No
início da minha carreira profissional, que aconteceu muitos anos antes da revolução
de Abril de 1974, e também depois dessa data, quando trabalhava no duro em
pequenas fábricas ou na construção civil, era costume os trabalhadores
comentarem entre si que trabalhar em empresas onde não se conhecia o patrão é
que era bom. Aludíamos às grandes empresas como CP, EDP, CTT etc. e também,
claro está, ao Estado. Hoje, depois de ter prestado serviço não só nas pequenas
empresas onde se conhece perfeitamente o patrão e é ele próprio quem dirige e
labuta ao lado dos trabalhadores, mas também em organizações estatais, onde o
patrão é uma figura abstrata que ninguém conhece, chego à conclusão
surpreendente que, afinal, é melhor conhecer o patrão do que ser dirigido por intermediários,
porque esses muito dificilmente irão atribuir valor a quem realmente o tem e o
patrão vê com os próprios olhos o trabalho que cada um realiza, assim como o
seu grau de competência. É por isso que no Estado por vezes se comenta em
surdina e em calão que: “quem mais trabalhar, mais trabalhado fica”.
A
verdade é que, pelo menos até há uns dois ou três anos atrás, trabalhar para o Estado
era uma meta que muitos queriam atingir. Trabalhar para o Estado era como
atingir o céu, o verdadeiro el dorado. Por isso, quando abriam concursos para
admissão de pessoal, nem que fosse para limpar latrinas, apareciam candidatos
aos magotes.
A
maioria das pessoas que se candidatavam a um trabalho na função pública, mais
especificamente os trabalhadores menos classificados, como operários,
auxiliares, etc., sabiam que iriam começar por ganhar muito pouco e efetuar
trabalhos duros como limpar valetas ou sarjetas, mas restava-lhes sempre a
esperança de que surgisse a oportunidade de uma vida melhor e mesmo que essa
oportunidade nunca surgisse, ser funcionário público era um estatuto que
engrandecia o ego, era como uma capa que abafava todas as inconveniências e
insatisfações, mas que turvava ou não deixava ver a realidade tal como era.
Mas,
a verdadeira razão pela qual todos ambicionavam entrar na função pública, creio
que era a segurança no emprego. No Estado o medo de ficar sem trabalho era
quase inexistente e mesmo que se ganhasse pouco, esse pouco viria certo e seria
possível fazer planos para o futuro. Lembro-me de, quando da minha entrada para
a função pública, um funcionário bem instalado na mesma, me ter dito:
-
É pá… saiu-te a sorte grande. Os teus problemas acabaram!...
Duvidei
muito dessa afirmação e essas dúvidas confirmaram-se com o tempo, não só porque
ganhava muito pouco, mas por diversos outros motivos e hoje é minha convicção
que trabalhar nas empresas onde não se conhece o patrão não é, afinal, assim
tão bom.
Em
1994 entraram milhares de funcionários para o Estado, sobretudo para a área da
educação, onde eu me incluía. Houve um grande concurso para auxiliares de acção
educativa, guardas-nocturnos e ajudantes de cozinha. As nomeações eram
justificadas por “urgente conveniência do serviço” e essa justificação fazia-nos
sentir “importantes” e pensar que iríamos colmatar falhas graves e inadiáveis,
dada a “urgência do assunto”.
Afinal,
quando nos embrenhávamos nos meandros da coisa e verificávamos que a urgência
talvez não fosse tanta, que não éramos assim tão importantes, a montanha
abria-se à nossa frente e paria um rato ali mesmo.
As
entradas continuaram, mesmo depois de esgotados os recursos do concurso de
1994. Não sei se eram com urgência conveniente ou só por conveniência, mas o
certo é que as admissões eram feitas até que já no limiar da segunda década do
século XXI, os patrões desconhecidos da “Grande Empresa” chegaram à conclusão
de que a urgente conveniência, se transformara numa grande e “urgente inconveniência”.
E
agora esses patrões sem rosto procuram por todos os meios remediar os erros de
uma gestão que, década após década, se revelou incompetente e as vítimas, os
pagadores da crise, são precisamente aqueles que foram legalmente admitidos por
concurso e que para isso tiverem de fazer as suas provas de admissão. Esses
mesmo, que num auge de glória efémera, entravam na “Grande Empresa”, pensando
que eram imprescindíveis e que teriam trabalho assegurado, tendo em vista as
urgentes conveniências dos serviços.
Não
deixa de ser muito curioso o facto de estarem a ser empurrados para fora do
sistema precisamente os mais mal pagos e os que mais trabalham na função pública. Democracia estranha esta! Tantos e tantos que se servem da “Grande
Empresa” para manter os seus altos níveis de vida, sem que se saiba ao certo
qual é o seu papel naquela louca engrenagem e são precisamente esses que se mantêm
intocáveis. E qual será o papel futuro desses letrados que fazem, enganosamente,
aumentar a média salarial que serve para fazer marketing negativo perante a
opinião pública? O ordenado de cada um dos muitos que seriam, esses sim,
dispensáveis, daria para pagar a meia dúzia ou mais dos trabalhadores que se
pretende afastar. Ou, dito de outra forma, pelo afastamento de cada um desses
dispensáveis poderia ser mantidos seis postos de trabalho.
Trabalho
escravo e mal pago é o que espera os verdadeiros trabalhadores da função
pública que sobreviverem a este holocausto. Que importa isso para estes patrões
sem rosto?... Se são trabalhadores que não acrescentam valor, uns ignorantes!!!...
Não
se aprende nada na Função Pública!…
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Muito bem escrito. Parabéns!
ResponderEliminarMuito obrigado! Fico contente pela apreciação.
EliminarParabéns!!,Meu Caro Amigo Joalex Henry!! Muito Bem escrito.Com verdade e Muita sensibilidade,como sempre. Genuinamente correto.��
ResponderEliminarOlá, minha grande e cara amiga Lucia Maria. Quando recebi a notificação deste comentário no meu email quase não queria acreditar, eu que pensava que este post estava para sempre no esquecimento, fiquei muito agradavelmente surpreendido por saber que, afinal, os meus escritos de um passado não muito distante ainda são lidos e apreciados.
EliminarMuito obrigado, o seu comentário teve o condão de me lembrar que esta página foi, em tempos, o cantinho onde eu expunha as minhas ideias e partilhava os conhecimentos adquiridos em meio século de existência e que certamente não merecia o estado de semiabandono em que está nesta altura.