Já
falei muito no blog sobre este rio, mas não tanto que não possa e não deva
voltar ao tema, até porque ainda há muito para conhecer sobre este curso de
água de cerca de quarenta quilómetros.
É
sobejamente conhecido que este rio é um afluente do rio Ceira e a sua foz fica
muito perto do encontro das águas do Ceira com o Mondego. Mas…e a sua nascente
onde é que fica?
Vindo
das entranhas do Maciço de Sicó, surge no sopé do Monte de Vez, uma enorme
torrente de água. Este local é designado como “Olho do Dueça” e por muitos
considerado como sendo a própria nascente do rio. A zona é extremamente
calcária, permitindo grandes infiltrações e a formação de galerias subterrâneas
que confluem para aquele ponto, originando ali uma enorme surgência de água na
época das chuvas, que praticamente cessa no verão, chegando mesmo a secar para
o final da estação.
Mas
o rio quando recebe as águas do “Olho do Dueça”, já deixou para trás uma boa
dúzia de quilómetros, pois vem da zona do Avelar, frequentemente seco, dadas as
características filtrantes do terreno, só começando a dar um ar da sua graça
quando recebe a dádiva do seu primeiro grande afluente, exatamente o pequeno
rio de cerca de 500
metros , que transporta a água que brota do “Olho do Dueça”.
Estas
foram as conclusões que tirei depois de uma demorada observação do local,
embora eu sempre tenha estado convencido que a nascente do rio Dueça não era
exatamente a surgência do Monte de Vez e o facto do rio para montante estar um
pouco esquecido deve-se, talvez, a estar quase sempre seco, de tal modo que é
mais conhecido pelo nome de “Rio Seco”.
O "Olho do Dueça". Duas imagens do mesmo local, apenas com a diferença de terem sido captadas em estações do ano opostas. |
Para
jusante da confluência “Rio Seco/ Olho do Dueça”, a natureza do terreno começa
a modificar-se, deixando a zona cársica do Maciço de Sicó para percorrer até à
sua foz, em Ceira, terrenos de natureza xistosa. O seu leito torna-se assim
menos permeável, garantindo uma razoável corrente durante todo o ano, corrente
que no inverno se pode tornar excessivamente caudalosa, originando a saída das
suas margens e o consequente alagamento das ínsuas.
Quando
chega à Ponte do Espinhal, o rio para além da água que jorra do “Olho do
Dueça”, já recebeu as dádivas de muitos pequenos ribeiros e também de um dos
seus principais afluentes: o Rio Cabra. Passa junto ao Hotel Duecitânea, uma
unidade hoteleira de quatro estrelas, que surgiu a partir da reconstrução de um
edifício onde outrora funcionou uma fábrica de papel, seguindo depois por uma
zona de grandes campos marginais agrícolas onde se situam um velho palácio e
várias quintas, até entrar numa área mais fechada, passando por Retorta, onde
entra no concelho de Miranda do Corvo, Fraldeu e Godinhela, três aldeias que
conhecem bem o murmúrio das suas águas, misturado com o som do vento a bater
nos choupos, eucaliptos e pinheiros que as rodeiam. O rio chega depois àquela
que é uma das suas zonas mais bonitas: a Quinta da Paiva.
Mais duas imagens que contrastam fortemente: a calma de verão e a fúria de inverno do "pequeno basófias". |
O
rio aqui passa pelo meio de um dos mais interessantes projetos turísticos da
região. Piscinas, restaurante, centro hípico, parque biológico com animais que
fazem parte da fauna portuguesa e parque de recreio e lazer, são algumas dos
atrações já existentes, estando em construção um hotel de quatro estrelas com 40 quartos.
O
Dueça passa a poente da vila, onde, no sítio denominado de Trás do Castelo,
recebe as águas do rio Alheda. Este pequeno curso de água de cerca de oito
quilómetros de extensão, que nasce na Serra da Lousã, chega ao Dueça depois de
passar pelo centro da vila, mesmo ao lado da sua principal praça e do edifício
dos Paços do Concelho.
Para
jusante de Miranda do Corvo, o percurso do rio continua a partir de agora ainda
mais tortuoso, seguindo por vales muito encaixados e só na zona dos Moinhos é
que alarga um pouco os seus horizontes. Sobre ele foram construídas várias
pontes ferroviárias para passagem dos comboios da Linha da Lousã. Aliás, os
percursos da Linha e do rio são muito parecidos e apenas têm como grande
diferença o facto de o rio contornar os montes e a Linha simplesmente seguir
por eles adentro. De resto, rio e caminho de ferro nunca se afastam muito um do
outro e muitas vezes o seu percurso é paralelo. Como curiosidade e para
ilustrar a sinuosidade do rio e as dificuldades da construção da linha, este, à
entrada de Ceira obrigou à construção de duas pontes ferroviárias separadas por
apenas 100 metros .
E é neste local que também se encontra atualmente em construção uma ponte rodoviária que será seguramente uma das mais altas do país, que liga dois
montes passando por cima do rio e do caminho de ferro.
Quem
conhece o Rio Dueça sabe que neste curso de água não é possível a navegação,
não só devido à pouca água que transporta nos meses de estio, mas também ao seu
leito apertado e às fortes correntes de inverno em certas zonas do rio, isto
para não falar também do elevado número de açudes que foram construídos no seu
leito, como forma de elevar as águas para regadio e para fazer mover as mós dos
moinhos para moagem de cereais.
Mas,
um facto engraçado é que em 1849 existiu um projeto para tornar o Dueça
navegável entre Miranda do Corvo e Ceira. Talvez não tivesse chegado a ser
exatamente um projeto, mas pelo menos tratou-se de um acordo que ficou registado
em ata. Pelo menos é o que consta do livro “Belisário Pimenta, Escritos
Dispersos”. Segue uma pequena transcrição:
…E
para terminar com notícia inédita direi que o Prior de Ceira que em 1758 enviou
por ordem do Marquês de Pombal uma relação da sua freguesia depois de em frase retórica,
tecer louvores ao rio, lhe atribuía a qualidade de ser saudável remédio aos
olhos.
Embora
“impetuoso e feroz no inverno” e sem brios, desalentado ao “dobrar da canícula”
conserva nas suas águas uma qualidade medicinal, talvez por isso mesmo, no
inverno “serve de diáfano alcatifa às vargens vizinhas” e no verão “temeroso,
caminhando lento, pede a meter-se no Ceira, de onde ambos, mancomunados, vão desperdiçando
cabedais até entrar no Mondego…”
Tanta
poesia havia de ter, certamente, aplicação terapêutica, o que só encontra
parelhas, com o rodar de um século, num projecto de tornar navegável o rio até
à vila. A retórica do Padre equivalia bem à preocupação engenhosa dos
vereadores Mirandenses…
Em
nota de rodapé acrescentava o autor:
Em
20 de Abril de 1849, a
Câmara acordou “que seria de imensa vantagem e de grande aumento de
prosperidade para este concelho o tornar-se navegável o rio Dueça desde Ceira
até esta vila…” (Actas de 1813-52, fls. 10 v.º). O concelho era então governado
por uma comissão administrativa nomeada por alvará de 11 de Janeiro de 1817 à
qual presidiu até Julho de 1818 o escrivão José Maria Correia Durão, e daqui
por diante João António Pereira do Corvo.
Este
projeto visto agora, à distância de mais de um século e meio, pode parecer
bastante utópico ou até irrealizável, mas se imaginarmos que naquele tempo
ainda não tinha sido construído o caminho de ferro, as estradas eram poucas e
de má qualidade e os veículos de transporte se resumiam a carroças de mulas ou
a carros de bois, se o rio fosse navegável seria fácil adivinhar o tal aumento
de prosperidade de que falava a Câmara de Miranda. E, possivelmente, nessa altura
ainda não teriam sido construídos tantos obstáculos no rio como hoje tem,
nomeadamente os açudes. De resto, nessa época havia outros rios idênticos ou
pouco superiores em tamanho e caudal, que eram utilizados para navegação como o
Alva, Arunca, Pranto e o próprio rio Ceira, todos eles afluentes do Mondego.
Não
tenho conhecimento de que o Rio Dueça tenha alguma vez servido de inspiração a
poetas, mas o certo é que no passado o escritor Eloy de Sá Sotto Mayor no seu
livro “Ribeiras do Mondego”, publicado em 1623, se referiu a ele, tal como o
Prior de Ceira, utilizando linguagem eloquente:
Uma
das frescas Ribeiras, que neste vosso Mondego tem entrada, é a celebrada
Duessa, que às mais se avantaja, assim na pureza das suas águas, como na
corrente delas. Corre entre brancos Álamos, copados Sinceiros, Ulmeiros altos,
Amieiros verdes, sombrias Aveleiras, alegres Freixos, deleitosos Plátanos e
outras árvores frescas, que até nos mais fundos pegos, como por baixo de vidraças
cristalinas, representam de contínuo à vista fingidas espessuras, e encantados
bosques, que com qualquer movimento se perdem dela. Brota de pé de um monte
alto junto a um viçoso sítio, aonde nasce.
A
última frase de Sotto Mayor, leva a crer que considerava o “Olho do Dueça” como
sendo a nascente do rio e nas primeiras palavras do texto diz que a “celebrada
Duessa” entrava no Mondego. Será que considerava o Ceira como um seu
afluente?...
Olá Amigo!
ResponderEliminarTinha tempos em que eu pensava que um rio grande era grande desde a nascente e, um rio pequeno era pequeno desde a nascente , qual não foi minha surpresa no dia em que conheci a nascente do maior rio que passa pela cidade onde moro ?
Fiquei pasma em ver que ele começava a brotar do chão , em um barranquinho, tão pequenininho e fininho que mais parecia uma torneira aberta ! Fiquei mais pasma ainda em ver como o ser humano consegue destruír a natureza simplesmente estando nela ... o rio que nasce pequenininho e limpído, quando chega nessa cidade com mais de 19 milhões de habitantes, passa a ser um rio sujo e sem vida. Bom, ainda há habitantes nele, são as capivaras , as famílias capivaras vivem as margens do rio que atravessa a cidade de São Paulo. Veja o rio Tiête , aqui nesse link -
http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/6981-rio-tiete-limpo-x-rio-tiete-sujo#foto-134665
Existem projetos urbanos de tentar a recuperação do rio , certamente vai demorar muito, talvez eu nem consiga ver isso acontecer mas, sinceramente fico torcendo para que esse projeto se realize.
Boa semana José Alexandre! beijinhos
Olá amiga Cintia!
EliminarEu também pensava que um rio pequenino deveria ter uma nascente pequenina e vice-versa, mas afinal não é assim. Até tive uma surpresa igual à da Cintia quando conheci a nascente do maior rio que nasce em Portugal.Também apenas um fiozinho de água!
Realmente é uma pena o seu rio, o Tietê, estar poluído. Fico também a torcer para que dê certo a sua recuperação e que seja para breve que a Natureza agradece.
Agora com o que eu estou admirado é com a sua cidade... 19 milhões de habitantes! É praticamente o dobro de toda população de Portugal inteiro!...
Grande Brasil!
Uma boa semana também para si. Beijinhos.