O MOVIMENTO NACIONAL FEMININO

Hospital da Marinha.
No meu percurso militar estive internado, durante algumas semanas, no Hospital Militar de Coimbra e no Hospital da Marinha. Foi neste último que tive contacto com as senhoras do Movimento Nacional Feminino que ali iam visitar os doentes e ofereciam pequenas prendas, como livros e tabaco. Ainda guardo, desse tempo, um livro e um porta-chaves dourado, decorado com uma pequena caravela que elas me ofereceram.

Não me cabe a mim estar a fazer considerações sobre aquele Instituição, nem a contar a sua história, pois esta já está exposta na Internet e eu apenas quero falar do que sei e copiar o menos possível dos outros. A verdade é que o Movimento Nacional Feminino era uma organização ligada ao anterior regime e, por isso mesmo, hoje, a sua acção no passado pode ter várias interpretações, não necessariamente condizentes. No que me diz respeito, não estive no Hospital por ser um ferido de guerra, muito longe disso, pois o motivo do meu internamento foi devido a um acidente que nem sequer foi em serviço, pois aconteceu quando me encontrava em casa de licença e, não obstante isso, as senhoras tinham para mim as mesmas atenções que para os outros internados, alguns com graves problemas, como um marinheiro fuzileiro que se encontrava na mesma enfermaria e a quem tinham sido amputadas as duas pernas. Eu até fiquei muito surpreendido quando, pela primeira vez, as senhoras me abordaram querendo saber do meu estado, muito amáveis e a oferecerem pequenas lembranças, pois eu tinha sido transferido do Hospital Militar de Coimbra e aí, que eu me lembre, nunca ninguém, excepto familiares, se preocupou comigo.

Cecília Supico Pinto, o rosto do M.N.F.
Um livro da autoria de Sílvia Espirito
 Santo, publicado em 2008.


Qualquer doente que esteja internado num hospital gosta de receber visitas e eu, no passado domingo, pude constatar isso quando fui visitar alguns doentes aos Hospitais da Universidade de Coimbra que me manifestaram o seu contentamento pela visita, que era bem visível nos seus rostos. Foi a sua alegria que me fez recordar aqueles tempos a as visitas das senhoras do Movimento Nacional Feminino.

O Movimento tinha fortes ligações ao regime de Salazar, mas não creio que o seu apoio aos militares significasse que desejavam a sua participação na guerra. E, de resto, acho que tudo poderia ter sido diferente se o grupo de senhoras que se dirigiu a Salazar para que este apoiasse o Movimento, lhe tivesse pedido para não enviar soldados para o Ultramar e, se a sua resposta fosse como se poderia adivinhar, negativa, elas retorquissem: - Já que não quer ou não pode acabar com a guerra ao menos deixe-nos formar uma organização para apoiar os soldados e tentar minorar o seu sofrimento.

Não foi isso que aconteceu, certamente, mas se tivesse sido, possivelmente figurariam hoje na história de outro modo, admiradas por todos e sem azedume de ninguém.

Recordo-me das suas visitas frequentes e de fazerem muitas perguntas, talvez parecessem um pouco metediças, se me é permitida esta expressão, mas quero crer que isso se devia apenas à curiosidade, que é muitas vezes uma característica própria do sexo feminino. Hoje, pelo que tenho lido, há uma tendência para as comparar às senhoras do "Jet Set" actual, mas na verdade não concordo muito com isso, pois não me parece que as senhoras que fazem ou querem fazer parte desse dito "Jet Set" se dediquem a uma causa, como o faziam as senhoras do M.N.F. e, além disso, esta Organização chegou a congregar 82000 senhoras que não seriam, certamente, todas de classe social alta.

Uma das grandes iniciativas do Movimento, começou logo passado pouco mais de um mês após a sua formação, no sentido da concessão de isenção de franquia postal que foi concretizada com a publicação da Portaria 18545, de 23 de Junho de 1961. Foi assim que surgiram os aerogramas militares editados pela Instituição. Também conhecidos por bate-estradas foram, talvez, o meio de comunicação mais importante entre os militares e as suas famílias e, eu próprio, os utilizei para comunicar com amigos e principalmente com um irmão que esteve a cumprir serviço militar em Angola, já depois da revolução de Abril.

Um aerograma alusivo ao Natal.
Outra forma de comunicação ligada ao Movimento foram as célebres mensagens de Natal e Ano Novo que eram transmitidas pela televisão. Naquele tempo a maior parte das famílias ainda não tinha televisor, mas recordo-me do café da minha aldeia se encher de pessoas para ver e ouvir os soldados. Alguns devido ao seu nervosismo trocavam as prosperidades para o novo ano por “propriedades” o que fazia sorrir os espectadores. Enfim, aqueles momentos eram como que um pequeno oásis no meio do drama.

As madrinhas de guerra surgiram também pela mão do Movimento Nacional Feminino e tinham por missão trocar correspondência e dar apoio aos soldados. Muitas acabaram por ser mais do que isso e tornaram-se namoradas dos afilhados ou até esposas. Ouvia-se falar muito delas nos tempos da guerra e ainda hoje são recordadas com ternura por antigos combatentes.

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4 comentários:

  1. Boa tarde Amigo José Alexandre
    Mais uma vez lhe dou os parabéns por mais uma postagem de grande interesse e que muito diz a todos aqueles que de uma forma ou de outra foram tocados por essa prestimosa Organização.
    Malgrado a incompreensão de uns e a maldicencia de outros tantos, o que é certo é que só compreendeu o trabalho do Movimento Nacional Feminino, os que de perto com ele conviveram.
    Pouco mais haverá a dizer em abono do MNF, pois o meu Amigo já disse tudo.
    Apenas me resta acrescentar uma curta história que servirá de achega ao que foi dito e apenas prova a abnegação e espírito de servir de que foram imbuídas tão nobres Senhoras.
    Corria o ano de 1965, quando na minha terra uma Senhora, casualmente amiga da família, e a quem me habituei a venerar desde criança pelas suas qualidades de ajuda ao próximo e á qual pessoalmente muito fiquei a dever, pese embora já ter partido deste mundo.
    Dizia eu que, a referida Senhora Presidente da Delegação do MNF de Santarém, teve a brilhante e inédita ideia de, sózinha, ir pelas aldeias do Distrito com um gravador de bobines, recolher o som de famílias de militares em África.
    Recolheu mensagens e vozes de Mães, filhos, mulheres e noivas,catalogou tudo e depois de ter consigo um considerável volume, solicita autorização para ir aos locais mais reconditos em África, e aí ligar o gravador e fazer ouvir junto de cada militar a mensagem que lhe era destinada.
    Escusado será dizer que foi negado inicialmente. Mas a sua persistencia nunca a fez desistir, e conseguiu, e ela própria segue com as colunas militares ás zonas de guerra, munida do seu equipamento e cumpre a missão a que se comprometeu por iniciativa própria.
    Agora é só imaginar o efeito que isso teve junto dos que em África lutavam e sofriam.
    Surpreendeu tudo e todos, sem temor, revelando uma coragem que duvidamos que o referido JetSet que o amigo refere fosse capaz de tal proeza.
    Essa Senhora chamava-se D.Maria Estefânia Anachoreta, e foi tema de Reportagem há uns anos na TV, a quem interessar poderá pesquisar na Net e surprender-se-á.
    Afinal o MNF não foi sómente a caridadezinha do chá e do bordado, foi também altruísmo.
    Um grande abraço para si
    Camilo

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  2. Caro amigo Camilo:
    Já fui pesquisar sobre D. Maria Estefânia Anachoreta e devo dizer-lhe que quase me comovi com esse feito brilhante de ir a Angola levar aos soldados mensagens gravadas dos seus familiares. E, pelo que li, queria também ir à Guiné com a mesma missão, mas não lhe foi permitido. Mulher corajosa e desprendida que bem merece ser recordada e ter um lugar de honra na história do país no século XX.
    O meu amigo teve o privilégio de a conhecer pessoalmente, coisa que eu não tive nem poderei vir a ter porque ela, infelizmente, já faleceu, no entanto, esteja onde estiver será sempre recordada e admirada, também por mim, pela sua coragem e grandiosidade de carácter.
    Muito obrigado por mais esta excelente participação no blogue.
    Um grande abraço também para si.
    José Alexandre

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  3. Soube hoje, por mero acaso, quando efectuava pesquisas na Net, que Dª Cecília Supico Pinto, uma das criadoras e presidente do Movimento Nacional Feminino, faleceu no passado dia 25 de Maio de 2011.
    Acompanho diáriamente diversos noticiários da rádio e também tele-jornais, não me lembrando, contudo, de ter ouvido falar deste acontecimento. Talvez tenha sido distracção minha ou então não foi dado o devido valor a esta senhora que, regimes políticos à parte, desenvolveu uma missão importante no apoio aos nossos soldados, que lutaram na guerra colonial.
    Apesar de não ter sido um combatente, estive em contacto com senhoras do MNF, de quem guardo uma óptima recordação, conforme relatei no post.
    Paz à sua alma.

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  4. Sem os tradicionais aerogramas, a comunicação com as namoradas e familiares - que era o nosso maior consolo - seria muito mais difícil.
    Alguém sabe onde obter um (aerograma) virgem?
    Homenageio, aqui e agora, as senhoras do MNF
    I.S. Machado.

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