Entretanto, os terrenos continuam saturados de água, o que está a atrasar alguns trabalhos no campo, principalmente a sementeira de batatas temporãs. Seja como for, daqui a algum tempo será necessário iniciar o período de regas e, para isso, tirar da hibernação as bombas eléctricas ou de combustão, ou seja, os nossos motores de rega, que são agora os instrumentos mais utilizados para esse fim.
Mas não foi sempre assim. Nos meus tempos de miúdo, embora já existissem, era muito raro alguém possuir um aparelho desses. Os agricultores mais pobres utilizavam com frequência um instrumento rudimentar que na zona onde vivo era conhecido como “gaivota, mas que também tinha os nomes de cegonha, picota, burra, balança e outros, conforme as regiões onde era utilizado. Este aparelho era constituído por um tronco enterrado no solo, tendo no cimo uma forquilha que por vezes era feita pela própria bifurcação das pernadas de uma árvore. Nesta forquilha colocava-se um pau com cerca de cinco ou seis metros de comprimento que se movia num eixo colocado nas duas hastes da forquilha e que tinha numa extremidade um contrapeso que, normalmente, era uma pedra. No outro extremo do pau era pendurada, na vertical, uma vara fina que tinha na ponta inferior um gancho onde se enfiava a asa do balde. O contrapeso servia para ajudar a subir o balde cheio de água, mas para o fazer descer tornava-se um obstáculo, pelo que o seu peso tinha de ser regulado de modo a que tanto a subida como a descida do balde fosse feita com o menor esforço possível.
A água era despejada num tabuleiro de madeira de onde saía directamente para o rego, sendo depois encaminhada para as culturas, efectuando-se a rega por gravidade, mais conhecida na zona por “rega de pé”. Claro que, atendendo às condições difíceis em que a elevação era efectuada, o rego transportava um volume muito reduzido de água, o que apenas permitia a irrigação de pequenas hortas.
A origem e antiguidade deste instrumento perdem-se nas brumas do tempo, sabendo-se que existiu já no Antigo Egipto, portanto há alguns milhares de anos, tendo-se difundido um pouco por toda a Europa e também no Extremo Oriente. Penso que ainda é utilizada no nosso país para elevar pequenas quantidades de água, vendo-se por aí muitas a servir de adorno rústico em quintais e diversas propriedades rurais.
Outro sistema muito utilizado por aqui, mas em grande parte apenas por agricultores mais abastados, era o engenho ou nora de alcatruzes. Esta tecnologia de elevação de água pensa-se que terá sido introduzida na Península Ibérica pelos árabes, há muitas centenas de anos.
Este engenho, localizado na Quinta da Paiva, foi restaurado e encontra-se em pleno estado de funcionamento. |
Do ponto mais alto do sistema saía uma trave de madeira que na ponta formava a canga, sendo esta engatada ao cachaço do animal (como nos carros de bois) e este girava à volta do poço fazendo rodar a roda horizontal, sendo essas rotações eram transmitidas à roda vertical através de uma engrenagem dentada. Nesta roda estava pendurada a corrente de alcatruzes que, como é lógico, era de diâmetro variável, de acordo com a profundidade do poço. Os alcatruzes desciam de boca para baixo, mergulhavam e subiam cheios de água.
Neste poço, pouco profundo, vê-se a cadeia de alcatruzes. |
Os animais quando trabalhavam na nora costumavam ter os olhos vendados para evitar que se desorientassem, sendo esse risco real, pois muitas vezes andavam à volta do poço sem ninguém a guiá-los e assisti uma vez a um caso desses, em que um boi começou a correr desenfreadamente, tendo provocado danos graves na nora.
Outro tipo de engenho |
Também existiam engenhos deste tipo construídos em madeira, como este das fotografias seguintes que se encontra em exposição na Quinta da Paiva e, como pude constatar, ele é quase totalmente feito em madeira à excepção da cadeia de alcatruzes. Foi construído em 1936 e denota um notável trabalho artesanal.
Engenho de madeira |
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