Andores em forma de barco


A Capela de Nossa Senhora da Boa Morte de Miranda do Corvo é um importante monumento cuja história remonta ao século XVI e onde, em 1732, foi instituída a Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte.

É na Capela da Senhora da Boa Morte que se inicia a maior manifestação religiosa do concelho, a Solenidade dos Passos do Senhor, que atrai milhares de pessoas a Miranda do Corvo, para uma manifestação de grande intensidade religiosa.

Esta Capela encontra-se isolada num adro da vila. Anteriormente terá lá existido a Capela de S. Cristóvão, de que subsiste documentação provando a sua existência em 1576. Houve igualmente, à sua frente, um adro com um cruzeiro com o nome do mesmo santo. Lá se enterravam os que, sendo de fora da freguesia, nela pereciam, o que levou a que chamassem aquele adro “pátria dos peregrinos”.

No século XVIII esta era a maior Capela da vila e por esse motivo quando na igreja paroquial não era possível celebrar o culto, vinham temporariamente as funções paroquiais para S. Cristóvão. Assim em 1709, havendo necessidade de levar a cabo obras na Matriz, as missas diziam-se em S. Cristóvão. Em 1767, pensou-se em construir uma nova igreja matriz, porque a que existia estava muito arruinada. Chegou a elaborar-se um projeto de alargamento da capela de S. Cristóvão, para a sua transformação em matriz, mas a ideia não foi, porém, avante.

Em 1785, quando se demoliu a velha igreja matriz, a capela de S. Cristóvão voltou a ter funções paroquiais, até se fazer a nova matriz que atualmente existe. Estas razões da sua importância serviram até para que se retirasse do adro e das proximidades, a feira semanal que aí se fez até 1775: nesse ano a Câmara e os moradores forçaram para que fosse mudada para a praça sobranceira ao rio e, entre as alegações, aparece a da “indecência considerável” que o mercado representava para a celebração do culto na capela, especialmente nas primeira quartas-feiras do mês, em que a afluência de gente e o burburinho correspondente se contrapunham à seriedade e compostura dos actos religiosos.

A Guerra Peninsular trouxe graves consequências para a região e a capela foi queimada pelos franceses durante a 3ª Invasão. Por esse motivo esteve em obras até 1838, ano em que se fez novo compromisso com a Irmandade, por ter ardido o anterior, e se pediu aprovação régia. A construção atual pertence à segunda metade do séc. XVIII, altura em que a capela muda de patrono.

A entrada para o recinto da capela. O contorno ligeiramente arredondado dos
dos muros tem a forma de um barco.

O espaço envolvente da capela é curioso, acreditando-se que os muros envolventes relembram, intencionalmente, uma barca. Tal facto poderá estar ligado à invocação atual da capela – a Boa Morte – relegando-nos para a travessia que é necessário fazer após a morte. Episódio bastante retratado, por exemplo, no teatro vicentino (Auto da Barca do Inferno).

De facto, a configuração dos muros tem alguma semelhança com a forma de uma barca, exceptuando, talvez, a parte da frente que corresponderia à proa, que não termina em bico. No entanto segundo informações que obtive de um responsável da capela, antigamente os muros terminavam mais à frente até que foram cortados devido ao alargamento das ruas envolventes. Poderá ser essa a explicação para a forma atual da entrada para o adro que simbolicamente corresponde à “proa da barca”.

Andor de Nossa Senhora da Boa Morte, em forma de barco.

Esta configuração do espaço da capela em forma de barca, deverá estar relacionado também com o andor em que a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte é transportada nas procissões que são realizadas de dois em dois anos, no dia 15 de Agosto. O andor é em forma de barco, o que parece atestar a ligação entre a forma da construção dos muros envolventes da Capela e a crença da travessia que todos temos que fazer um dia.

Miranda do Corvo não tem qualquer ligação ao mar e por esse motivo ver a imagem de Nossa Senhora deitada num barco teria forçosamente de ter uma explicação, parecendo-nos ser esta a mais lógica e que é aliás a explicação contida num folheto editado pela Câmara Municipal.

Existem muitas imagens de Santos que, nas procissões, são transportados em
andores em forma de barco. Um deles é o Apóstolo e primeiro bispo de Roma:
Pedro.  Na imagem o andor de S. Pedro na procissão da Afurada/Vila Nova de Gaia
Foto: Blog "Depois de um dia".

Não é incomum o transporte em procissões de santos em andores em forma de barco, mas tem quase sempre a ver com populações de pescadores ou também com imagens de Santos intimamente ligados ao mar. Por isso a Capela de Nossa Senhora da Boa Morte, com a sua forma envolvente em forma de barco e o andor que tem a mesma forma é sem dúvida muito original e pode causar alguma admiração a quem não conheça a história da Capela.

Fonte consultada:
Folheto da Câmara Municipal  sobre a história da Capela de N. S. da Boa Morte. 

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