A ALDEIA DA TRÓIA


O Largo da Tróia, inaugurado em 2001, foi o melhoramento mais recente da aldeia, aqui representada neste painel de azulejos da autoria de António Reis, um artista da terra. Está colocado no Largo, que está equipado com alguns bancos e também um pequeno parque infantil.


Todas as aldeias, por mais pequenas que sejam, têm a sua História. Se, em algumas essa história é conhecida de muitos, outras existem que, para além dos seus habitantes, poucos conhecem.

A pequenina aldeia da Tróia, situada no concelho de Miranda do Corvo, bem nas faldas da Serra da Lousã, é um desses casos. Se fizermos uma pesquisa no Google utilizando as palavras aldeia de Tróia - Miranda do Corvo, pouco é mostrado de relevante, no entanto se nos embrenharmos em pesquisas utilizando outras palavras é possível encontrar alguns dados curiosos, relacionados com este lugar.

A casa da família Paiva Manso.
Na rua principal da aldeia, uma rua bem estreitinha, encontra-se uma casa que ostenta um brasão de armas, indicando que ali terá vivido outrora uma família ou alguém com algum título de nobreza. Esta é apenas uma das muitas casas ou até palácios, alguns em ruínas ou semi-arruínados, que se encontram um pouco por toda a parte, como é o caso do palácio da Quinta da Boiça, de que já falei no blogue.

Não é o caso desta casa da Tróia, que foi adquirida e restaurada há dezena e meia de anos atrás, mantendo a traça original e o brasão na frontaria do edifício.

Nesta casa habitou a família Paiva Manso, da qual descendia o dr. Levy Maria Jordão, 1º visconde de Paiva Manso, em título criado por Decreto de 13-10-1869, de D. Luís I, rei de Portugal. O visconde Levy foi o autor da primeira reforma penal séria em Portugal, da qual saiu o Código Penal e é considerado pelo município como uma figura ilustre de Miranda do Corvo. Era filho do Dr. Abel Maria Jordão, 1º Barão de Paiva Manso.

Isto são factos mais ou menos conhecidos e, a partir daqui, iniciei as pesquisas para tentar saber algo mais sobre a História desta aldeia…

Belisário Pimenta (1879 – 1969) historiador, militar e escritor, natural de Coimbra, dedicou muito do seu tempo a fazer pesquisas sobre a História de Miranda do Corvo e da família Paiva Manso. Os seus longos textos, alguns publicados no Diário de Coimbra em 1949, 1950 e 1951, relatam a história atribulada desta família, que também esteve ligada à aldeias de Chão de Lamas e Vila Nova e que viveu as agruras das Invasões francesas, que deixaram um rasto de destruição em Miranda do Corvo. Dessa história longa, de quase dois séculos, e que, por isso, atravessou várias gerações, transcrevo algumas linhas em que Belisário Pimenta fala sobre alguns membros dessa família e um pouco também sobre a aldeia da Tróia.

Brasão da família Paiva Manso.
Poucos mirandenses saberão que umas casas existentes no lugar da Tróia, ainda com restos indicativos de certa grandeza, foram no século XVIII a residência de família poderosa cujos chefes ocuparam, com honras e proveitos no meio social um lugar de relevo evidente. Essas casas, que há uns trinta e tal anos mantinham ainda aspectos curiosos, eram o solar da família Paiva Manso, que por todo aquele século encheu, a bem dizer, a vida do concelho. A história desta família constituiria quase uma monografia local, tão ligada ela anda, desde o ultimo quartel do século XVII, até ao advento do Liberalismo, a todas as manifestações oficiais e sociais da região com predomínio e prestígio. O apelido começou, verdadeiramente em 21 de Novembro de 1664, quando na matriz, casaram Manuel Francisco Manso, da Tróia, de 21 anos, de família abastada que viera do lugar da Retorta, nos confins da freguesia e Catarina de Paiva, do mesmo lugar da Tróia… 

…Vicente António de Paiva Manso nasceu no lugar da Tróia aos 5 de Abril de 1721. Com 15 anos veio matricular-se em Instituta na Universidade e conseguiu vencer o ano e no imediato entrou para o 1º de Cânones que não completou. Tentou no ano seguinte levar a cabo a tarefa mas sem resultado. O arquivo universitário desde Outubro de 1738 não mais fala dele. Vicente António não foi fadado para as letras. Recolheu ao solar da Tróia onde, como mais velho dos irmãos iria encontrar o caminho livre para honras e proveitos. Assim foi. Aos 21 anos, numa vaga de comando de Companhia de Ordenança local, coube-lhe a eleição para capitão da companhia, com sede na vila, confirmada por patente de 20 de Dezembro de 1742; aos 27 anos, como o pai renunciasse a seu favor, foi eleito para o ambicionado cargo de capitão-mor, confirmado por patente de 29 de Abril de 1748. E nesta ascenção, por sentença favorável de 17 de Janeiro do ano seguinte, corridas as «provanças» devidas, foi feito Cavaleiro da Ordem de Cristo e por sentença do Concelho Geral, aos 2 de Junho do mesmo ano, alcançou as cobiçadas honras de Familiar do S.to Oficio depois de diligências que parecem feitas apenas pró-forma. Nesse mesmo ano casou com uma senhora D.ª Maria Luisa Bernarda Xavier Freire da Afonseca, de S. Gião, filha do sargento-mor de Avô, João Manuel de Afonseca, gente que vivia «á laia da nobreza». Assim Vicente António, aos 28 anos com as irmãs destinadas ao Mosteiro de Semide e os dois irmãos religiosos, estava destinado a herdeiro absoluto dos bens paternos e a ser o homem mais representativo do concelho. Foi ele que ampliou o solar da Tróia, na pitoresca aldeola rodeada de castanheiros, de campos verdes de milho e densos feijoais, com pinheirais que sobem pela encosta e tudo fertilizado por águas fartas de regas que correm por levadas e valetas, cantantes, desde a serra, por entre pedras cheias de musgo e fiadas de juncos. Para baixo a vista corre por sobre tapete de verdura, desde os pinhais do lado da Pereira, ao verde claro da Gandara e das janelas altas do casarão poderiam ver-se as serras que escondem Miranda pelo poente e lá no alto a então pequena capela do Senhor da Serra, recortada todas as tardes, no alaranjado do pôr do sol. Vicente António, porém, não seria contemplativo; poria de lado toda a poesia do local e trataria da grandeza da sua casa ao mesmo tempo que os filhos lhe iam nascendo com regularidade. O baptismo destes era sempre festejado com aparato. Vinham á Tróia figuras gradas do concelho e de fora, como o Padre Mestre João de Faro, do colégio da Companhia de Coimbra; o Prior Pedro de Mendonça, filho do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real; o tio de Chão de Lamas, o sargento-mor José Esteves de Carvalho, etc. Da filha mais nova, Gertrudes, foi até padrinho por procuração o Bispo de Leiria D. Fr. Miguel de Bulhões. Deveriam ser festas de vulto, naquele lugarejo das faldas da serra, encastoado em verdura de arvoredos e que dariam que falar. Vicente António foi ainda juiz ordinário; dotou alguns rapazes da freguesia que se queriam ordenar; ampliou a fortuna herdada com várias compras, entre elas a do prazo da Flor da Rosa, e assim manteve sempre predomínio no concelho onde, de certo, seria a primeira figura de representação social. Por morte dos tios de Chão de Lamas, herdou o morgadio, que estes constituíram em testamento feito aos 3 de Março de 1752, validado por sentença da Provedoria em 1761-grande morgadio de que foi o ultimo representante, José de Paiva Manso Sárrea de Carvalho, que muitos mirandenses ainda conheceram com simpatia e respeito. Em 1794, com 73 anos, Vicente António de Paiva Manso fez testamento e no ano de 1799 morreu, deixando a casa a que sem exagero, se poderia chamar opulenta.



Enfim… esta é apenas uma parte da história da Tróia que, certamente, não se resume apenas à história de uma família, pois ali habitam e habitaram outras famílias que ergueram aquela aldeia e desbravaram aquelas terras nas encostas da Serra da Lousã, num tempo em que delas se extraía o sustento, apenas à força de braços, pois a agricultura era o meio maior de subsistência.

Mais artigos relacionados com a região de Coimbra estão listados em Regional Centro
Vá até à página Aldeias com História, para visitar outras aldeias pouco conhecidas.

6 comentários:

  1. Caro José Henriques, o meu nome é Jorge Santos, sou bisneto de José de Paiva Manso Sárrea de Carvalho, gostaria de ajudar a enriquecer ainda mais este seu excelente blog,que já conhecia, mas só agora ao ver este texto que em tempos coloquei no Fórum do Geneall, não resisti e confesso que já antes senti o desejo de colaborar consigo.Sou um admirador da vida e obra de Belisário Pimenta e aqui fica o meu endereço de email.Por favor contacte-me. paivamansoebelisariopimenta@gmail.com

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    1. Caro Jorge Santos:
      Agradeço imenso as suas palavras de apreço pelo blog e pela vontade de colaborar com o mesmo. Irei contacta-lo brevemente.
      Os meus cumprimentos.
      José Alexandre

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    2. Caro Amigo José Henriques
      Quarenta e três anos após a morte física de Belisário Pimenta, eis que a Câmara Municipal de Miranda do Corvo, lança um Livro Póstumo de B. P. intitulado, "Escrita dispersa". Nascido a 1879 falecido em 1969, Belisário Pimenta foi pioneiro a investigar a História de Miranda do Corvo,com muita competência e rigor. tendo-nos deixado cerca de 20 Obras, ainda muito pouco conhecidas, sobre a História deste Concelho.
      Sou apenas um admirador de Belisário Pimenta, o Homem, o Historiador, a sua Vida e a sua Obra, mas espero que o Senhor possa estar presente no Auditório da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, no próximo dia de 1 de Dezembro de 2012, pelas 15 horas, para participar dessa justa Homenagem.
      AÍ sim, poderemos falar pessoalmente, iniciarmos uma boa amizade, e se o Senhor achar útil, a minha humilde colaboração neste Seu excelente Blogue. Talvez seja entregue um exemplar do Livro a cada participante.
      Cumprimentos.
      Jorge Santos

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    3. Olá amigo Jorge Santos
      Certamente que irei estar presente no lançamento desse livro. Tenho a certeza de que essa obra será de inegável valor para quem se interessa pela nossa história local. Espero também com a leitura dessa "Escrita Dispersa" reunir material para novos posts no blog.
      Obrigado pelo contacto e lá nos encontraremos então no dia 1 de Dezembro.
      Um abraço.

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  2. Caro José Henriques No dia 1 de Dezembro, levarei comigo a Biografia e a Bibliografia de Belisário Pimenta, que terei muito gosto em lhe oferecer. Seguidamente, caso seja seu desejo, ficarão ao seu inteiro dispor, vários Livros e centenas de Crónicas Históricas sobre o nosso Concelho. Acredito que o Senhor vai reconhecer o grande valor das Obras de B.P. e através deste Seu excelente Blogue, poderá vir a ser, num futuro próximo, uma das principais referências no estudo e na divulgação das Obras deste Historiador. Nunca será tarde demais para dar a conhecer aos Mirandenses, e não só, os frutos das Pioneiras Investigações que Belisário Pimenta fez, durante largos anos, sobre a História do Concelho de Miranda do Corvo, e porque não, também de tudo o mais que Ele escreveu. Até breve. Jorge Santos

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  3. Caro José Henriques
    No próximo Domingo dia 30 de Junho 2013, ás 15 horas, vai ser lançado no Auditório da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, o Livro da autoria do Dr. Virgílio, baseado nas extensas e preciosas Memórias do Historiador Belisário Pimenta.
    Sendo o Senhor um condigno apreciador e divulgador da Obra deste historiador, aqui fica este lembrete. Espero lá nos encontrarmos. Caso o senhor já tivesse conhecimento peço-lhe desde já desculpa. Cumprimentos. Jorge Santos

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