Rescisões por mútuo acordo - história de uma

Rescisões de contratos de trabalho por mútuo acordo ou rescisões amigáveis, são situações em que as empresas procuram resolver os seus problemas, muitas vezes criados pela sua própria gestão e que propõem essas rescisões sempre com prejuízo dos trabalhadores e, por vezes, com recurso à pressão psicológica.
Durante o meu percurso profissional vivi uma dessas situações, numa empresa que tinha sido fundada para se dedicar à construção de blocos de apartamentos para habitação. Quando fui admitido nessa empresa, ela tinha dado, recentemente, início à construção de um prédio de quatro andares e dezasseis apartamentos, que era o primeiro de uma série de oito prédios previstos para uma urbanização localizada em Miranda do Corvo.
Estávamos em finais dos anos 80, numa altura em que se faziam grandes investimentos na construção de apartamentos. A autarquia procurava atrair pessoas para se fixarem na vila e emitia slogans publicitários, procurando dar imagem de uma boa qualidade de vida às famílias que viessem viver para Miranda. O tão badalado Metro Mondego, foi muito aproveitado nessa publicidade; falava-se dele como se tratasse de algo que em poucos meses estaria ao serviço da população. Passados mais de vinte anos, continuamos sem Metro não se sabendo como essa autêntica novela irá acabar, uma vez que a linha entrou em obras para implementação do novo transporte, mas, entretanto, descobriu-se que não existe dinheiro para a sua continuação e a solução, por enquanto, passa por viajar de autocarro, não se sabendo quando nem como o serviço ferroviário será reatado.
De facto, a perspectiva do metropolitano de superfície que viria trazer uma melhoria muito significativa na qualidade do transporte ferroviário na linha da Lousã, aliada aos baixos preços dos apartamentos, comparativamente com os praticados em Coimbra, provocou um afluxo de famílias a Miranda do Corvo que aqui compraram a sua habitação, apesar de terem o seu posto de trabalho em Coimbra e zonas limítrofes. Chegou a temer-se que a vila se transformasse num dormitório de Coimbra, devido ao grande volume de prédios que se construíam nessa altura, sem grandes preocupações urbanísticas e com uma arquitectura de cariz bastante duvidoso.
 De há alguns anos para cá, talvez a partir do momento em que um 1º. Ministro de Portugal, descobriu que o país estava de “tanga”, o ritmo de construção abrandou, alguns dos novos habitantes ter-se-ão cansado de esperar pelo Metro e debandaram para outras paragens, estando, por isso, muitos apartamentos usados e também novos à espera de compradores que tardam em aparecer.
Durante os primeiros três ou quatro anos correu tudo muito bem; os apartamentos foram-se vendendo e só naquela urbanização a empresa tinha trabalho para cerca de uma dezena de anos e já tinha projectos para construção noutros locais. Porém, a partir de determinada altura as coisas começaram a complicar-se, não pela parte da equipa de trabalho, mas sim pelos gestores da empresa que se começaram a desentender, provocando a retirada de muitos accionistas. Os trabalhadores também começaram a debandar. A equipa de cerca de dez pessoas que incluía um engenheiro, em pouco tempo ficou reduzida a metade, numa altura em que estava em construção o prédio mais alto da urbanização, com seis andares. Naquele momento eu era o trabalhador, com a categoria de pedreiro, mais antigo da empresa e fui, por acordo tácito, quem ficou a chefiar a equipa e a dirigir os trabalhos, numa altura em que o engenheiro também já tinha saído. Estávamos já na construção do quinto piso, no entanto, o sexto e último era o mais complicado de executar, pois comportava a cobertura do edifício, que naquele caso não era composta por telhado mas sim em forma de terraço com platibandas. Como não havia engenheiro e os gerentes nada percebiam de construção, tive de dedicar especial atenção às plantas e planos da obra para que nada falhasse. A cobertura do edifício foi concluída sem problemas de maior.
 As dificuldades, na altura da construção dos dois últimos andares, prendiam-se com o facto da equipa de trabalho estar reduzida a seis pessoas e sem a presença de um técnico qualificado. Neste contexto de incerteza e com o “barco” a começar a derivar, havia necessidade de tomar decisões de imediato, uma vez que não existia liderança por parte da gestão da empresa, estando esta, provavelmente, à espera de um abandono dos seus restantes trabalhadores, o que lhe evitaria o pagamento de rescisões abonadas.
Foi uma fase muito difícil da minha vida profissional, pois tínhamos pela frente um futuro completamente incerto e eu estava a assumir a responsabilidade da continuação dos trabalhos sem qualquer apoio superior, pois naquela altura os dirigentes da empresa eram figuras completamente ausentes. E esta construção era de dimensão bastante significativa, pois tratava-se, como já disse, de um prédio de seis andares, com dezoito apartamentos, com lojas para comércio no rés-do-chão e garagens na cave.
Após a conclusão da cobertura do edifício, como continuávamos sem qualquer orientação por parte da entidade patronal, continuando a incerteza do nosso futuro, mais três trabalhadores abandonaram a empresa ficando a equipa reduzida a metade e, passados alguns dias, um outro adoeceu tendo ficado com baixa médica, do que resultou ficarmos apenas eu e um servente a trabalhar.
A partir desta altura a direcção da empresa resolveu entregar o trabalho a um empreiteiro e, apesar de nunca nos terem afirmado isso claramente, sabíamos que a intenção da gerência era, essa sim, bem clara: Queriam que nos auto-despedissemos, para não nos terem de pagar nenhum tipo de indemnização, passando a trabalhar para o empreiteiro. Nesse momento éramos apenas três, todos trabalhadores efectivos da sociedade e não concordámos com o que nos era proposto de forma tão pouco clara, mas que, no fundo, era uma passagem de efectividade no serviço para contrato de trabalho temporário e com redução de ordenado. Sabíamos que era uma medida ilícita e recusámos tendo existido então um “braço de ferro” entre nós e a gerência da sociedade, o que fez com que estivéssemos quase um mês em completa inactividade no estaleiro das obras.
A empresa pagou todo esse tempo de inactividade, no entanto o facto de não nos ser atribuído qualquer trabalho era uma forma de pressão psicológica para forçar o despedimento, pressão que atingiu um índice elevado quando, um dia, um dos gerentes chegou junto a nós dizendo que nos pagava o salário, mas que tínhamos que permanecer na rua, junto aos prédios.
Não acatámos essa “ordem” e continuamos no estaleiro até que finalmente nos abordaram para negociar a nossa saída da empresa. Essas negociações levaram a que tivesse existido despedimento por mútuo acordo, devido à extinção do posto de trabalho.
Foi aqui que tivemos de utilizar argumentação forte e assertiva no sentido de fazer valer os nossos direitos, pois a empresa queria pagar uma indemnização que ficava muito aquém do pagamento de 30 dias por cada ano de trabalho, como está previsto na lei (por enquanto). Não recebemos a totalidade da indemnização, mas perante a pressão existente, foi um desfecho que se pode considerar o menos mau, tendo sido uma luta que valeu a pena, até porque aquela situação fora criada, não pela extinção dos postos de trabalho, mas por uma alteração da orientação da empresa que não foi capaz, ou não quis, continuar a gerir os seus próprios trabalhadores e que denotou alguma falta de seriedade em todo o processo.
Este artigo foi extraído do meu Portefólio Reflexivo de Aprendizagem, com adaptações.

2 comentários:

  1. Boa noite Amigo José Alexandre
    O meu Amigo tem histórias de vida que faz favor...
    A situação que relata sobre a construção desenfreada na sua zona, pelo que vejo, estendeu-se a todo o país, pois aqui onde resido, passaram-se situações idênticas.
    Se em Miranda a cereja no cimo do bolo era o Metro, aqui foram empreendimentos megalómanos, prometidos e que nunca se fizeram que acabou por culminar com o prometido aeroporto da Ota, que deu naquilo que se sabe.
    Tudo isto de deveu a uma geração de políticos oportunistas, corruptos e mentirosos cujos exemplos se estenderam á arraia miuda, e pelo que pelo que se vislumbra, a saga promete continuar agora de uma forma mais subtil.
    Relativamente ás rescisões por mútuo acordo, ou ditas amigáveis, sei bem o que isso significava.
    Talvez não saiba, mas eu fui Administrativo na Segurança Social até me aposentar, e a minha área era Prestações de Desemprego.
    Tive em mãos processos de rescisão por mutuo acordo que deram água pela barba.Quando os trabalhadores se apercebiam do que tinham assinado...já era tarde.
    A solução para casos como o amigo Alexandre relata, sobre a pressão psicológica exercida pelo patronato, passará sempre pelo Tribunal de Trabalho.
    Em casos identicos, aconselho a lerem muito bem qualquer documento antes de o assinarem.
    Na dúvida esclareçam-se sempre junto da Segurança Social, Centro de Emprego ou Tribunal de Trabalho. No meu tempo era assim...mas como agora tudo mudou.
    Um abraço
    Camilo

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  2. Olá amigo Camilo,
    Não é por acaso que alguns órgãos de comunicação social quando se referiram às rescisões amigáveis que irão ocorrer na Função Pública escreveram “amigáveis”. Na maioria dos casos essas rescisões são forçadas pelas entidades patronais que colocam os trabalhadores entre a espada e a parede. Tenho ouvido falar de casos em que os trabalhadores não aceitaram assinar esse tipo de rescisões e depois o resultado foi ficarem sujeitos a uma tal pressão psicológica que acabaram por sair com as mãos a abanar.
    Cada caso é um caso, mas é bom que os trabalhadores, incluindo os da Função Pública, estejam alerta para estas situações e, como o amigo Camilo diz, é bom que se informem muito bem das coisas antes de assinarem essas tais rescisões “amigáveis”.
    Um abraço.
    José Alexandre

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