Rex, o chefe da comunidade canina de Rafeira. |
Olá
caro leitor! Antes de ler esta história e para uma melhor compreensão dos
factos aqui narrados, considere fazer primeiro uma visita aos cães de Rafeira I – Os cães amigos dos ciclistas, para conhecer o Rex, regressando depois a
esta página, onde verificará como é que um simples e minúsculo mosquito pode
destruir uma vida canina, provocando uma doença crónica chamada leishmaniose a
um cão que parecia “vender saúde”, como é costume dizer-se quando alguém que
parece ser muito saudável, adoece de repente, inexplicavelmente…
Rex
sentia-se esquisito. Já há algum tempo que se “levantava” tarde e quando o
fazia não lhe apetecia sair para a rua e só o fazia porque, como chefe da
comunidade canina de Rafeira, tinha de marcar presença para manter a matilha em
respeito. Desconfiava que Diablo andava a tentar subverter os companheiros para
que atacassem novamente os humanos montados nas máquinas esquisitas. Para além
de Rex, Homero e Rafa eram os únicos cães da aldeia que conseguiam impor
respeito a Diablo, mas estes estavam tão velhos que já mal conseguiam andar. Os
restantes companheiros eram ainda muito novos e incapazes de discernir entre
uma boa e uma má ação.
Tinha
também qualquer coisa numa orelha que o andava a incomodar bastante. Rex bem
sacudia a cabeça para ver se aquilo desaparecia, mas não, parecia que ainda
ficava pior e para agravar a situação, as suas unhas estavam a crescer muito,
faziam-lhe comichão e por isso as lambia com frequência. Tudo isso o aborrecia,
mas não era o pior… o pior, bem o pior é que já não tinha vontade de andar com
as cadelas da aldeia. Nem a Pipa, a sua apaixonada Pipa, uma linda e fogosa
cadela o fazia sair do seu torpor! - Raio de vida!... - Lamentava-se Rex.
-
Rex! Rex!... - Vem cá!
O
seu dono estava a chamá-lo e Rex dirigiu-se para o barracão ao fundo do
quintal, onde já sabia o que o esperava: este ia colocar-lhe na orelha um
líquido castanho que lhe fazia um ligeiro ardor e, de seguida, aplicava-lhe uma
coisa viscosa. Rex não sabia que estava a tornar aquele trabalho do seu dono,
infrutífero, porque, logo a seguir, sacudia a cabeça com tamanha força que a
tal coisa viscosa desaparecia toda da sua orelha.
-
Vá lá Rex, já está. Hoje não vais sacudir a cabe…
O
dono do Rex não acabou de concluir a frase. O cão com uma valente sacudidela
espalhou a pomada que ainda salpicou as calças do dono.
-
Mau!… mau!... Rex, assim não vamos lá…
O
dono, ultimamente, andava muito bondoso com Rex; raramente lhe ralhava,
dava-lhe comida boa e até o levava a passear, preso pela trela, coisa que Rex
não gostava, pois tinha medo que os cães da matilha lhe perdessem o respeito
por andar a passear com o dono, mas não lhe podia desobedecer, agora que ele
andava muito seu amigo.
Um
dia, já a manhã ia adiantada, Rex dirigiu-se para o largo da aldeia para ir ao
encontro dos seus amigos. Sentia-se fraco e ia caminhando lentamente. Ao chegar
à entrada do largo verificou que os cães já estavam todos reunidos e Rex ouviu
a voz de Diablo:
Os cães de Rafeira reunidos no largo da aldeia. |
-
O Rex não pode continuar a ser o chefe! Todos os dias chega tarde e não
organiza nada para nós fazermos. E além disso, já o viram?!!! Agora até anda a
passear com o dono. Está feito um maricas!
-
Pois, esta inatividade também me começa a chatear - latiu o Tejo, um cão
sarapintado que aparentava ser de descendência dálmata. O comportamento do Rex
é agora muito estranho, mas não é motivo suficiente para não merecer a nossa confiança…
por enquanto…
-
Pois eu acho que o Diablo é que deve ser o chefe a partir de agora - rosnou Tim
- um cão de estatura média, de ar antipático que tal como a maioria dos cães de
Rafeira, não tinha raça definida, mas que poderia ter sangue de boxer, dada o
seu ar carrancudo - eu também quero ação!...
-
Béu, béu, béu… - Naquele momento Rex, que parara à esquina do largo a ouvir
aquela discussão, escutou o ladrar meigo de Pipa, a cadela que o amava e afilou
as orelhas para escutar as suas palavras:
-
Vocês são é uns grandes ingratos! Já não se lembram das aventuras e das
vitórias que Rex nos tem proporcionado. Para mim, Rex é que vai ser sempre o
chefe. Eu sei que ele não anda bem, pois até já nem me procura, nem quando ando
no período fértil, mas mesmo assim eu continuo a gostar dele. Os amigos não se
abandonam por dá cá aquela palha…
-
Olha lá, ó cadela remelosa! – Interrompeu Diablo – Não metas o bedelho nisto,
que enquanto houver cães não se confessam cadelas. Vai mas é guardar as
galinhas do teu quintal!
-
CALMA AÍ!!! – Naquele momento fez-se silêncio na matilha. O dono daquele
vozeirão veio colocar-se no meio dos cães e todos ficaram à espera das palavras
de Ringo, um dos poucos cães de raça pura que fazia parte daquela comunidade
canina. Ringo era um pastor alemão que tinha aparecido na aldeia quando ainda
era um cachorrinho. Talvez tivesse sido abandonado ou se tivesse perdido dos
donos, ninguém sabia, mas o que todos sabiam é que era de temperamento dócil e
valente, mas também demasiado instável e impulsivo, o que o tornava pouco
indicado para chefiar a matilha.
-
É verdade que nesta altura não temos um chefe ativo, como todos desejamos. Mas
temos de respeitar o Rex, pelo menos até que ele não nos dê motivo de
desconfiança. Estamos para aqui todos a opinar, mas ainda ninguém se lembrou de
que o Rex pode estar doente! Sim, doente. Lá por ele ser um cão forte e muito
ativo, não significa que não possa ter apanhado uma doença… Se for esse o
motivo da sua inatividade, temos que esperar que fique bom e entretanto nomearemos
um chefe provisório, que exercerá funções só até que o Rex esteja curado.
-
Eu é que quero ser o chefe, sou o mais valente de todos, interveio Diablo,
arreganhando os dentes como que a querer dizer que ia por Rafeira em pé de
guerra. Se o Rex está doente… azar dele…
-
Bé…u… bé…u… – Naquele momento ouviu-se, vindo do meio da matilha, um ladrar
débil, trémulo, mas, estranhamente, todos os cães se calaram para ouvir o dono
daquela voz. Era Homero, o cão mais idoso da matilha que ainda impunha respeito
e até admiração daquela comunidade canina. Homero, um cão grande, um rafeiro
que chefiara o grupo durante muitos anos, até que lhe começaram a faltar as
forças e entregara a chefia a Rex. Mas Homero continuava a dar conselhos e até
ordens quando era necessário.
-
Olha lá ó cãozinho imaturo, disse Homero, dirigindo-se a Diablo. Ainda tens de
roer muitos ossos, até chegares a chefe, isto se alguma vez o fores, o que
duvido muito. Um chefe tem de ser justo e ponderado e tu não és uma coisa nem
outra. Mas, adiante… Vamos esperar aqui até que chegue o Rex, para decidirmos
em conjunto que rumo devemos tomar. Aliás Rex é que deve dizer se tem condições
para continuar ou não. Rex é um cão justo e valente e ninguém aqui vai passar
por cima dele…
-
Obrigado Homero, peço desculpa pelo atraso, mas, ultimamente, não me tenho
sentido bem.
Rex
tinha-se aproximado do grupo de cães sem que estes se apercebessem. Estava
triste, pois escutara toda a conversa e sentia que não podia continuar à frente
da matilha, mas sabia que o comando do grupo tinha de ficar entregue a um cão
de confiança, valente, mas que fosse também justo e que soubesse discernir
entre o bem e o mal. Sabia que Diablo tentaria a todo o custo chefiar a
matilha, mas isso não podia acontecer, sob risco de os humanos que regularmente
passavam na aldeia montados nas máquinas esquisitas serem novamente perseguidos
e atacados.
-
Homero - balbuciou Rex - eu não posso continuar a chefiar a matilha. Incumbe
outro cão dessas funções.
-
Está bem Rex, já todos notámos que estás doente, mas logo que estejas em
condições retomarás as funções de chefe, funções que até agora tens
desempenhado com valentia e justiça. Eu próprio, com a ajuda do Rafa, assumirei
o comando do grupo até estejas curado ou que se reconheça a outro cão que, de
forma espontânea, demonstre as qualidades e condições físicas e caninas necessárias
para desempenhar o cargo, de modo a que Rafeira continue a ser uma aldeia
pacífica e segura.
Após
estas palavras a matilha continuou em silêncio, concordante com a decisão que
Homero acabara de tomar. Alguns cães, entre os quais estava Diablo, não
concordavam com esta decisão, mas não se atreviam a abrir a boca tal era o
respeito que tinham por Homero. Aliás, Diablo estava a ranger os dentes como
que a dizer: - Velho jarreta, devias era andar a passear com o teu dono… No
entanto, e apesar de naquela comunidade existir completa liberdade de opinião,
nem mesmo Diablo se atrevia a fazer qualquer contestação, até porque sabia que
se o fizesse seria completamente ignorado pelos companheiros. Se quisesse
chefiar a matilha teria, tal como os outros, de ser “nomeado” de forma
carismática.
Rex
regressou a casa, cabisbaixo. A Pipa ainda o acompanhou durante alguns metros,
mas sem que Rex demonstrasse qualquer vontade de namorar. O cão dirigiu-se para
sua casota e deitou-se. No seu focinho triste, os olhos negros tinham um
brilho. Estranho.Talvez estivesse a chorar…
Continua…
Leia também: Os cães de Rafeira I - Os cães amigos dos ciclistas
Escrito de maneiro bonita meu amigo mas, sinto pois sei que leishmaniose é doença que faz muito sofrer. Infelizmente as autoridades que deveriam cuidar disso , se omitem de certa forma e quando o mau esta feita eles querem acabar com a vdinha do pobre cão, enquanto isso o mosquito fica lá, aproveitando da vida dos outros.
ResponderEliminarA vigilancia sanitária tem que cuidar de exterminar os mosquitos causadores de doenças, bem como a população tem a obrigação de colaborar, evitando o lixo e abandono. Tudo depende de nós e assim, nenhum dos cães da Rafeira sofrerá mais ...
beijinho
olá minha amiga. Obrigado pelo comentário.
EliminarIsto é apenas uma história de ficção, no entanto, infelizmente, ela é baseada em alguns factos reais. Com o primeiro capítulo (acho que se pode chamar assim) procuro, por um lado, chamar a atenção para o perigo que representam para os ciclistas os cães que andam à solta nas estradas e, por outro, realçar a inteligência indiscutível destes animais.
Este segundo capítulo mostra que mesmo um cão saudável e forte não está imune a essa terrível doença que é a leishmaniose e que, portanto, há que tomar todas as precauções para a tentar evitar.
Beijinho.
É triste ver pobres animais sofrerem de doenças que, para além de ser um caso preocupante para a saúde pública é fatal para estes e o tratamento é caro. Aconselho-o alegremente a visitar este blog dedicado ao espacinho do animal que, apesar de a sua estreia ter sido hoje, espero conseguir juntar o maior número de visualizadores a participarem activamente no blog, comentando-o e partilhando ideias, sugestões e divulgando-o. Porque nós temos sempre alguém, mas os animais só nos têm a nós!
ResponderEliminarhttp://espacinhodoanimal.blogspot.pt/