Pensava que já sabia muito sobre gaivotas. Afinal, já tinha elevado água para rega com um engenho desses e, para mim, tratava-se apenas de um instrumento rudimentar, ou seja, uma engenhoca tosca que permitia, através do balanço de uma vara apoiada num poste de madeira, cravado no solo, tirar água de um poço, rio ou ribeiro, mergulhando aí um balde, mas não sem que outras águas brotassem da fronte do manobrador do engenho, devido ao esforço dispendido e à rapidez com que era preciso operar, para se tirar algum rendimento do sistema.
Pensava também que já não existiam grandes vestígios desses instrumentos, há muito tempo desactualizados e preteridos, exceptuando alguns que se encontram por aí, em quintais, quase sempre apenas com uma finalidade decorativa.
Num artigo anterior deste blogue (Gaivotas e Noras de Alcatruzes) descrevi assim as gaivotas:
Os agricultores mais pobres utilizavam com frequência um instrumento rudimentar que, na zona onde vivo, era conhecido como “gaivota, mas que também tinha os nomes de cegonha, picota, burra, balança e outros, conforme as regiões onde era utilizado. Este aparelho era constituído por um tronco enterrado no solo, tendo no cimo uma forquilha que, por vezes, era feita pela própria bifurcação das pernadas de uma árvore. Nesta forquilha colocava-se um pau com cerca de cinco ou seis metros de comprimento que se movia num eixo colocado nas duas hastes da forquilha e que tinha numa extremidade um contrapeso que, normalmente, era uma pedra. No outro extremo do pau era pendurada, na vertical, uma vara fina que tinha na ponta inferior um gancho onde se enfiava a asa do balde. O contrapeso servia para ajudar a subir o balde cheio de água, mas para o fazer descer tornava-se um obstáculo, pelo que o seu peso tinha de ser regulado de modo a que tanto a subida como a descida do balde fosse feita com o menor esforço possível.
A água era despejada num tabuleiro de madeira de onde saía directamente para o rego, sendo depois encaminhada para as culturas, efectuando-se a rega por gravidade, mais conhecida na zona por “rega de pé”. Claro que, atendendo às condições difíceis em que a elevação era efectuada, o rego transportava um volume muito reduzido de água, o que apenas permitia a irrigação de pequenas hortas.
Mas isso foi antes de conhecer as gaivotas da zona de Ansião. Afinal, aquele instrumento arcaico serviu ali para regar muitas terras de cultivo. Não é que fossem menos toscas ou com tecnologia muito mais avançada do que as que eu conheci na minha zona, há quatro décadas atrás, mas foram sim, em muito maior número, e construídas de forma a perdurarem no tempo pois ainda por ali se encontram, às centenas, não em condições de funcionamento, claro, mas sim semi-destruídas, abandonadas, mutiladas…Estão junto aos poços e, nalguns casos, têm por companhia pequenas casotas onde foram instalados motores de rega eléctricos.
Os postes destas gaivotas, cravados na terra, são aqui, na sua maioria, colunas de pedra de calcário, mas também os há de betão, (poucos de madeira) o que justifica a sua permanência nos campos, tais pelourinhos históricos, lembrando um passado não muito distante, em que o esforço do homem era o símbolo da luta pela sobrevivência; um conjunto de água, suor e lágrimas, que fertilizava os campos de onde se retirava o maior sustento.
Algumas destas colunas de calcário ainda ostentam no cimo o eixo onde trabalhava a vara (que passo a designar por balanceiro), poucas o próprio balanceiro e ainda menos as que se encontram completas. Algumas tinham uma travessa apoiada no topo da coluna e amparada por duas escoras diagonais, que servia para o funcionamento de dois balanceiros, o que indica, claramente, que eram gaivotas de funcionamento duplo, permitindo que fossem manobradas por duas pessoas ao mesmo tempo, o que aumentava o rendimento do trabalho, graças à maior quantidade de água que era despejada na pia ou tabuleiro de rega e que seria essencial para fazer a chamada “rega de pé.”
Alguns destes sistemas foram construídos numa base de continuidade no tempo e não de forma provisória como acontecia com a maior parte das gaivotas noutras zonas do país em que esses instrumentos eram feitos para ir remediando, portanto de forma mais provisória e menos elaborada, totalmente em madeira, não me lembro de nenhuma que tivesse o poste em pedra ou cimento, que fez com que delas já nada reste.
As gaivotas de Ansião tinham, para além do poste vertical, uma pia também construída em pedra, elevada, da qual partia um canal também de pedra que seguia inclinado até atingir o rego onde depois se distribuía a água pelas culturas.
Ainda é possível encontrar gaivotas destas, completas, como a da foto ao lado, mas o avançado estado de decomposição das peças de madeira parece indicar que já que está parada há muito tempo e não oferece as necessárias condições de segurança para poder funcionar.
Mas a seguinte foi toda construída em madeira nova e essa, sim, deve com toda a certeza poder funcionar, mas certamente estará ali mais como adorno, ou talvez não…
Uma das coisas que desconhecia era a existência de gaivotas duplas. Ainda não tinha visto nenhuma, mas, pensando melhor, até poderiam ter sido construídas para que três ou mais pessoas trabalhassem em simultâneo, bastando para isso que em vez de um fossem colocados dois postes verticais com um tronco apoiado nos mesmos, em posição horizontal, onde se aplicariam as peças para o funcionamento dos balanceiros. Não sei se existem ou existiram gaivotas desse género, talvez não, visto este ser um engenho mais conhecido como de uso individual, mas noutros tempos em que todos os trabalhos exigiam a força do braço humano, quem sabe? …
Outros artigos relacionados com a região estão listados em Regional Centro.
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Oi J. Alexandre!
ResponderEliminare eu achando que Gaivota era só um passarinho...ahahah , nunca tinha ouvido falar dessa 'engenhoca' e fiquei impressionada. Como eu sou bicho da cidade , não conhecia ...
por certo a gente tem mania de subestimar coisas assim e, por vezes são as que mais resultado trazem!
Interessante!
beijinho para voce meu amigo!