O REGRESSO ÀS ORIGENS

Não se fala noutra coisa neste país nos últimos meses. É a crise para cá, é crise para lá; Fala-se nela ao almoço, ao jantar; é conversa de rua e de café; fala-se nela durante toda a semana, não nos dando folga nem sequer ao domingo. Claro que a crise não é para toda a gente e já ouvi algumas pessoas a vangloriarem-se da sua situação dizendo que não sentem crise nenhuma. Em contrapartida há aqueles que são sobejamente conhecidos como imunes à crise devido à sua situação financeira que, sem ser necessário visualizar os seus extractos bancários, se adivinha facilmente, mas que se vão queixando “que a coisa não dá” que têm muitas despesas, mais isto e aquilo.

Como não faço parte deste grupo, nem do anterior e para dizer a verdade acho até que desde que me conheço sempre vivi em crise, financeiramente falando, confesso que tenho andado muito preocupado tentando encontrar soluções para tentar diminuir os seus efeitos. No meu caso as soluções têm de passar todas pela diminuição das despesas, já que a previsão das receitas para o futuro é de diminuição constante.

Por este motivo, tenho andado a meditar na problemática da auto-suficiência, tentando saber da sua viabilidade e confesso que o livro de John Seymour (Manual Prático da Auto-suficiência), me tem obrigado a algumas reflexões bastante profundas sobre o assunto.

Mas, muito sinceramente, eu acho que a auto-suficiência tal como ela era vista por John Seymour: extrair da terra tudo o que ela nos pode dar, ou seja quase tudo o que é necessário para viver e, através disso, cada indivíduo, ou grupo de indivíduos se tornarem quase auto-suficientes, (digo quase porque acho que a auto-suficiência total é impossível e nem mesmo o visionário inglês admitiu essa possibilidade), não tem grande hipótese de ser posta em prática nos tempos actuais, mas é bem possível que num futuro de distância imprevisível, devido a um retrocesso civilizacional, que se vai fazendo gradualmente, o regresso às origens é provável e o êxodo rural que se tem verificado nas últimas décadas, poderá ser invertido e então os campos que foram deixados ao abandono poderão vir a ser de novo ocupados, por novas gerações que terão de bastar-se a si próprias, o que parece uma hipótese um pouco herege, mas que a longo prazo, não é de todo inimaginável.


Duas belas imagens rurais. A agricultura é a principal actividade da vida em auto-suficiência.
Eu sempre tentei, por necessidade, ser auto-suficiente em tudo o que fosse possível, porque como diz o ditado: “a necessidade aguça o engenho” e então, para além daquela que é a actividade mais importante de quem quer viver em auto-suficiência: a agricultura, sempre efectuei pequenos trabalhos pessoais em diversas áreas de construção: pedreiro, electricista, canalizador e também a reparação de avarias de electrodomésticos, bicicletas, concerto de calçado e até pequenas reparações ou serviço de manutenção no automóvel.

Claro que isto são coisas que a maioria das pessoas já faz e com as quais se pode poupar muito dinheiro. Por exemplo: uma mudança de óleo no carro, se for feita numa oficina de automóveis ou numa estação de serviço irá ficar certamente no dobro do custo do que se nós próprios nos dermos ao trabalho de o fazer, comprando o óleo num supermercado. Nessa operação tão simples, que qualquer um pode efectuar podem-se poupar algumas dezenas de euros. E mudar uma lâmpada no mesmo automóvel, sabe quanto é que pode ganhar? E se for a bateria? A respeito da bateria certa vez em que precisei de substituir esse componente cobraram-me uma dezena de euros, uma quantia que considero muito exagerada para um trabalho de apenas 10 minutos e sem qualquer complexidade, pelo que a partir de então passei a comprá-las numa loja e fazer eu próprio a sua substituição.

É natural que com a degradação da situação económica de muitas famílias, devido à diminuição dos salários e das prestações sociais e ao aumento do desemprego, muitos destes pequenos trabalhos passem a ser feitos por mão própria, o que sendo um modo de auto-suficiência, acaba por ser, numa sociedade que se quer colaborante e de entreajuda, uma péssima situação que vai certamente fazer diminuir os postos de trabalho, se bem que algumas actividades já estejam completamente automatizadas, não ocupando directamente nenhum trabalhador, o que faz impor aqui uma interrogação: Será que o progresso contribui verdadeiramente para a felicidade das pessoas?

Parece-me, pois, que a auto-suficiência irá ser no futuro cada vez mais um modo de vida, mas por imposição e necessidade, devido a uma sociedade cada vez mais desigual e o termo “auto-suficiência” que deveria querer dizer independência económica e, portanto, riqueza, terá esse sentido apenas para os ricos, pois, para os pobres, cada vez em maior número, o pouco ou o quase nada terá de ser suficiente.

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2 comentários:

  1. Amigo... fico feliz em saber que não estou só nesse mundo...ahahah
    estou me referindo a "viver em crise" , pois somos , eu e voce do mesmo grupo !

    Sabe isso que voce falou de as novas gerações voltarem para o campo? Isso já acontece onde moro, São Paulo tornou-se megametrópole e, cada vez mais as pessoas que antes queriam morar aqui na cidade bem perto do progresso, querem justamente uma vida mais tranquila e , estão se mudando para as regiões rurais que ainda existem por aqui. Lugares ainda bem próximos do trabalho, porém com cara de campo e, muitos tem até pequena criação de galinhas, pomar e uma horta ...claro que é mais para compor uma cena porque nem é preciso nada disso, o que mais tem por toda parte é rede de hiper mercados.
    Além do que, na verdade, morar dessa forma é um luxo pois é tudooooooo muito caro, pois não é necessidade e nem o comum mas sim, uma escolha.
    Eu concordo com voce que ser auto-suficiente é impossível nos dias de hoje.

    Excelente final de domingo meu caro, e ótima semana para voce!

    Cintia. ;)

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  2. Partilho consigo «o aprender» a viver para além da crise. Somos o País mais pobre da Europa mas somos o povo com mais telemóveis... Ligamos mais à vestimenta que ao sustento dos filhos... procuramos um emprego em vez de um trabalho. Tiramos cursos mas não adquirimos competências.
    Numa geração, tudo mudou. Não eramos assim.
    Eu e meu marido poupámos muito dinheiro ao longo dos anos porque ele tirou um curso técnico e sabia fazer tudo numa casa, desde a electicidade até pinturas e até marcenaria. É preciso saber fazer qualquer coisa da vida do dia-a-dia para além dos empregos que temos.
    Quanto a sermos autosuficientes, olhando para o País pobre que somos, até na nossa varanda podemos pôr uns canteiros de cheiros e cenouras e alfaces, em vez de plantas. Já vi. E não tem nada a ver com a falta de dinheiro ou dinheiro a mais. Não. É querer mudar mesmo. Que interessa aos que «engordaram» ter dinheiro se não houver nas prateleiras o que comprar?
    Podemos ser autosuficientes em legumes, por exemplo, se tivermos um pedaço de terra e cultivarmos nela o que for da época. Nesse pedaço de terra, podemos também plantar algumas árvores de fruta. Podemos criar uma ou duas galinhas poedeiras e teremos ovinhos frescos. E até uma cabrinha para do leite fazer queijo.
    Aqui já poupamos umas valentes coroas:)e a colheita até dará para partilhar com os vizinhos, se formos bons agricultores e tivermos sol na eira e chuva no nabal ...
    Eu que sou alfacinha, acalento um sonho para quando o meu marido se reformar ( a propósito, faz hoje 39 anos que ele entrou para a função pública e ainda lhe faltam uns anitos para se reformar...) - irmos para a Serra da Lousã e plantarmos, com as nossas mãos, uns miminhos, num terreno que ainda não comprámos :)))...
    Adorava poder concretizar. Quem sabe?
    Já escrevi demais. Empolguei-me. Desculpe.
    Gostei imenso de vir até aqui. Parabéns pelo espaço. Obrigada pela visita.
    Saudações.

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