CONSTRUIR A PRÓPRIA CASA - Os alicerces

Neste artigo vou continuar a falar sobre “construir a própria casa”. Depois de já ter publicado o 1º artigo em que falei sobre o trabalho burocrático, tarefas que envolvem muita papelada, mas que são necessárias antes de se iniciar a construção, vou hoje começar a falar sobre o trabalho mais prático e também o mais interessante que é fazer erguer a casa com o próprio esforço.

Já o disse no artigo anterior, mas volto aqui a repetir, que não pretendo com estes escritos ensinar ninguém a fazer uma casa, mas sim dar a conhecer apenas os métodos que utilizei na construção da minha, que poderão ter alguma utilidade ou não pois, de resto, trata-se apenas de uma pequena vivenda rés-do-chão com 100 m2, sem grandes complicações arquitectónicas e que, devido à sua simplicidade, foi possível ter conseguido, praticamente sozinho, realizar essa construção. Naquele tempo não havia tantos entraves burocráticos como existem hoje e muita gente fazia as suas casas por administração directa, contribuindo com o seu trabalho para a execução da obra, tornando-a mais barata, mas eu não tinha dinheiro para contratar ninguém, apesar de ter recorrido a um pequeno empréstimo.

Não possuo qualquer foto do andamento dos trabalhos da construção porque, naquela altura, não tinha tempo para me preocupar com isso, nem tinha máquina fotográfica e estava a anos-luz de imaginar que um dia iria ter um blogue na Internet e nem isso existia ainda, julgo eu. De qualquer modo vou tentar, através das palavras e de fotos de outras obras, dar uma imagem aproximada dos trabalhos que realizei.

Como o terreno que adquiri para a construção estava situado num local que era servido por uma estrada muito estreita, praticamente não passava de um carreiro, todos os materiais foram transportados por um tractor agrícola, tendo alguns alguns que ser mesmo descarregados a cerca de 100 metros da obra e depois transportados para o local por meio de um carro de mão. Por esse motivo, optei por armazenar primeiro no terreno uma quantidade razoável de areia e brita e também a pedra para as fundações e só depois iniciar os trabalhos de construção para não ter de os interromper, devido aos difíceis acessos à obra e também a ter que fazer a carga e descarga do tractor manualmente, utilizando uma pá no caso da areia e brita.

Nesta altura já tinha o projecto da pequena vivenda em meu poder, podendo dar início aos trabalhos com a marcação da obra no terreno. Devo dizer que a planta era bastante simples mas mesmo assim foi uma ousadia meter mãos à obra nestas condições, pois nessa altura a minha prática de trabalho em construção de edifícios, resumia-se a pouco mais de um ano de prática como servente, adquirida dois ou três anos antes, pois naquele momento a minha profissão já não era nessa área.

Esses meses de aprendizagem foram fundamentais, pois nesse período de tempo tinha ajudado a construir uma casa desde o seu início, ficando assim com alguns conhecimentos que permitiram lançar-me nessa aventura.

As cangalhas para a marcação da obra
Fiz a marcação da obra utilizando estacas onde depois preguei algumas tábuas, horizontalmente, que se destinavam à colocação de pregos onde seriam atadas os fios. Nos cantos essas tábuas formavam um ângulo recto e serviam para esticar as linhas e marcar as fundações alinhando os pilares e as paredes. Esse conjunto de estacas e madeira utilizada na marcação era denominada de “cangalhas” e, naquele caso, apenas as retirei depois de já ter a cinta ou lintel onde iriam assentar as paredes, pronta para receber os tijolos. Devo realçar que o conjunto tem de estar em perfeita esquadria, pois se assim não for, os problemas começarão a surgir logo quando se aplicar o piso de tecto e serão maiores na aplicação do telhado e depois continuarão no interior da habitação.

Um factor a ter também em conta na marcação da obra é a sua orientação geográfica, factor que já deverá ter sido considerado na elaboração da planta de acordo com o terreno onde vai ser construída, pois dever-se-á ter em conta que a parte do edifício virada a sul ficará mais exposta ao sol e que também, na maior parte das vezes, os grandes ventos sopram de sul para norte, sendo por isso esse lado mais fustigado pelo vento e pela chuva.

Depois de fazer o alinhamento das fundações, dei inicio ao duro trabalho de as abrir à pá e picareta, trabalho esse a que estava bastante habituado, devido à profissão de cabouqueiro que tinha exercido há pouco tempo atrás. A profundidade e a largura das fundações de uma casa obedecem a alguns factores como: natureza do terreno e as dimensões do edifício. No meu caso era apenas um vivenda térrea e, no terreno, depois de escavados cerca meio metro de terra escura, começou a aparecer uma espécie de argila rochosa, terreno bastante duro, que me deu garantias de não ser necessário afundar muito mais, tendo as fundações ficado com cerca 80 cm de profundidade por 50 cm de largura. Faço notar que os alicerces é que vão suportar todo o peso do edifício, como é evidente, pelo que aqui não se pode facilitar e eu não facilitei, tendo até nos cantos da casa e em todos os pilares afundado um pouco mais e feito uma sapata com cerca de 1m2, para maior segurança. Acho que neste caso é melhor pecar por excesso do que por defeito.


Armação de ferro. O ferro é atado com arame queimado,
utilizando, normalmente, uma chave que se faz fácilmente
 com um pedaço de ferro de 6mm, embora na imagem
 esteja a ser utilizado um alicate.
Eu estava entregue a mim próprio; era o servente, o pedreiro e o patrão, (até passavam pessoas no local que gracejavam dizendo que “ao menos assim não ralhava com o servente”) razão porque depois da abertura das fundações estar concluída, tive que me dedicar a fazer a armação de ferro para os pilares. Utilizei ferro de 10 mm, com estribos em ferro de 6mm. Para as sapatas fiz grelhas com ferro de 10 mm, separados por cerca de 20 cm. As tabelas do ferro constavam da planta do ferro, mas na realidade e ao que me lembro não as segui à risca.

Chumbei os pilares nas sapatas fazendo um espécie de pirâmide até atingir o cimo dos alicerces. De notar que os quatro ferros dos pilares foram, no fundo, alargados para o lado acompanhando assim a dita pirâmide de betão. De seguida fui enchendo os alicerces com pedras a que ia juntando algum betão até atingir o nível do solo, altura a partir da qual iria começar o lintel de fundação. No interior abri também uns alicerces, um pouco mais pequenos onde iriam assentar as paredes. Escusado será dizer que o cimo dos alicerces e sobretudo o lintel tinha que estar nivelado para que depois o levantamento das paredes se fizesse sem problemas.

A etapa seguinte foi fazer a armação do ferro para o lintel, em que utilizei ferros de 12 e 10 mm. Este lintel foi feito ligando toda a obra, paredes interiores incluídas, tendo ficado com cerca de 20 cm de altura por 30 de largura, (15 cm nas paredes interiores). Os 30 cm de largura correspondiam à espessura das paredes, que foram construídas duplamente com tijolos de 11 cm, ficando com uma caixa-de-ar de 8 cm.

Todos estes trabalhos iam sendo feitos aos poucos, pois apenas me podia dedicar a eles em horas e dias de folga, uma vez que era realizado sem prejuízo da minha actividade profissional, que naquela altura era exercida numa cerâmica de artigos de barro para construção (ver os Trabalhadores do Barro).

Não tinha madeira suficiente para fazer a cofragem do lintel de fundação na sua totalidade, de maneira que fui fazendo o seu enchimento também aos poucos, preocupando-me sempre em que as partes onde o trabalho era interrompido, houvesse depois uma boa ligação do betão. As “cangalhas” continuavam a funcionar de modo a proporcionar um perfeito alinhamento e esquadria do lintel. De notar que não tinha betoneira e que o betão era por isso amassado manualmente com uma pá e uma enxada, o que agravava as dificuldades do trabalho.

Aspecto final da fundações. Pela cor do lintel vê-se que
este foi impremeabilizado, o que é um procedimento
muito aconselhável.
O lintel finalmente ficou pronto e chegava assim ao fim mais esta etapa da obra. A próxima foi proceder ao levantamento das paredes, pois ao contrário do que agora se faz na maioria das construções, aqui ergui primeiro as paredes e as colunas só foram cheias depois, ficando assim as paredes fundidas nos pilares, pois uma parte da argamassa penetrou nos furos dos tijolos o que, quanto a mim, deu uma maior resistência a todo o conjunto, do que se tivesse feito as paredes apenas de encosto aos pilares, para além de ser mais fácil efectuar, desta maneira, o trabalho. Mas sobre as paredes irei falar num próximo artigo.

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Este é o quarto artigo que escrevo sobre “construir a própria casa”. Como também já referi nos artigos anteriores, estes escritos não são para ensinar ninguém a fazer uma casa, mas apenas para ajudar ou, porque não, até para incentivar aqueles leitores que, tal como eu, fazem do dia-a-dia uma luta diária pela sobrevivência e, por isso, todos os cêntimos contam... Ler mais


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13 comentários:

  1. Interessante, mas vivo nos EUA e aqui usam, ainda que raramente, blocos ocos que sao enchidos com cimento armado. Na generalida as casas sao construidas com madeira. Agora gostaria de saber quem desenhou a sua casa, precisou de arquitecto ou foi desenhada por si? O que foi mais dificil de construir? O que ficou mais caro? Gostei de ler isto.

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    1. Embora a casa tenha sido toda construída por mim, a planta foi desenhada por um profissional e a construção foi supervisionada por um engenheiro, pois essas eram as exigências legais na altura.
      O mais difícil de construir para mim, foi a cobertura e o que ficou mais caro foram a casa de banho e cozinha, devido à grande quantidade de materiais que são necessários para estas divisões, devido à sua especificidade. Mas, de resto a casa não ficou muito cara, porque não tive de pagar mão-de-obra.
      Obrigado pela participação e pelas palavras de apreço.

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    2. josé essa sua historia me incentiva muito pois tambem estou fazendo o mesmo construindo minha casa eu mesmo nao sei muito vivo buscando aprendizagem nas historias dos outros tambem estou trabalhando sozinho e na fundaçao quase que desisto mais agora vejo que nao sou louco nao sou apenas mais um homem construindo sua morada valeuu!!!

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  2. cara gostei das dicas,estou fazendo um curso de pedreiro pelo senai e espero poder tambem a construir algumas casas no futuro,suas informaçoes foram de grande utilidade,ass adriano borges

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  3. quando fazemos um curso de pedreiro conseguimos logo de cara fazef uma casa sozinha

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  4. José, muito interessante e útil estas informações. Neste momento estou em processo de aquisição de um terreno para a construção de uma casa, e espero participar em muitos momentos da obra. Estou receoso com a inclinação do terreno que é muito acentuada. Caso tenhsa informações sobre construção em terreno com declive, ficarei grato se enviares para o meu e-mail (a.vilas2009@bol.com.br) .
    Parabéns pelo seu trabalho!

    Antonio Andrade
    Salvador/Bahia/Brasil

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    1. Olá António, obrigado pelo comentário.

      Como deve compreender é muito difícil falar sobre o assunto que referiu, uma vez que não conheço o terreno. No entanto sobre a construção futura de que fala, para além do acréscimo de trabalho com terraplanagens, construção de muros de suporte, etc, é necessário que seja feita uma análise cuidada das caraterísticas do terreno, pois conheço prédios construídos em terrenos em declive que nunca tiveram qualquer problema, mas também já vi duas casas construídas numa encosta desabarem completamente, devido a uma linha de água que passava por baixo. E também é preciso ter em atenção grandes chuvadas que possam acontecer e causar danos na obra. Por isso, todo o cuidado é pouco e, como já disse, uma análise competente e aprofundada das caraterísticas do terreno é essencial. É a minha opinião.

      Boa sorte.

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  5. Gostaria de saber como melhorar as fundacoes de uma casa sem ter de destruir a mesma
    Espero a sua resposta se possivel para

    limataira@hotmail.com
    Sem mais muito obrigado por partilhar a sua expriencia de construcao com todos

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    1. Com certeza que é possível reforçar as fundações de uma casa. No entanto não arrisco a dar uma opinião, porque não conheço a casa, tipo de terreno onde está implantada etc.
      Acho que deverá consultar uma empresa especializada ou uma pessoa que perceba do assunto e que vá avaliar a situação no local.
      Os meus cumprimentos e obrigado pela participação no blog.

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  6. Parabéns também estou constituído a minha! Vivo na net procurando informações, vc6 são um incentivo. Vlw

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  7. Parabens pelo post, estou planejando começar minha casa também, gostaria de saber qual a maneira correta de passar os encanamentos devem ser no meio da fundação, deixando os espaços quando colocar o concreto ou acima dela, ainda não encontrei nada a respeito. Obrigado

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    1. Boa tarde, obrigado pelo comentário.
      Normalmente os encanamentos não ficam nas fundações, mas podem existir situações em que isso aconteça, tudo dependendo das caraterísticas do projeto. Como compreenderá não tenho possibilidade de lhe dar uma resposta concreta.

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