apreciadas por quem
gosta deste tipo de antiguidades, elas não falam, como é evidente, mas também
não ostentem nenhuma descrição que faça luz sobre a sua história.
Recentemente
passei junto a algumas antigas máquinas da construção de estradas e não resisti
a fotografá-las, porque as aprecio, talvez porque também um dia fui trabalhador
nessas mesmas estradas.
Uma máquina de construção de estradas, produzida pela MDF - Tramagal. |
Uma
dessas máquinas, um cilindro compactador, foi construído na Metalúrgica Duarte
Ferreira, no Tramagal, conforme o emblema que ostenta e esse pormenor fez-me
recordar de um camião militar Berliet Tramagal de que já falei no blogue, que
encontrei moribundo, também na berma de uma estrada.
Na
falta de conhecimentos sobre a história ou de dados técnicos sobre estas
máquinas, decidi escrever algo sobre a história da empresa que as produziu, uma
história bastante interessante, mas que infelizmente terminou com a sua
extinção em 1995, devido a dificuldades económicas.
Nas
pesquisas que fiz não encontrei referências às máquinas de construção de
estradas, como aquele cilindro, mas elas estavam certamente englobadas na
referência à produção de máquinas agrícolas e outras a que a empresa se dedicou
durante a maior parte da sua existência, produção que terminou em 1964, quando
a empresa enveredou pela montagem dos camiões Berliet.
Este cilindro encontra-se no mesmo local, mas não foi possível identificar o fabricante. |
A
Metalúrgica Duarte Ferreira atingiu momentos de grande expansão e chegou a
produzir máquinas e equipamentos para muitos setores de atividade, entre os
quais a industria naval, tendo chegado a produzir lemes de 12 toneladas e
cabeços para a amarração de navios, tendo também participado com materiais para
a Barragem de Cabora Bassa em Moçambique. Diariamente chegou a derreter cerca
de 65 toneladas de minério no Tramagal; 35 de ferro e 30 de aço.
Em
10 de fevereiro de 1964 procedeu-se à inauguração das linhas de montagem dos veículos
militares Berliet, que passaram a ser fornecidos, em grande número, ao
exército português e se tornaram um dos meios de transporte mais utilizados nas
missões deste, entre as quais se destacavam as relativas à guerra colonial, conflito em que Portugal esteve envolvido desde o início da década
de 1960 até ao ano de 1974, tendo sido produzidas, durante estes dez anos,
cerca de 3 300 viaturas militares Berliet Tramagal.
Esta Berliet, montada no Tramagal, pertenceu aos fuzileiros e terminou a sua vida útil no transporte de madeiras. |
Em
consequência desta nova atividade produtiva, a Metalúrgica Duarte Ferreira
abandonou o fabrico das máquinas e alfaias agrícolas. Após a Revolução de 25 de
Abril de 1974, e até ao ano de 1979, a
empresa é intervencionada pelas autoridades governamentais portuguesas. Esta
gestão administrativa acabou por conduzir a empresa a uma situação muito
difícil e o espectro da falência e do desemprego começou a tornar-se uma ameaça
para os seus 2300 funcionários que então empregava. No princípio da década de
1980, foram procuradas várias soluções para evitar o seu encerramento, designadamente
através da produção de novas viaturas militares, os camiões TT, depois também
adaptados a viaturas de bombeiros. Contudo, a realidade económica e financeira
da Metalúrgica não deixou de se agravar. No ano de 1984, as greves,
manifestações e os salários em atraso são a expressão das dificuldades
existentes. Em 1994, os bens da Metalúrgica Duarte Ferreira, entretanto
penhorados, são vendidos e, no ano seguinte, em 1995,
a empresa é formalmente extinta.
O
fundador da Metalúrgica Duarte Ferreira
O
artigo da Wikipédia sobre o fundador da Metalúrgica Duarte Ferreira começa
assim:
Nascido
no concelho de Abrantes (distrito de Santarém), numa família muito pobre, não
teve condições para fazer o exame do ensino primário, apesar de ter aprendido a
ler e escrever. Considerado pelos seus conterrâneos como um jovem de
"fraca inteligência", teve que ir procurar trabalho fora da sua
terra, acabando por aprender o ofício de ferreiro na povoação de Rossio ao Sul
do Tejo, onde esteve três anos sem ganhar dinheiro. Tinha, nesta altura, 19
anos. Ganhando o gosto pelo trabalhar o ferro, aspirou a montar uma oficina
própria, o que veio a conseguir por volta dos 26 anos de idade. É esta oficina,
a quem Duarte Ferreira chamou "A Forja", que está na génese daquela
que viria a ser uma das maiores unidades industriais portuguesas. A oficina,
que começou por se dedicar ao fabrico de alfaias agrícolas, em especial
charruas, foi crescendo e o negócio tornou-se próspero.
Entretanto
na edição de 15-02-2006 do Jornal Mirante, encontrei o seguinte a respeito do
fundador da Metalúrgica Duarte Ferreira:
O
dono de um império que recusou viver no luxo.
Eduardo
Duarte Ferreira preservou sempre o bem-estar dos seus trabalhadores e nunca
viveu no luxo apesar de ter construído um império económico.
Pelo
contrário, preservava mais o bem-estar dos seus trabalhadores que muitas vezes
o dele próprio. Basta dizer que o primeiro sistema de previdência do país foi
criado no Tramagal, em 1927, pela sua mão.
Eduardo Duarte Ferreira foi empreendedor, inovador e visionista, não para enriquecer, mas para deixar uma obra. E dar oportunidade aos outros. Que sempre souberam retribuir-lhe com estima e consideração.
Como em 1929, quando a empresa passava por sérias dificuldades e o industrial só tinha duas hipóteses – despedir trabalhadores ou baixar os ordenados. Acabou por optar pela última, com o aval dos empregados.
E quando a empresa conseguiu recuperar ele foi pessoalmente devolver a cada um os retroativos que tinham ficado em falta.
Eduardo Duarte Ferreira foi empreendedor, inovador e visionista, não para enriquecer, mas para deixar uma obra. E dar oportunidade aos outros. Que sempre souberam retribuir-lhe com estima e consideração.
Como em 1929, quando a empresa passava por sérias dificuldades e o industrial só tinha duas hipóteses – despedir trabalhadores ou baixar os ordenados. Acabou por optar pela última, com o aval dos empregados.
E quando a empresa conseguiu recuperar ele foi pessoalmente devolver a cada um os retroativos que tinham ficado em falta.
Eduardo Duarte Ferreira
morreu em 1948, com 92 anos, tendo deixado uma empresa próspera que na altura
empregava 800 trabalhadores.
Depois de tomar conhecimento
desta história, fiquei bastante impressionado e pensativo...
É verdade que ninguém é profeta na sua própria terra, mas aquele conceito sobre a inteligência de Eduardo Duarte Ferreira é deveras curioso...
Máquinas continuam a
fabricar-se muitas por aí… mas jovens de “fraca inteligência” que se
transformam em empresários com aquela têmpera e visão social é que já se
fabricam muito poucos, infelizmente…
Fontes consultadas:
Artigos relacionados:
Boa tarde. Gostei muito deste seu artigo. Convido-o a vir conhecer o Museu Metalúrgica Duarte Ferreira em Tramagal. O museu está sediado no antigo escritório principal da empresa e ganhou o prémio de melhor museu português do ano 2018.(O meu nome é Lígia Marques e sou a museóloga responsável pelo museu.).
ResponderEliminarObrigado pelo comentário e pelo convite. Irei certamente visitar o museu, logo que possa.
Eliminar