AGUARDENTE DE MEDRONHOS

A época das vindimas está a chegar ao fim e agora preparam-se os alambiques para fazer a destilação do bagaço das uvas para obter a aguardente, ou cachaça, como também é conhecida, principalmente no Brasil.

Há bastantes anos atrás eu também fazia aguardente das minhas uvas morangueiras, também conhecidas por uvas americanas, mas, entretanto, acabei com isso, pois deixei de fabricar vinho para consumo próprio, devido a falta de tempo e também porque o vinho morangueiro era difícil de conservar, entre outros motivos.

No entanto, pode-se produzir aguardente a partir da destilação de vários frutos e entre esses pontua o medronho, um fruto silvestre também conhecido por morango bravo, que dá uma excelente aguardente, desde que se conheça o método correto do seu fabrico.

É de aguardente de medronho que venho aqui falar, não para ensinar ninguém a fazê-la, mas apenas para contar a minha experiência com a produção de uma alambicada de aguardente de medronhos, já lá vão para aí uns 30 anos.

Falava-se muito da aguardente de medronhos, como sendo de excelente qualidade e foi isso que me levou a calcorrear montes e vales para colher uma quantidade de frutos que fosse suficiente para encher a panela do alambique.

Se é verdade que no final se obtém uma bebida de grande qualidade para quem aprecia este género de bebidas alcoólicas, não é menos verdade que grande também é o trabalho que dá, desde o início da colheita dos frutos até sair o fiozinho de liquido pelo cano do alambique.

Depois de ter colhido cerca de 60 litros de medronhos (convém que estejam bem maduros) e de já estar farto de andar a saltar de medronheiro em medronheiro, pois tentava apanhar apenas os frutos mais maduros (e a maior parte deles estavam ainda verdes), decidi parar por ali. Penso que fiz a colheita cedo de mais, mas os medronhos também têm um amadurecimento muito irregular.

Devo dizer que os meus conhecimentos sobre os métodos de fabrico da aguardente de medronhos se resumia ao que ouvia falar nas conversas de taberna, locais onde naquela altura se desenvolviam autênticos fóruns de discussão e onde todos opinavam sobre os assuntos mais variados, embora muito do que lá se aprendia carecesse de fontes fidedignas.

Seguindo algumas dessas opiniões, coloquei os medronhos num bidão de plástico onde iriam ficar a fermentar durante pelo menos um mês. Diziam os entendidos na matéria que todos os dias se deviam remexer os medronhos e só quando estes já estivessem em papa e cheios de mosquitos é que estavam prontos para ir para o alambique.

Como remexer bem os medronhos era bastante difícil, especialmente os que estavam mais no fundo do bidão, arranjei uma peça de uma vara de ferro de 6 mm. com cerca de 1 metro de comprimento à qual fiz umas curvas junto a uma das pontas (tipo a peça de uma batedeira) ,que apliquei a um berbequim e assim remexia o produto mais ou menos como se faz com uma varinha ou uma batedeira. Deu resultado e facilitou muito o trabalho.

Passado um mês, mais ou menos, e quando os medronhos já estavam feitos em papa, excepto alguns mais teimosos, porque estavam ainda verdes (lá estava o inconveniente de os não apanhar todos bem maduros) e também rodeados por uma nuvem de mosquitos, decidi que estava na altura de proceder à sua destilação.

O alambique onde eu costumava fazer aguardente, embora fosse de propriedade particular era uma espécie de alambique comunitário, onde toda a população da aldeia ia destilar o seu bagaço, na maior parte, ou então fazer aguardente de outro tipo, mediante a entrega de um litro de bebida por cada alambicada produzida.

Fazer uma alambicada de aguardente é um processo que pode demorar muitas horas e no caso da aguardente de medronhos ainda é mais demorado, pelo menos da forma que eu procedi, conforme tinha aprendido com os populares, mas a verdade é que nunca tive a certeza de ter procedido da melhor forma.

Para fazer aguardente de bagaço de uvas era costume revestir o fundo da panela com carqueja, para evitar que o produto a destilar pegasse ao fundo, e colocava logo o capacete do alambique sobre a panela, sendo só necessário esperar até que o vapor começasse a entrar no cano de saída, onde era arrefecido, pois o tubo encontrava-se mergulhado na água de um pequeno tanque, e assim o vapor transformava-se num fiozinho de liquido que saía diretamente para as garrafas ou garrafões. No entanto, para os medronhos tinha sido informado de que deveria estar sempre a mexê-los até que a papa começasse a ferver e só então colocar o capacete na panela.

Naquele tempo não havia Internet, como hoje, onde se pode pesquisar sobre tudo e mais alguma coisa, embora o problema da fidedignidade continue e por isso reafirmo que isto é apenas o relato de uma experiência pessoal e não para ensinar o melhor processo de fabrico, pois na realidade eu também não o sei.

Foram cerca de duas horas de “seca” a mexer os medronhos desfeitos com uma colher de pau grosseira que tinha preparado de propósito para o efeito, até que finalmente começaram a aparecer umas erupções na papa indicando que começara a ferver pelo que tratei de pôr imediatamente o capacete na panela, tratando de o vedar convenientemente com massa de farinha. Naquela altura já estava com muitas dúvidas sobre aquele modo de proceder, devido ao imenso tempo que a papa demorara a começar a ferver o que já originara uma considerável perda de vapor, que talvez pudesse ter sido transformado em aguardente, mas o certo é que tinha cumprido as regras de fabrico de acordo com o tal “fórum de taberna” e estava confiante de que o produto não tivesse agarrado ao fundo, nem às paredes da panela.

Depois de ter colocado o capacete na panela não demorou muito até que um fiozinho de aguardente começasse a brotar do cano, mas daí até acabar a alambicada ainda teria de esperar mais umas cinco ou seis horas, pois para a aguardente sair em boas condições e com um bom grau alcoólico tem que se manter a fervura lenta, não se podendo espevitar muito o fogo e, portanto, o fio de liquido a sair do cano deve ser muito fino.

Fiz cerca de 12 litros de aguardente e quando finalmente a provei, apesar de não ser um especialista em bebidas alcoólicas, percebi que tinha acabado de produzir uma excelente bebida, dentro do género, o que depois foi confirmado por várias pessoas que tiverem o privilégio de a saborear.

Naquele alambique comunitário era costume, no final da alambicada, abandonar o local sem fazer limpeza ao alambique, sendo essa limpeza feita sempre pelo utilizador seguinte, sendo um dos motivos para isso o facto do sistema ter que arrefecer para se poder extrair o conteúdo da panela e efectuar a sua limpeza. Vim para casa depois de ter entregue a maquia ao dono do alambique, satisfeito, apesar do imenso trabalho que tivera e que já se prolongava há mais de um mês, desde que começara a apanhar os medronhos. Vinha também descansado e pouco preocupado com o utilizador seguinte, pois como procedera de acordo com as normas do “fórum de taberna” esse teria apenas de despejar a panela e fazer a sua limpeza normal, como eu também já tinha feito no início.

Passados alguns dias fui abordado pelo dono do alambique que me disse:

- É pá! … Deixaste agarrar aquela porcaria toda. Foi lá um gajo fazer aguardente de figo e teve um trabalhão do cara… para limpar a panela!

- Então?!... Mas… eu procedi como me tinham indicado. Estive sempre a mexer os morangos e só coloquei o capacete quando a panela já estava a ferver! – Repliquei admirado.

- Pois é!... Fias-te nos gajos da tasca, mas eles não percebem nada daquilo. Devias ter posto carqueja no fundo para não se agarrar!

Naquele momento fiquei bastante confuso, mas a verdade é que nunca mais fiz aguardente de medronhos e fiquei sem saber, ao certo, qual devia ser o procedimento correto.

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Nas zonas rurais, antes do aparecimento da Internet, para fazer pesquisas sobre qualquer assunto de que tínhamos pouco ou nenhum conhecimento, era costume irmos “pesquisar” ao café ou à taberna da aldeia. Nesses locais desenvolviam-se autênticos “fóruns” onde se discutia sobre os mais diversos assuntos. A agricultura era um dos temas mais falados...

15 comentários:

  1. Oi querido amigo!! Saudades ...

    Não gosto de cachaça ( como aqui é chamada) mas gostei muito dos 'medronhos' , fruta (?) interessante , cores vivas !
    Não temos isso aqui, não os conheço... mas voce também não conhecia a 'jaca' ...rs

    beijinho meu amigo!

    Cintia ( Tin ) Fumagalli

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  2. Boa noite! Fiquei muito esclarecida com as suas palavras!!Pois pela conversa dos aldeões da minha terra..parecia tudo tão fácil e eu estava aqui na pesquisa porque sempre que me dizem que não tem nada que saber..eu desconfio!!E ainda bem que descobri o seu blog! Bem vou-me preparar para apanhar medronho do meu e dos outros ..pois o meu não chega pela sua descrição de quantidades..que tambem ninguem me explicou!Muito obrigado! Felicidades

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    1. Cara visitante:
      Fico muito contente por este post lhe ter sido útil. Aconselho-a apanhar os medronhos bem maduros, pois assim o processo até à chegada ao alambique torna-se mais fácil e mais rápido. A quantidade também depende da capacidade da panela do alambique ou da quantidade de aguardente que queira fazer.
      Bom trabalho. Desejo que faça uma boa aguardente.

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  3. Caro José, recebi há alguns anos uma garrafa desta aguardente (Carranca)de meu falecido pai. Tenho a idéia de visitar Portugal especificamente para obter maiores informações sobre a fruta e o processo de produção da "cachaça". voce poderia me dar alguma dica? por onde começar?

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    1. Caro visitante:
      Sobre o processo de produção da cachaça, lamento não o poder ajudar, pois pouco mais sei do que aquilo que referi no artigo, mas pelo facto de falar numa garrafa de aguardente "Carranca" fiquei bastante curioso; será que tem algo a ver com o fabricante do Licor Beirão, Carranca Redondo?
      Os meus cumprimentos.

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  4. Muito boa tarde, interessante esse processo, será que me pode dar umas dicas sobre bagaceira de uva, ou seja as minhas duvidas são após retirar o engaço da prensa,
    Obrigado desde já

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    1. Caro visitante,
      O processo para fazer o bagaço de uva é bastante simples. As uvas depois de esmagadas, ficam a fermentar cerca de três dias, após o que é retirado o vinho para os pipos. Depois de retirar todo o vinho, o engaço está pronto a ir para o alambique para fazer a destilação da aguardente. Na minha zona é costume colocar no fundo da panela do alambique um pouco de carqueja para o engaço não agarrar. Após colocar o engaço na panela, esta leva o respetivo capacete que deve ficar bem vedado (nós por aqui usamos massa de farinha de trigo para vedar a junta do encaixe do capacete), para que não saiam vapores por aí.
      Quando começar a sair liquido pelo tubo da serpentina deverá dosear a fogueira de modo a obter o grau alcoólico desejado. Normalmente deverá ser um fogo baixo, mas na temperatura certa.
      Se a água do tanque de arrefecimento aquecer muito deverá trocá-la pois essa água é que faz com que o vapor que sai da panela se transforme em liquido.
      Deve ter em atenção que a primeira aguardente que sai, não é de muito boa qualidade, assim como a que sai já para o fim também não, mas isso é normal.
      Espero ter ajudado.
      Bom trabalho!

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    2. Muito obrigado Sr. José Henriques,claro que ajudou e foi bastante util, a minha duvida era principalmente no passo depois de retirar o vinho, pensava que ao engaço ainda era junto água e que teria de fermentar e só depois é que iria para o alambique.
      O meu grande Obrigado. Para mim nada como a sabedoria popular, o que espero que não se deixe cair e que se consiga arrastar ao longo de séculos.
      Mais uma vez Um Grande Obrigado.

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  5. Boa tarde,
    Normalmente rejeita a primeira parte do destilado ou o engaço da uva não produz metanol e acetatos?
    Obrigado
    Francisco Costa

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    1. Olá caro visitante. Obrigado pelo comentário.
      De facto, a primeira aguardente da destilação (cerca de um litro) não é muito indicada para beber. Acho que pode ser utilizada para, por exemplo, assar chouriços através da sua queima, se tiver grau alcoólico suficiente para arder. Era isso que eu fazia, mas, conforme citei no texto eu não sou um especialista no assunto; o artigo é apenas o relato de uma experiência pessoal, pelo que não posso assegurar que este seja o procedimento correto.
      Os meus cumprimentos.

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  6. Viva José,

    Adorei a sua descrição!
    Tenho uma dúvida: Com que limpavam/desinfetavam o interior do alambique para procederam a uma nova destilação, seja ela de medronhos ou de engaços? Só com água ou será que antigamente (ou nos nossos dias) usavam mais alguma coisa?
    Agradeço, desde já, todas as informações que possa partilhar!
    Fico a aguardar uma resposta

    Um grande abraço,
    http://faroleco.blogspot.pt/

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    1. Olá, obrigado pela visita e pelo comentário!
      Que eu saiba era só com água que se limpava o alambique, mas eu, de facto, não sou grande especialista no assunto e já há vários anos que não faço aguardente, no entanto este ano estou a pensar em ir apanhar medronhos para fazer outra alambicada. Se o fizer vou contar como é que tudo correu, que espero seja bem.
      Grande abraço.
      José Alexandre Henriques

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  7. Boas tardes, Sr. José Henriques

    A minha vinda a este Blog prende-se com o processo de produção da massa para a elaboração da aguardente. Este ano estou a iniciar o processo de elaboração de aguardente não de medronho, mas sim de dióspiros. Como a minha experiência em termos de aguardentes é só a do cadaço proveniente do vinho, venho assim pedir alguns esclarecimentos a nível da elaboração da massa do medronheiro:

    - quando começou a recolher os frutos, não encheu tudo de uma só vez, foi colocando conforme ia apanhando
    - o bidão nunca ficou estanque neste processo de fermentação
    - quanto tempo demorou a encher o bidão
    - depois do processo de fermentação ter terminado, quanto tempo esperou para fazer a aguardente. Neste tempo de espera fechou o bidão de forma a não entrar ar

    Peço desculpa por colocar tantas questões, mas como estou numa fase de ser a 1ª vez a fazer aguardente de fruta.

    Pela minha experiência a nível de aguardente proveniente do engaço do vinho, deste que os sacos aonde se guarda o cadaço não tiver em contacto com o ar, ainda tenho sacos com o produto da safra de 2011, por isso 2 anos à espera. E não achei diferença nenhuma entre o produto deste ano com a proveniente dos anos anteriores.

    Artur Leitão

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    1. Olá, caro visitante Artur Leitão.
      Vou responder às suas perguntas, contando como procedi, embora não possa garantir que seja o procedimento mais correto.

      - Fui colocando os medronhos no bidão conforme os ia apanhando.
      - Apenas cobria o bidão com um bocado de plástico.
      - Penso que demorei cerca de uma semana a encher o bidão e depois todos os dias mexia o produto com o berbequim, conforme relato no post.
      - Passado um mês, mês e meio, a pasta de medronhos estava literalmente coberta de mosquitos. Nessa altura fui fazer a aguardente, não tendo nunca o bidão estado fechado.

      Desejo-lhe sorte para o seu fabrico de aguardente de dióspiros. Depois passe por aqui para contar como é que correu.

      Um abraço.
      José Henriques

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  8. Boas noites, Sr. José Henriques

    Prometo trazer novidades mais tarde, neste momento os dióspiros que apanhei estão a amadurecer cobertos com folhas de jornais.

    Um abraço, Leitão

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