ENTREVISTA A UM CANDIDATO À REFORMA ANTECIPADA

O “Meio Século” na procura constante da transmissão de conhecimentos e informação, resolveu sair um pouco da sua linha habitual de postagens e lançar-se numa aventura jornalística. Para começar escolhemos um assunto que se tem mantido atual há vários anos e que assim promete continuar, durante pelo menos mais meio século. Um assunto da maior importância para a vida futura de gerações atuais e vindouras e que é nada mais, nada menos, do que a problemática das reformas.

Assunto polémico, que promete nunca vir a ser consensual, pelo menos enquanto houver a tendência para a continuação e até agravamento das injustiças e desigualdades no seio de um povo.

Uma equipa de reportagem do “Meio Século” partiu à procura de opiniões de gente anónima para tentar saber o que pensam e antecipar um pouco do que poderá vir a ser a vida futura de futuros reformados.

Neste contexto, vamos apresentar uma entrevista que os nossos colaboradores fizeram ao sr. José dos Santos, funcionário público, um candidato à reforma, neste caso à reforma com antecipação em relação à idade legalmente exigida.

                                              

(São 8 horas de uma manhã de sábado. O senhor José de enxada ao ombro dirige-se para a sua horta.)

MEIO SÉCULO – Bom dia, sr. José. Nós somos do blog “Meio Século de Aprendizagens” e gostávamos de falar um bocadinho consigo.

SR. JOSÉ (com ar de surpreendido, pousando a enxada e apoiando-se no cabo, como se fosse um cajado) – Bom dia! Então o que é que querem saber? Digam lá…

MEIO SÉCULO – Ouvimos dizer que o sr. pediu a reforma antecipada…

SR. JOSÉ (interrompendo-nos) – É verdade. Já meti os papéis em Dezembro.

MEIO SÉCULO – Então… mas… o sr. parece ainda muito novo. Quantos anos tem?

SR. JOSÉ – É assim… quando fiz o requerimento tinha 56 anos, mas quando ficar reformado, se ficar, terei 57 e mais alguns meses.

MEIO SÉCULO – Diga-nos sr. José… porque é que está a pedir a reforma com essa idade? Não acha que ainda poderia trabalhar mais uns anitos.

SR. JOSÉ – Lá poder até podia, mas não era a mesma coisa e o que é que eu ganhava com isso, da maneira com está agora a situação na Função Pública, com carreiras e ordenados congelados e sem prespetivas nenhumas de poder vir a melhorar, antes pelo contrário? Com quarenta e cinco anos de serviço, para não dizer quarenta e oito, pois trabalhei três anos sem fazer descontos, de que é que estava à espera?

MEIO SÉCULO – Ah!... O sr. é funcionário público?! Então vai ter uma boa reforma, pois deve ganhar muito, mesmo com os subsídios cortados…

SR. JOSÉ (alterando um pouco a voz) – Ouça lá… de que jornal é que disse que eram?...

MEIO SÉCULO – Nós não somos de nenhum jornal. Fazemos parte da equipa de um blog na Internet…

SR. JOSÉ (esboçando um sorriso de desdém) – Logo vi… Logo vi… não percebem nada do assunto… tal como os outros pensam que todos os funcionários públicos ganham muito e trabalham pouco.

MEIO SÉCULO – Queixe-se… queixe-se sr. José, o sr. quer é atirar-nos areia para os olhos… pois com quarenta e cinco anos de serviço não nos diga que não ganha na casa dos quatro dígitos por mês…

SR. JOSÉ (um pouco irritado) – Já vi que os senhores são muito inexperientes e alinham pelo mesmo diapasão da maior parte dos jornalistas. Quando vocês falam que a média dos ordenados da função pública é de 1600 euros, deviam citar a razão pela qual essa média é elevada, quem é que a faz ser elevada e dizer também que uma grande parte dos funcionários públicos ganha pouco mais de 500 euros e muitos ainda menos do que isso… Mas disso não falam vocês…

MEIO SÉCULO (falando em surdina) – Porra, que o homem é teso das ventas…
(falando agora com voz paciente) – Desculpe sr. José, mas já lhe dissemos que não somos jornalistas… mas então, quanto é que ganha? Diga lá…

SR. JOSÉ – Bem… há aqui uma coisa que é preciso esclarecer… eu não fui sempre funcionário público. Dos 45 anos de serviço, vinte e sete provêm de trabalho em empresas privadas, com descontos para a Segurança Social e só dezoito é que são de trabalho para o Estado, com descontos para a Caixa Geral de Aposentações. Por isso, a minha carreira na Função Pública nunca evoluiu muito e há cerca de dez anos que está completamente estagnada e, por esse motivo, faço parte dos que ganham pouco mais de 500 euros por mês e, se não fosse o subsídio de almoço, nem 500 recebia.

MEIO SÉCULO – Muito nos conta sr. José! E nós a pensarmos que os funcionários públicos eram uns privilegiados…

SR. JOSÉ (franzindo o sobrolho) – Pois é… vocês medem todos pela mesma bitola e por isso lamento ter de desiludir-vos, mas, apesar de tudo, reconheço que há muitos trabalhadores em situação pior do que a nossa, para não falar dos milhares de desempregados que procuram trabalho e não o encontram, esses sim, numa situação deveras lamentável e, se comparados com esses, posso afirmar que sim, somos privilegiados.

MEIO SÉCULO – Mas… diga-nos sr. José… a sua pensão vai certamente ser penalizada, uma vez que ainda lhe faltam alguns anos para atingir a idade para receber a reforma por inteiro.

SR. JOSÉ – É verdade, atualmente as reformas antecipadas são penalizadas em 0,5% por cada mês em falta para a idade, mas eu, como aos 55 anos de idade já contava com quarenta e três anos de serviço, mais treze do que o necessário e como em cada três anos a mais para além dos 30 há uma bonificação de um ano, a minha penalização vai ser bastante atenuada. Por isso, como a idade exigida era, na data da entrada do meu pedido na CGA, de 63 anos, penso que não vou ter uma grande penalização, deverá talvez rondar os 10%, mas como eu, em 31 de Dezembro de 2005, já contava com mais de 36 anos de serviço, estou abrangido pela salvaguarda de direitos de 2005, podendo optar pela forma de cálculo antiga com 4,5% de penalização ao ano ou pela atual, com penalização de 0,5% ao mês, mas sem aplicação do fator de sustentabilidade. Penso que a mais vantajosa para mim é a atual, pois na antiga o tempo de serviço a mais começa a contar só a partir dos 36 anos, embora deva receber da CGA informação fundamentada sobre isso.

MEIO SÉCULO – Então o sr. José já fez as contas?... É que com um ordenado tão baixo e com a reforma penalizada, a coisa parece que está um bocado preta…

SR. JOSÉ – É verdade, mas a minha reforma não vai ter a ver só com o meu ordenado atual, pois como também descontei para a Segurança Social, vai depender também da parte privada e daí estou em melhor posição do que na Caixa, pelos menos é o que depreendo de uma simulação personalizada feita pela Segurança Social, o que não é para admirar, uma vez que descontei mais anos para essa Instituição e os meus salários nas empresas privadas onde trabalhei sempre foram mais altos, comparativamente com o que se ganhava na Função Pública.

MEIO SÉCULO – Então… quer dizer que já sabe quanto é que vai receber de reforma?

SR. JOSÉ – Não, ao certo não sei porque a CGA não faz simulações personalizadas, por isso tive que recorrer ao simulador online, mas, se as contas estiverem certas, não lucro nada em continuar a trabalhar, antes pelo contrário, pois é preciso ter em conta as despesas de deslocação para o trabalho e a possibilidade de poder fazer outras coisas de que gosto, mas que era impossível de fazer estando no ativo.

MEIO SÉCULO – O sr. José disse, no início da entrevista, que tinha pedido a reforma em Dezembro, o que significa que já passaram seis meses depois disso. Porquê tanta demora?

SR. JOSÉ – Atualmente, devido a um número muito elevado de pedidos, os processos estão a demorar cerca de um ano e alguns até mais. No meu caso, como se trata de uma reforma unificada entre a Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social, ainda deve ser mais demorada. A Caixa tinha um serviço online que dava informações sobre o andamento do processo, mas acabaram com isso.

MEIO SÉCULO – Então o sr. José assim vai ficar prejudicado, pois como pediu a reforma em Dezembro, certamente não lhe vão contar o tempo de serviço e a idade até ficar efetivamente reformado.

SR. JOSÉ – Não, não; não irei ficar prejudicado, antes pelo contrário, pois os pedidos de aposentação são tratados tendo em conta as condições de direito à data do requerimento e as condições de facto (idade e tempo de serviço) à data do despacho. Assim sendo, a penalização será menor, ainda para mais se tiver em conta que em Dezembro de 2011 a idade exigida eram 63 anos e, agora em 2012, já são necessários 63 anos e meio e para 2013 serão 64. Portanto, segundo a minha interpretação da lei, quanto mais tempo demorar mais benefício tenho pois a contas deverão ser feitas atendendo aos 63 anos, enquanto o tempo de serviço e a idade vão aumentando, como é natural.

MEIO SÉCULO – O sr. José acha que faz bem em pedir a reforma antecipada porque, mesmo com alguma penalização, não vai ficar prejudicado em relação ao que ganha estando a trabalhar, mas nós temos ouvido dizer que muitas pessoas que se reformaram, alguns até mais velhos do que o sr. José, sofreram fortes penalizações. Que conselho dá a quem está a pensar reformar-se antecipadamente. Acha que fazem bem ou mal?

SR. JOSÉ – Eu já lhes expliquei o motivo pelo qual não vou ficar prejudicado, se bem que mesmo assim possa estar errado, mas penso que as contas que fiz não deverão falhar muito. Agora, dar conselhos a alguém dizendo que fazem bem ou mal… nunca, jamais, em tempo algum! Cada caso é um caso, cada um sabe da sua vida.
Tomar uma decisão desta natureza não é fácil e eu andei mais de um ano a pensar no assunto e a fazer pesquisas sobre ele. É preciso ter em conta a situação no trabalho e na família e o que é que se vai fazer a seguir. Eu, se não tivesse projetos para o futuro não me reformava, porque ir sentar-me nos bancos do jardim a ver quem passa não faz parte do meu feitio e ainda é muito cedo para isso.

MEIO SÉCULO – Já lhe tomamos muito tempo, sr. José. É melhor ficarmos por aqui, pois já temos muito material para um artigo, mas, quando a reforma chegar, queremos voltar a falar consigo. Esperamos que tudo lhe corra como prevê e deseja.

SR. JOSÉ – Obrigado. Já agora quando publicassem a entrevista podiam enviar-me um jornal pelo correio. Não vá eu esquecer-me de a ler e de verificar se escreveram o que eu disse.

MEIO SÉCULO – Ora, ora… o sr. José está mas é a gozar connosco. Já lhe dissemos por duas vezes que não somos de nenhum jornal, mas esteja descansado que vamos escrever tudo tal como disse. Por isso, é só ir pesquisar no Google por Meio Século de Aprendizagens que vai lá estar tudo direitinho e até lhe vamos telefonar a avisar quando publicarmos o artigo, se nos der o seu número de telefone.

SR. JOSÉ (esboçando um sorriso franco) – Realmente os meus amigos não são tão chatos como os jornalistas. Há tempos esteve aqui um a “massacrar-me” durante quase uma hora para depois escrever apenas meia dúzia de palavras, de algumas centenas que eu disse. Espero que vocês não façam o mesmo.

MEIO SÉCULO – Pode estar descansado sr. José, que vamos escrever tudo. Até à próxima!

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