CONSTRUIR A PRÓPRIA CASA - Construção das fossas

Recipiente que recebe as águas da máquina de lavar, para
serem posteriormente utilizadas em lavagens de pisos e
terraços
Um elemento muito importante numa habitação é, sem dúvida, o seu sistema de esgotos. Nos meios rurais ainda existem muitas aldeias que não têm saneamento público e mesmo as que o têm, ele não abrange as casas mais isoladas, pelo que para estas a construção de fossas continua a ser a única solução para o vazamento dos detritos sanitários e das águas provenientes das casas de banho, cozinhas, máquinas de lavar roupa, etc. Em relação às águas saídas da máquina de lavar elas não terão necessariamente de ser enviadas para a fossa ou para a rede pública de saneamento e podem ser reaproveitadas para fazer lavagens de pisos terraços, etc, desde que sejam encaminhadas para um recipiente, de onde depois serão extraídas com um balde e utilizadas nas referidas lavagens. É assim que eu procedo com as águas da minha máquina de lavar roupa e acho que é uma forma muito boa de economizar água, uma vez que para cada lavagem de roupa a máquina utiliza cerca de 50 litros de água.

Quando construí a minha casa, não existia rede pública de saneamento, pelo que tive que fazer as respetivas fossas para encaminhar para lá os esgotos da habitação. Numa casa com logradouro ou seja, com algum terreno não ocupado com construções, não é uma grande dificuldade, mas em casas onde não existe mais espaço nenhum a não ser o da própria casa, torna-se complicada a existência de uma fossa e eu conheço algumas nessa situação, onde as fossas foram construídas dentro da própria casa. Daí a grande importância da rede pública de esgotos.

O terreno onde construí a minha casa era de pequenas dimensões, mas mesmo assim havia espaço para a construção das fossas e eu procurei deixa-las afastadas o mais possível das paredes da casa, uma vez que sentia que as águas dos esgotos seriam prejudiciais às fundações da habitação e, mesmo que assim não fosse, existia sempre alguma repulsa por ter um depósito com tal mercadoria junto à casa.

Vou relatar a forma como construí as fossas, mas quero deixar bem claro que, tal como o que escrevi em outros artigos sobre ”construir a própria casa” este relato não tem a finalidade de ensinar ninguém a fazer fossas, ele é apenas a descrição da forma como eu fiz, que não significa que seja a forma mais correta ou eficiente de o fazer, até porque a construção de fossas obedece a legislação própria, que pode ser diferente de país para país, e não me parece que as minhas fossas tenham obedecido integralmente a essa legislação. Para fazer uma fossa como deve ser existem agora, felizmente, muitos sites que ensinam isso, o que não existia na época, pois não havia Internet que, se existisse, talvez não tivesse cometido alguns erros que cometi, mas talvez, mesmo assim, este post possa ser útil, pois a verdade é que se aprende muito com os erros cometidos, com os nossos e com os dos outros, embora o ideal fosse aprender só com os erros dos outros, o que é impossível para além de ser um desejo egoísta.

Planta de fossa séptica. à primeira vista parece
ser bem complicada a sua construção.
A memória descritiva da habitação em relação às fossas dizia que: “Os esgotos da sanita serão conduzidos para uma fossa tipo séptica, todos os outros serão conduzidos para uma fossa moura, os esgotos serão canalizados em manilhas de grés 123”. (De notar que nesta altura as manilhas de grés já se encontravam em desuso, utilizando-se tubagem em plástico). Trazia anexa uma planta com os detalhes gerais da fossa séptica em desenho que, na altura e mesmo agora, me pareceram bastante complicados. Nada havia sobre a forma de construir a fossa moura, que seria a fossa para onde teriam de ser encaminhadas as águas dos esgotos das casas de banho e cozinhas.

Devo confessar que não liguei patavina ao desenho e procurei informar-me junto de outras pessoas que andavam a fazer ou tinham feito casas por essa altura, sobre a melhor forma de o fazer, e tendo presente, por intuição natural, que as fossas deveriam ter as dimensões adequadas tendo em conta o número de habitantes que poderia não só servir no presente mas também no futuro. Por isso conviria que as dimensões não viessem a pecar por defeito. Além disso era também muito importante analisar a porosidade do solo, pois se este fosse permeável, havia toda a conveniência em deixar as fossas com uma dimensão maior.

Como já disse, construí as fossas afastadas da casa, mas não muito porque o terreno disponível, não o permitia. Seria ótimo que ficassem longe, mesmo que para isso tivesse que gastar mais em tubagens, pois, mais tarde, poderia haver necessidade de proceder ao seu esvaziamento e limpeza, como veio a acontecer. Assim, marquei um pedaço de terreno com cerca de três por dois metros, para abrir o buraco onde iria levantar as paredes das fossas. Estas iriam ficar junto uma da outra, sendo separadas por uma parede. A fossa séptica seria rebocada e isolada, excepto no fundo, e a fossa moura ficaria com as paredes em tijolo nu e com algumas juntas abertas para melhor escoamento das águas.

Comecei a cavar… tal como na abertura das fundações, e de resto em toda a obra, o trabalho foi feito exclusivamente por mim, nada a que não estivesse habituado. No entanto, agora havia que cavar até uma maior profundidade pois convinha que a fossa ficasse o mais enterrada possível e o terreno a partir da profundidade de 60 cm começava a endurecer bastante, chegando a atingir níveis de dureza tal que a picareta se tornava um instrumento pouco eficaz. Era uma espécie de argila rija, misturada com cascalho, muito difícil de cavar, mas que em termos de permeabilidade poderia ser considerada de grau médio, o que para provocar o desaparecimento dos detritos líquidos, não seria mau de todo.

Um tanto penosamente lá consegui cavar até à profundidade de cerca de um metro e meio, não era muito, mas julguei que seria suficiente tendo em conta a natureza do terreno.

Hoje creio que foi um erro não ter afundado mais, pois deveria ter tido em conta também que futuramente poderia não ter possibilidade de fazer o seu alargamento ou mesmo construir outra fossa por falta de espaço. E, como se veio a verificar mais tarde, aquela fossa não foi suficiente e vim a ter problemas com os esgotos, que resolvi recorrendo a estratagemas, alguns a roçarem a ilegalidade, e que não tem grande interesse a sua descrição a preceito aqui.

Planta e aspeto geral de uma fossa séptica depois de construída. Agora já não parece um trabalho complicado.

Fiz as paredes em tijolos cerâmicos de 30x20x11, tendo começado a assentá-los no fundo do buraco sem que tenha escavado qualquer fundação, pois achei que não havia necessidade disso, dada a dureza do terreno e mesmo ficando o fundo sem qualquer revestimento. Foi como se estivesse a construir um tanque dividido ao meio, tendo feito a travação do tijolo nos cantos, sem pilares, e com a parede divisória construída em simultâneo ficando com as pontas embutidas nas paredes laterais. A divisão que iria funcionar como fossa séptica foi rebocada e isolada com lasso de cimento em pó, de modo a quer não houvesse hipótese de mistura com as águas de sabão, pois se isso acontecesse iria fazer com que as bactérias anaeróbicas, que agem sobre a parte sólida do esgoto decompondo-o, fossem destruídas, impedindo essa decomposição. (Esta das bactérias anaeróbicas, aprendi-a agora, pois naquele tempo apenas se dizia que era o “bicho” que comia os dejetos) e até se dizia que não se deviam despejar para a sanita águas de sabão ou utilizar produtos de limpeza ou odorantes que poderiam provocar a morte do “bicho”.

Para a cobertura das fossas utilizei vigas de cimento pré-esforçadas e abobadilhas, tendo deixado as aberturas onde posteriormente colocaria tampas amovíveis, feitas com betão ou concreto de cimento.

Caixa de limpeza

Como já disse as fossas ficaram afastadas da casa alguns metros, no entanto junto à parede da casa onde se situava a casa de banho construí a caixa de limpeza. Esta caixa é muito importante não só para efetuar possíveis desentupimentos nas tubagens mas também porque pode servir para ser o ponto de encontro dos vários tubos vindos não só da casa de banho, mas também da cozinha e de outros lados, apesar de não ser obrigatório que todos confluam para a mesma caixa de limpeza.

No fundo, esta caixa de limpeza foi como se tratasse de uma fossa em miniatura, também dividida ao meio, mas completamente isolada. Um dos compartimentos servia para receber os detritos da sanita e o outro para as águas de lavagens, partindo os mesmos depois para as fossas respetivas, através de tubos de pvc. Os esgotos da sanita em tubo com diâmetro de 90 mm e o das águas com o diâmetro de 60 mm. A caixa ficou ao nível do solo, não convinha que ficasse muito abaixo, pois os tubos teriam de seguir para a fossa com algum declive para evitar entupimentos.

O sistema funcionou muito bem durante largos anos, penso que uma década ou mais, mas um belo dia notei que a sanita não esgotava… Já me tinha esquecido que havia uma fossa e não me passou pela cabeça que esta poderia estar cheia, mas infelizmente foi isso que vim a constatar, depois de ter aberto a caixa de limpeza e vê-la completamente cheia não se vendo sequer os tubos que iam para as fossas.

Tinha chegado o momento de fazer o primeiro esvaziamento das fossas, após dez anos de estarem a funcionar bem, isto é, com as águas a infiltrarem-se no terreno e as bactérias a consumirem a parte sólida, mas a partir dessa altura as coisas complicaram-se com as fossas a encherem cada vez a menor espaço de tempo e em consequência disso a ter que recorrer ao serviço do limpa fossas municipal com frequência, o que para além dos transtornos que causava, eram também muito dispendioso, pois esse serviço não era barato e com tendência para encarecer cada vez mais.

Creio que o problema maior estava na fossa moura para onde eram enviadas as águas de lavagens, pois o sabão e as gorduras tinham impermeabilizado o terreno que perdera a capacidade de infiltração. Dado que o terreno não era dos mais permeáveis deveria ter feito uma fossa maior e um dreno junto à mesma para ajudar à infiltração. Ainda fiz uma vala encostada a uma parede das fossas que enchi com cacos de tijolo, mas essa solução não serviu por muito tempo. Se as fossas tivessem maior capacidade, levariam mais tempo a encher e os custos com o esvaziamento pelo limpa fossas seria o mesmo, pois acho que mais litro menos litro era indiferente para eles.

Acabei por resolver o problema parcialmente enviando as águas da fossa moura um tanto ou quanto clandestinamente, misturadas com as águas pluviais, quando chovia, é claro, para uns terrenos abandonados situados a uma quota inferior e que estavam completamente infestados com silvas, não causando qualquer problema a ninguém. Esta solução nunca poderia ser definitiva e não me agradava, mas também não tinha grandes hipóteses de arranjar outra e ela funcionou, de facto, durante alguns anos, até que finalmente a rede pública de saneamento chegou ao local e pude fazer a respectiva ligação, respirando então de alívio. Essa solução, definitiva, ficou bastante dispendiosa, não só pelos custos das tubagens e pelos trabalhos consequentes, mas também pelo preço cobrado pelos Serviços Municipais que atingiram algumas centenas de euros e pelo tarifário que tem que ser pago mensalmente. Esses preços elevados levam alguns proprietários de habitações que não têm problemas com as suas fossas, a não se interessarem muito pela ligação à rede, embora exista essa obrigatoriedade quando existe saneamento público.


Para terminar e com as experiências por que passei e as ilações que tirei de tudo isto, deixo um conselho a todos aqueles que não têm acesso à rede de saneamento público: quando construírem as suas fossas façam-no de modo a não virem a ter problemas no futuro, dimensionando-a bem para que os esvaziamentos comecem o mais tarde possível, ou que preferencialmente não comecem mesmo e localizando-a o melhor possível para facilitar possíveis ligações futuras à mesma. 

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2 comentários:

  1. Amigo, admiro sua capacidade de construir coisas, gostaria muito que metade dos trabalhadores 'especializados' soubessem fazer as coisas assim como voce. Por ocasião de uma reforma aqui em minha casa, isso tem alguns anos já, tinha que instalar uma nova fossa. Fui lá e comprei uma pré fabricada que, deveria ser colocada no buraco feito no chão e acomodados os canos nos devidos lugares e pronto!
    Voce acredita que o pedreiro que contratei conseguiu quebrar a caixa por duas vezes?!
    Desisti... paguei o rapaz e pedi que ele fosse embora ... ele foi sem reclamar e aceitou o dinheiro de bom grado , fiquei no prejuízo mas, achei melhor assim, senão ele poderia estragar mais peças e isso já tinha me custado caro porque tive que contratar outro.
    Sorte sua saber fazer as coisas.

    beijinho e bom final de semana =)

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    1. Olá Cintia. Pois é, acho que tenho sorte por saber fazer as coisas, mas tudo pequenas coisas que a vida me ensinou.
      Se não fosse o imenso mar que nos separa, teria todo o gosto em dar-lhe uma ajuda nos pequeno problemas de construção que sempre vão surgindo. Como tal não é possível resta-me desejar-lhe uma boa semana de trabalho na sua profissão e que é certamente mais difícil do que fazer ou instalar uma simples fossa.
      Beijinho.

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