O MEU PRIMEIRO EMPREGO


No ano de 1965, comecei a trabalhar na Casa de Saúde “Coimbra”, na Rua da Sofia em Coimbra. Era interno e só ia a casa uma vez por mês. Dos trabalhos que lá fazia, destaco o serviço nos ascensores, serviço de jardinagem, limpeza e recados.

Um dos trabalhos que fazia diariamente e que está muito vivo na minha memória porque uma vez se passou um episódio algo insólito e curioso, era a ida a pé à Quinta do Almegue, para ir buscar leite para a cozinha da Casa de Saúde. A Quinta do Almegue já não existe pois uma grande parte dos seus terrenos foram ocupados pela via-rápida que passa no local. Recentemente, com os trabalhos para a construção do viaduto do IC 2 sobre o Choupal, foram demolidos alguns edifícios da Quinta que estavam em ruínas, tendo esta desaparecido assim completamente. Munido de dois garrafões de cinco litros e com uma sanduíche no bolso que as “irmãzinhas” faziam questão de me arranjar para comer pelo caminho, iniciava o trajecto que, avaliando bem os riscos, na altura era capaz de não saber fazer essa avaliação, vejo que era um trajecto algo perigoso para uma criança de dez anos. Para atingir a Quinta do Almegue tinha de atravessar o Rio Mondego, mas, como pela Ponte de Santa Clara a distância era bastante maior, utilizava uma estreita ponte de madeira que existia mais ou menos no sítio onde hoje se encontra situado o Açude-Ponte. Era uma ponte com cerca de um metro de largura e era utilizada exclusivamente por peões. Tinha portagem e tudo! Se a memória não me falha, para a atravessar era necessário pagar 20 centavos.

Ora, um belo dia, quando atravessava a dita ponte, resolvi parar a meio dela, poisando os garrafões ao meu lado. Acontece que nesse dia uma senhora, com uma cesta à cabeça, seguia apressada pela ponte fora na mesma direcção em que eu ia. Quando passou por mim, devido à pressa que levava, aconteceu o inevitável: um dos garrafões caiu ao rio! Imediatamente comecei a chorar e a dizer à senhora que tinha de me pagar o garrafão. O “barqueiro”, como era conhecido o homem que tomava conta da ponte e que cobrava as portagens, apercebendo-se do sucedido e da minha aflição imediatamente saltou para cima de um bote de madeira que estava ancorado junto da ponte. Esta embarcação era impulsionada com a força que o barqueiro aplicava a uma vara que era apontada de encontro ao leito do rio e, foi assim, manobrando a embarcação com destreza, que alcançou o garrafão, tendo-o trazido de volta. Ainda teve de percorrer uma grande distância porque a corrente era bastante forte. Felizmente isto aconteceu na ida para a quinta e os garrafões encontravam-se vazios.

Sempre que passo por ali recordo-me deste episódio e de como era o local naquela altura, obrigando-me a fazer uma análise ambiental daquela zona da cidade e, comparando-a com os dias de hoje, sinto-me obrigado a concluir que o progresso, tão necessário numa sociedade globalizada como é a nossa, tem sempre efeitos nefastos na natureza, destruindo paisagens, fauna, flora, provocando poluição, o que me faz perguntar a mim mesmo: será que vale a pena? Onde outrora existiam terrenos férteis, prados verdejantes e um rio que corria límpido e murmurante, projectando cintilações de prata no arvoredo das suas margens, hoje existe apenas uma mescla de alcatrão e pontes de feia e agressiva arquitectura, que transformaram por completo o cenário idílico da zona.

Também me recordo de alguns trabalhos de limpeza que fazia. Um deles era a lavagem da escadaria da Casa de Saúde. Como era, e ainda é, um edifício com quatro ou cinco andares, facilmente se adivinha a dureza desse trabalho, que era feito de joelhos no chão, esfregando com um pano todos os degraus e patamares da escada.

O que mais gostava de fazer na Casa de Saúde era o serviço nos ascensores. Achava que era um trabalho muito fácil e divertido. Era só perguntar às pessoas para que piso se dirigiam, carregar no respectivo botão e abrir e fechar as portas do elevador, porque naquele tempo não existiam portas automáticas. Mas o melhor de tudo é que recebia algumas gorjetas e como o ordenado era muito pequeno, isso dava imenso jeito. No entanto apenas fazia este trabalho quando era preciso, por qualquer motivo, substituir o colega a quem este trabalho estava atribuído.

Lembro-me também, com saudade, das freiras que prestavam serviço na Casa de Saúde, a quem chamava de irmãzinhas, que me tratavam muito bem e me apelidavam carinhosamente de “Menino Jesus”. Estavam sempre a dar-me bons conselhos; diziam-me para rezar todos os dias, para ir à missa aos domingos, para não dizer palavrões… de facto preocupavam-se comigo. Por vezes levavam-me à cozinha e arranjavam-me qualquer coisa para comer. Eram muito bondosas e gostavam muito de mim.

Mas como ganhava pouco e tinha saudades de casa, só lá estive seis meses, tendo-me despedido a fim de procurar um trabalho onde pudesse ganhar mais e estar mais perto de casa.


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