Todo
o corpo mergulhado total ou parcialmente num fluido recebe da parte deste uma
impulsão vertical, de baixo para cima, de intensidade igual à do peso do
volume de fluido deslocado pelo corpo. (Princípio de Arquimedes)
Isto
significa que se um barco pesar mil quilos, afundar-se-á até ter deslocado mil
quilos de água, ou seja: se o barco deslocar mil quilos de água antes de
afundar totalmente quer dizer que o peso do barco é inferior ao peso do volume
de água correspondente ao volume do barco. Isto não é de admirar uma vez que
grande parte desse volume é composta por ar. É por isso que os navios flutuam,
mesmo transportando cargas pesadas.
Quando
ouvi falar pela primeira vez em navios construídos em cimento ou concreto
armado fique algo admirado pois é sobejamente conhecido que o cimento ou a
massa de betão é bastante pesada, pelo menos quem trabalha ou trabalhou na
construção civil como foi o meu caso, sabe-o bem pois sente ou sentiu na pele a
dureza do trabalho e nos braços o peso dos baldes de massa, isto falando de
betão ou concreto normal, pois também existe o mesmo produto produzido com
materiais mais leves como é o caso da argila expandida, por exemplo.
O primeiro barco construído em betão. http://www.civil.ist.utl.pt/~cristina/GDBAPE/ConstrucoesEmBetao.pdf |
O
primeiro barco construído em betão armado (concreto no Brasil) ou ferrocimento
como também ficou conhecida essa forma de construção naval é da autoria do
francês Joseph Louis Lambot. Em 1855 Lambot expôs o seu barco na Exposição
Mundial de Paris tendo solicitado a patente do seu projeto. No documento
representativo do pedido de patente existe além da placa que corresponde à
armação do barco também o desenho de algo parecido com um pilar de seção
retangular com quatro barras longitudinais de ferro.
É
também da sua autoria a primeira publicação sobre Cimento Armado (denominação
do betão ou concreto armado até mais ou menos 1920). Presume-se que em 1850
Lambot tenha efetuado as primeiras experiências práticas do efeito da
introdução de ferragens numa massa de concreto. Em 1854, Lambot já executava
construções de "cimento armado" com diversas finalidades. Imerso em
estudos sobre o concreto armado e motivado por problemas com a manutenção de
canoas de madeira utilizadas para lazer num pequeno lago existente na sua
propriedade em Miraval, no Var sul da França, Lambot tem a ideia de construir um
barco de betão. Nada mais lógico, pois o betão é durável, requer pouca manutenção
e resiste bem em meios aquáticos. Lambot empregou para a construção de sua
canoa uma malha de barras finas de ferro (ou arame), entrelaçadas, entremeadas
com barras mais grossas, usando essa malha fina ao mesmo tempo como
gabarito para se obter o formato adequado do barco, para segurar a argamassa,
dispensando a confecção de moldes e para evitar problemas com fissuras.
No documento representativo do pedido de patente existe além da placa que
corresponde à armação do barco também o desenho de algo parecido com um pilar
de secção retangular com quatro barras longitudinais de ferro. Fonte: http://engenharia.anhembi.br/tcc-06/civil-29.pdf
(Coloquei
uma pequena parte do texto em negrito, porque não compreendi muito bem a forma
de trabalho ali descrita. Normalmente na construções em betão são utilizados
moldes onde a argamasasa é colocada e convenientemente vibrada para uma
compactação perfeita, exatamente para se obter resistência e impermeabilidade. Seria possível, talvez,
colocar a massa de betão de encontro a um molde exterior pela parte interior
das paredes, que se seguraria devido à sua inclinação para fora e à malha de
ferro, mas dada a espessura das paredes (0,04cm) isso teria de ser feito aos
poucos o que prejudicaria a compactação do betão).
O
barco de Lambot media aproximadamente 4m de comprimento por 1,30m de largura
com paredes de aproximadamente 4
cm de espessura, segundo dados que encontrei nas pesquisas
que fiz. Não encontrei dados referentes à altura do costado ou paredes do
barco, mas atendendo ao comprimento e largura, esta deveria andar à volta dos
60/70 cm.
Perante
estas medidas e segundo uns cálculos muito ligeiros que fiz este barco devia
pesar cerca de uma tonelada. A matemática não é o meu forte, no entanto arrisco-me
a dizer que este barco, apesar de ser bem pesado para as suas dimensões, ainda
poderia transportar, com alguma segurança, carga equivalente a 400 ou 500 kg pois o seu volume deveria
rondar os 2 m3 ,
portanto só começaria a submergir quando, para além do seu peso, tivesse em
carga mais cerca de 1.000 kg (uma tonelada).
Na
sua construção, Lambot teria usado cerca de 400 a 500 litros de betão, o
que equivaleria a cerca de 1.250
kg , pois o betão armado pesa cerca de 2.500 kg/m3, isto
partindo do principio que Lambot utilizou para além do cimento, inertes
idênticos aos que são hoje utilizados no betão armado.
Isto
são contas sem qualquer rigor, mas servem para demonstrar que, afinal, o
cimento pode muito bem ser utilizado para construir barcos e se tem o inconveniente
de ser mais pesado em relação a outros materiais comummente utilizados na
construção de embarcações como metal ou madeira, tem a vantagem de uma maior
durabilidade, pelo menos em relação ao segundo e terá sido por esse motivo que
Lambot construiu barcos em betão, pois tinha problemas de manutenção com as
suas canoas de madeira.
USS Selma. Este foi um dos maiores navios de guerra construídos em betão. |
Construção de um navio de betão. http://g23deoutubro.blogspot.com/2010/05/os-grandes-navios-brasileiros-de.html |
Mas
a construção naval em cimento não se esgotou com os barcos de Lambot.
Construíram-se grandes navios em betão armado, principalmente durante a I e II
guerras mundiais, devido à escassez de aço, na altura, e porque o betão era
mais barato e estava facilmente disponível, no entanto nenhum navio de betão
ficou pronto a tempo de ser utilizado na I guerra mundial, mas durante 1944 e
1945 navios e barcaças de betão foram utilizados para apoiar operações
militares americanas e inglesas na Europa e no Oceano Pacífico.
Pesquisei
na Internet por navios de betão construídos ou armados com bandeira portuguesa,
no entanto, apesar de muitos blogues fazerem referência à construção naval em
betão armado, apenas no “N.R.P. Álvares Cabral F 336” , blogue do antigo marinheiro
António Moleiro e também no blogue “Navios e Navegadores” encontrei uma
referência de ligação da Marinha Portuguesa a navios de betão.
António Moleiro relata que: “Nas (INICS)
Instalações Navais da Ilha do Cabo em Luanda, habitava uma relíquia, um navio
construído em betão, e segundo a versão corrente tinha sido apreendido aos
Alemães durante a segunda guerra mundial.
Acostado ao cais, serviu de armazém por muitos anos.
Em meados de 1969, recebemos a ordem de o afundar, rebocado para o
oceano, colocado os explosivos, poucos minutos sobreviveu após a explosão”.
O "Esmeralda". Este navio de ferrocimento foi afundado pela Marinha Portuguesa, ao largo de Angola, em 1969. |
Tratava-se
do “Esmeralda”, um navio que integrou uma série de seis construções, efectuadas
no estaleiro Ferro-Concrete Ship Construction Co. Ltd., com início de
construção em Janeiro de 1919), que por sua vez era composta pela dupla
construtora naval Hennebique Ferro Concrete Construction Co. e a Vickers
Shipbuilding & Engineering Ltd., com sede e estaleiros em
Barrow-in-Furness, Inglaterra.
Segundo
o blogue “Navios e Navegadores” o “Esmeralda” esteve ao serviço de uma empresa
angolana desde 1927, o que afasta a hipótese de o mesmo ter sido capturado aos
alemães durante a II Guerra Mundial, sendo mais lógico que tenha sido
abandonado.
De
qualquer modo esteve ao serviço da Marinha Portuguesa, servindo de armazém, até
que acabou por ser considerado inútil e foi mandado afundar em águas profundas
em frente à costa angolana, tarefa que esteve a cargo da guarnição do N.R.P.
Álvares Cabral F 336, da qual fazia parte o já citado antigo marinheiro e amigo
deste blogue, António Moleiro.
Atualmente
já não existem navios de betão a navegar, mas, mesmo assim, alguns ainda
sobrevivem servindo de quebra-mares ou como atracão turística. O betão nunca
foi um material de excelência para a construção de navios, pois exige cascos e
costados grossos o que os torna pesados e com menos espaço e capacidade para
carga. Apesar de betão ser uma material mais barato, os custos dos trabalhos de
construção são mais elevados. Por serem mais pesados a sua locomoção é
logicamente mais difícil, mas, curiosamente, existem veleiros de recreio
construídos em ferrocimento que ainda navegam.
Sites consultados:
Olá Alexandre, gostei da matéria, sobre embarcação de concreto armado, mas para que fim serviria hoje em dia uma embarcação de concreto armado? quero sua ajuda porque eu e a minha turma do curso de construção naval iremos fazer uma embarcação de concreto armado como conclusão do curso.
ResponderEliminarPara que serviria hoje uma embarcação de concreto armado?
EliminarPoderia servir, por exemplo, para quem seja proprietário de uma grande área de terreno onde exista um lago e queira lá ter um barco sem ter muito trabalho com a manutenção da embarcação. Se estivesse bem construído o barco permaneceria na água o tempo todo sem problemas. Aliás, parece que foi por um motivo semelhante que Joseph Louis Lambot construiu a primeira embarcação em cimento.
Olá Alexandre,
ResponderEliminarPrimeiro, sobre o processo de construção sem cofragem. Faz-se a forma pretendida para o barco com um entrelaçado de verginhas de aço mais uma rede fina, ficando uma espécie de construção em malha. Depois, usa-se betão de projectar que fica agarrado a esse entrelaçado de rede fina. Finalmente, depois de essa primeira projecção ganhar presa, enche-se até à espessura pretendida com nova projecção, por dentro e por fora.
Segundo, se tivermos um navio com 10m de largura, 5 metros de calado e 60m de comprimento, teremos um deslocamento de 3000 toneladas. Com paredes de betão armado com espessura de 0,30m e um muro de 2 metros, são 430m3 de betão a que acrescento 33% para travejamento interior, somando 600m3 que pesam 600t, 20% do peso deslocado.
Terceiro, comparando com o aço, o betão é muito mais barato (1/10) e a construção é muito mais fácil pois A) a embarcação pode ser moldado debaixo de água não precisando de doca seca, B) não precisa de equipamento de soldagem e de controle da sua qualidade.
Quarto, apesar de um barco em aço ser mais leve, tem que levar um grande lastro para que a embarcação não vire e, em navegação, o peso tem pouca importância.
Para os países sub-desenvolvidos, o betão é a melhor solução paa a construção de embarcações na classe das 1000 ton de carga útil, mas não é muito usado pelo processo de transferencia de tecnologia não o favorecer (nas escolas ocidentais não se estuda a construção naval em betão).
Olá. Obrigado por este comentário tão interessante e esclarecedor que vem enriquecer este post, apesar de existirem algumas pequenas contradições com o que foi escrito no texto a respeito dos custos de construção.
EliminarUm facto parece ser certo: a construção naval em betão foi abandonada ou, se existe, será em muito pequena escala.
Vamos reinventar, hoje existem tecnologias para navios de concreto serem mais leves do que eram antes vamos pensar, segundo a minha pesquisa eles são mais resistentes que os feitos em aço, já ouvi um comentario de que se o Titanic fosse de concreto ele não afundaria o que leva a conclusão de que os navios feitos em concreto armado tem uma única e considerável desvantagem que é o peso, as vantagens são: maior resistencia, maior durabilidade, menor custo de produção, maior facilidade em construcao e talvez menor custo com manutenção.
ResponderEliminarO concreto armado é três vezes mais leve do que o aço.
ResponderEliminarUm metro cúbico de aço pesa 7.500 kg. Um metro cúbico de concreto armado pesa 2.500 kg.
Em que pese o aço ser estruturalmente mais resistente as cargas, mesmo que as vigas e o casco em concreto pesem muito, deveriam ter três vezes a espessura do aço para terem o mesmo peso.
Estruturalmente não é necessário ser o concreto super estimado nessa proporção.
Sendo portanto uma questão de cálculos sofisticados para dimensionar a estrutura e portanto a massa de uma embarcação dessa espécie, fazendo com que, ao final, a estrutura toda tenha um peso igual ou inferior do que uma embarcação com o mesmo volume de deslocamento construída em aço.
Na verdade como a oferta de aço é muito grande, não é necessário no momento o desenvolvimento de tecnologia para a construção de navios de concreto.
Há ainda uma situação interessante com os novos materiais. O concreto celular pesa apenas 550 kg por metro cúbico. Em qualquer outra situação de escassez de recursos, essa alternativa é muito interessante.
O barco de Lambot não era de concreto e sim de ferro cimento, composto de argamassa de cimento Portland, areia e água com cerca de fator água/cimento=0,4. A argamassa era jogada fortemente no esqueleto de algumas camadas de telas, reforçadas por vergalhões de aço sem o uso de formas. Esse barco recebeu o nome de Nenelle. O ferrocimento, ou argamassa Armada, tem peso de 1400,00kgf/m3. Com essa tecnologia que segue a Norma 11173 da ABNT, temos construído estacionamentos totalmente gramados, piscinas, esculturas, cobertas e construções por encaixe, que podem ser ampliadas, reduzidas e transportadas sem qualquer desperdício.
ResponderEliminarObrigado pela visita ao blog e pelos esclarecimentos prestados.
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