PRECONCEITOS E ESTEREÓTIPOS

O Referencial de Competências-Chave de nível secundário, na área de Cidadania e Profissionalidade – Unidade de Competência 3 – Reflexividade e Pensamento Crítico, tem como Tema “Questionar e desconstruir preconceitos próprios e estereótipos sociais”. Perante estes “palavrões” que são, aliás, uma constante do Referencial em quase todos os Domínios de Referência, não admira que os alunos, ou os adultos como são designados todos aqueles que enveredam pelo caminho do reconhecimento, validação e certificação de competências, sintam inicialmente o Processo como um autêntico quebra cabeças e, provavelmente, feito a pensar em mentes sobredotadas e não para simples mortais que aprenderam na vivência pratica do dia-a-dia, ou como se costuma dizer na “Escola da Vida”, muito mais do que aquilo que é possível ser ensinado através de mera teoria em qualquer outra escola.

Antes de abordar mais profundamente este tema importa fazer aqui a distinção entre preconceito e estereótipo, que embora estejam intimamente ligados, têm no entanto alguma diferença:

O preconceito é uma opinião ou conceito formado antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos factos.

O estereótipo é uma opinião pronta, uma idéia ou expressão muito utilizada, um conjunto de características presumidamente partilhadas por todos os membros de uma categoria social.

Nunca me tinha preocupado com tal coisa antes de chegar a esta fase do Processo RVCC e, embora conhecesse o significado de preconceito e estereótipo, não era algo que estivesse muito presente na minha e julgo que também na mente da maioria das pessoas. Não gosto de fazer juízo de valores de ninguém, não me julgando a mim próprio de preconceituoso, mas tenho os meus defeitos como toda a gente e não posso dizer que nunca o tenha sido e como tinha que abordar esse tema, falei daquilo que sabia e de que tinha alguma experiência ou conhecimento. Creio que a maioria das pessoas ao falar de preconceito se quer referir, na sua grande maioria, a preconceitos sobre raças, costumes ou religiões. Mas a verdade é que podem existir preconceitos sobre as mais variadas coisas e não terão que ser forçosamente preconceitos ou estereótipos negativos, pois muitas vezes produzimos pensamentos sobre determinadas coisas ou pessoas que são positivos e podem ultrapassar o pré e chegarem a ser mesmo a certeza sobre uma realidade.

No meu PRA falei sobre uma história que se passou há mais de três décadas na minha terra, quando algumas famílias de ciganos se encontravam acampadas num terreno junto à estrada e em que um automobilista atropelou uma criança cigana, o que originou uma autentica revolta desta gente e fez acorrer ao local algumas tribos de ciganos, tendo havido uma tentativa de linchamento do condutor que atropelou a criança, que só não se consumou devido à interferência das autoridades, que tiveram de pedir um reforço policial, tendo acorrido militares de dois concelhos vizinhos. O automobilista, que residia numa povoação das redondezas teve, a partir dessa altura, de andar na rua disfarçado para não ser reconhecido pelos ciganos, apesar, segundo o que me foi contado, pois não estava presente, de não ter tido qualquer culpa no acidente, pois não teve possibilidade de o evitar, dadas as circunstâncias em que ocorreu. Este acontecimento ficou na história do lugar, sendo ainda hoje comentado por aqui, o que reforça o sentimento de preconceito negativo em relação aos ciganos, que neste caso se pode considerar como um estereótipo, o que não quer dizer que não seja uma ideia errada, quando considerada de modo global em relação a uma raça, pois o preconceito formado sobre uma comunidade, seja ela qual for nunca é certo em relação à totalidade dos visados.

Mas como as ideias preconcebidas em relação a algumas raças é bastante vulgar, num grande número de pessoas, optei por falar também de um preconceito que não sendo tão corrente ou tão conhecido faz, infelizmente, parte da mentalidade de algumas pessoas.

Refiro-me aos trabalhadores da construção civil, porque foi uma área de trabalho que me ocupou durante alguns anos e de algum modo ter sentido que esse sentimento existia, de forma negativa, mas por um muito reduzido número de pessoas. Aliás, nesta profissão senti o preconceito de forma negativa mas também positiva. O preconceito negativo era possivelmente devido ao facto de sermos erradamente considerados incultos, sentimento que nós próprios alimentávamos devido ao nosso vocabulário excessivo e a “bocas” que mandávamos dos prédios em construção, para os transeuntes, principalmente do sexo feminino, que passavam nas ruas.

Creio que, actualmente, esse preconceito negativo já não existe e os trabalhadores da construção civil são admirados por muitas pessoas, devido ao trabalho difícil que executam, que em alguns casos exige conhecimentos a vários níveis e também por ser um trabalho que envolve riscos vários e exige grande esforço físico.

Um outro aspecto que pode influenciar negativamente a opinião de algumas pessoas em relação não só aos trabalhadores da construção civil, mas também a outras profissões, é devido à aparência (vestuário sujo, barba por fazer, etc.) que não tem qualquer razão de ser mas a verdade é que existe a tendência para a formação de conceitos positivos sobre os indivíduos que andam sempre bem vestidos, sem se levar em conta as características do trabalho que cada um exerce. Costuma-se dizer que a “albarda é que enfeita o burro”, mas essa albarda pode induzir as pessoas em erro. Estou a lembrar-me, por exemplo, daqueles “artistas” que se entretêm a enganar os idosos com o “conto do vigário”. É essa albarda que nesses casos vai fazer com que surja nas mentes das vítimas um rápido preconceito positivo sobre essas pessoas, que as pode levar a acreditar numa qualquer história contada por um desconhecido.

Os preconceitos são como as cerejas e de repente veio-me à ideia que a origem da minha inspiração para falar sobre preconceitos, o RVCC e as Novas Oportunidades, está também a ser alvo de ideias pré concebidas, por parte de muita gente, que acha que este programa existe apenas para fazer baixar a taxa de analfabetismo e que não acreditam que as pessoas que ali obtêm os certificados correspondentes aos diversos ciclos de ensino, o mereçam efectivamente.

Algumas notícias sobre fraudes surgidas em órgãos de comunicação, vieram reforçar esse sentimento negativo, e é frequente ouvir comentários depreciativos sobre esse modelo de certificação de competências.

Esse preconceito é devido a uma ideia de facilitismo que se incutiu na mente de muita gente e pode ser um assunto polémico devido à complexidade do Referencial e à capacidade que cada um terá para o descodificar, levando a cabo com êxito o Portefólio, sendo também a possível interferência de terceiros na sua elaboração motivo de desconfiança.

Mas, analisando o programa à luz da sua pureza: o reconhecimento de competências adquiridas ao longo dos percursos de vida dos adultos, é evidente que se todos os pressupostos forem cumpridos, havendo seriedade nas partes envolvidas, a validação e certificação ocorrerá de modo natural, não existindo assim razão para a existência de preconceitos negativos em relação ao Processo.

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