MOINHOS DE VENTO EM LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

Relato de uma passagem de Miguel Torga pela região do Rabaçal:


“O esqueleto de um moinho de vento a entristecer ainda mais esta paisagem desolada de paredes ressoantes, olivais mirrados e carrasqueiras agressivas. As rodas de pedra em que assentava todo o engenho, que assim podia ser adaptado a qualquer aragem, o ciclópico vigamento de carvalho que as unia, e as duas mós, suspensas no vazio, coladas uma à outra como maxilas defuntas. As velas voaram, o grão deixou de cair da moega, a fome mudou de rumo e da fábrica alada ficou apenas, à margem da estrada da vida, uma caricatura espectral. E é junto dela que penso noutros moinhos, que em vez do pão do corpo moeram pão do espírito, e de que só restam também carcaças semelhantes. Moinhos que, como este, tiveram destino, mas não tiveram futuro.”

Rabaçal, 4 de Março de 1973.  Miguel Torga Diário XI.


Este relato de Miguel Torga sobre a região do Rabaçal poderia, se excluíssemos, a paisagem desolada os olivais mirrados e as carrasqueiras agressivas, dirigi-lo também aos moinhos de vento das Corujeiras, freguesia de Abiúl, concelho de Pombal. Só que aqui em vez de um são dois esqueletos, que tentam manter-se de pé, teimosamente. Outros houve que não aguentaram a longa espera por dias melhores e sucumbiram, dominados pelas agruras do tempo.

No monte das Corujeiras funcionaram dois modelos de moinhos; os moinhos de madeira que funcionavam do seguinte modo: a sua estrutura tinha duas rodas de pedra e girava em volta de um eixo cravado no solo. Rodava sobre um círculo também construído em pedra, podendo assim as suas quatro velas triangulares receberem o vento de frente, fazendo rodar o seu eixo horizontal. Essa rotação era transmitida por engrenagens às mós fazendo triturar os cereais, transformando-os em farinha. Este modelo de moinho teve uma larga implementação em vários concelhos da região centro, onde muitos se encontram ainda, a maioria apenas como forma de preservar a tradição e atração turística, podendo funcionar ocasionalmente.


Nas Corujeiras encontram-se vestígios de um destes moinhos e vestígios bem visíveis. A sua estrutura não aguentou as inclemências do tempo tendo ruído completamente, não passando agora de um pequeno monte de escombros, à espera que alguém o venha ajudar a erguer-se para que a sua história não fique esquecida e para que o quadro dramático, mesmo depressivo que agora representa, se transforme em algo melhor, que anime a paisagem.

O outro modelo de moinhos existente nas Corujeiras é menos visto nos montes da região, serão talvez únicos na zona e até no país, dadas as suas caraterísticas invulgares que, no que respeita ao capelo, se podem assemelhar aos moinhos mediterrânicos, uma vez que a sua rotação para colocar as velas na posição desejada é feita através da sua cúpula móvel que roda em cima de uma calha circular. Mas, na elaboração destes moinhos deve ter existido um cruzamento de engenharias, pois a armação para as velas é metálica, fazendo lembrar a tecnologia dos moinhos americanos. O interior do moinho, onde a rotação para as mós que se encontram em nível semi-subterrâneo, é transmitida por um espigão de ferro, também lembra a tecnologia vinda das terras do Tio Sam.


Pelo que ainda se pode ver destes moinhos, a rotação do capelo para colocar as velas de frente para o vento devia ser feita de forma automática, tal como acontece nos moinhos americanos pois, junto de um deles, ainda se encontra o que parece ser o orientador feito com uma chapa de zinco ondulada. Se assim fosse deveria existir um sistema de travagem para quando o vento soprasse com demasiada força. De notar que nos outros modelos de moinhos da região a rotação das mós é controlada manualmente pelo moleiro que vai fazer rodar o capelo para obter a velocidade através da posição das velas em relação ao vento.


Original, mesmo, parece ser o compartimento onde se situam as mós, uma vez que este, feito em pedra ou betão, é um pequeno poço circular em cujas paredes está cravado o madeiramento da estrutura. A entrada para o interior do moinho é feita por uma estreita abertura e antes de chegar às mós há um pequeno átrio onde uma pessoa de estatura normal não consegue passar sem se curvar.

A “pele” metálica que reveste estes moinhos também não tem paralelo nos outros modelos da região, pois, quando muito, apenas a cúpula dos moinhos giratórios e mediterrânicos era assim composta… No caso dos moinhos das Corujeiras, à exceção do compartimento das mós, todo o corpo é revestido em chapas metálicas, em que algumas já não farão parte do revestimento original ou terão sido repregadas e, provavelmente, à boa maneira portuguesa, aproveitadas de materiais destinados a outros fins como chapas recortadas de bidões e outros retalhos.


Este moinho é o que se encontra em melhor estado. Ao lado tem uma chapa
de zinco ondulada que seria, provavelmente, o orientador que manteria as velas de frente para o vento.

Tal como os primeiros imigrantes que se fixaram no Hemisfério Ocidental, que tinham levado com eles a tecnologia dos moinhos europeus e que acharam esses moinhos de construção dispendiosa, tendo procurado formas de construir engenhos mais baratos, os portugueses, por sua vez, com a sua capacidade inventiva e habilidade para a engenharia caseira logo trataram de reforçar a ideia de economia, construindo moinhos que mesmo sendo inspirados no modelo americano não deixam de ser originais, tudo levando a crer serem únicos no país, na Europa e até, talvez, no Mundo.

“ As velas voaram, o grão deixou de cair da moega, a fome mudou de rumo e da fábrica alada ficou apenas, à margem da estrada da vida, uma caricatura espectral…”

"Esqueletos na paisagem"

Pois… infelizmente parece que é a realidade… espectros, corpos esventrados, sem nada que os defenda dos ventos que uivam na serrania, esses ventos que outrora eram os seus maiores aliados na luta pela sobrevivência e que agora lhes rasgam as vestes deixando-as em farrapos penduradas nos corpos esqueléticos ou espalhadas pelo chão, como roupa velha numa feira fantasma, onde ninguém ousa comprar nada…


4 comentários:

  1. Notícia do Diário "As Beiras" 10 Janeiro 2002

    "Abiúl "guarda" moinhos únicos na Europa"-"Influência americana no Sicó"

    "A construção dos moinhos de Abiúl sofreu uma grande influência industrial americana. Reza a história que em 1929, António Mendes, emigrante nos Estados Unidos, regressou a Portugal e construiu 10 moinhos na Aldeia do Rio, Abiúl. Curiosamente, este emigrante morreu esmagado num dos seus moinhos.
    Estes exemplares tinham uma parte inferior construída em grossas paredes de pedra num terreno em declive. Graças a esta situação, um dos lados ficava a descoberto onde era construída uma entrada para o interior da base do moinho, onde seria colocada a pedra da mó. Da base da pedra "nasciam" os pilares de madeira.
    A diferença assentava no revestimento da estrutura, que ao contrário das tradicionais tábuas em madeira, os moinhos eram revestidos em chapas de metal. No topo da construção era então colocada uma cúpula giratória. Num lado nasciam as velas do moinho com 12 lâminas de metal e do outro nascia uma viga que "actuava" como leme apontando na direcção do vento.
    A outra inovação era o uso de lâminas de metal no lugar das tradicionais velas de pano de modo a permitir que o moinho funcionasse nos dias chuvosos de Inverno".
    A mesma notícia refere que um dos últimos moinhos fechou portas em 2000 devido a uma avaria no sistema mecânico de transporte do milho até à mó de pedra. Refere ainda que o município de Pombal e a junta de Freguesia de Abiúl "estão dispostos a ajudar os actuais proprietários a recuperar e a dar vida aos cinco moinhos de vento. Um destes exemplares é propriedade da junta". Palavras para quê???

    Ivone Nunes

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    1. Olá Ivone! Obrigado por mais esta participação no “Meio Século”.

      Afinal, para além dos moinhos das Corujeiras, existem outros do mesmo género em Abiúl? Ainda não tinha ouvido falar nos moinhos de Aldeia do Rio, será que ainda se encontram de pé?

      Adoro as velhas tecnologias e estes moinhos são deveras interessantes, se souber de algo mais a este respeito fico muito grato se me enviar informações. Estou já a pensar em fazer uma visita à Aldeia do Rio para escrever algo sobre os seus moinhos.

      Os meus melhores cumprimentos.

      José Alexandre Henriques

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    2. Boa tarde, tendando responder à sua questão, só tenho conhecimento que estejam de pé 3 exemplares dos moinhos de armação nas corujeiras, havendo ainda os "buracos" onde estariam situados mais alguns. Quando se fala em moinhos de Abiúl é pelo facto de as Corujeiras pertencerem à sua freguesia e quanto à Aldeia do Rio penso que terá lá existido mais exemplares destes moinhos, mas até ao momento desconheço que existam ruínas dos mesmos. Poderá ser também alguma confusão pois consultei um livro de 1987 e o autor referia que estes moinhos das corujeiras eram em S. Simão de Litém.

      Estou a fazer um projeto para a recuperação dos mesmos e se quiser deixar alguma sugestão esteja à vontade ;)

      Cumprimentos,
      Rui Rua

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    3. Boa tarde. Fico muito contente por saber que está a fazer um projeto para a recuperação dos moinhos das Corujeiras. Acho que um património desses, com toda a sua história, não deve cair no esquecimento.
      De momento não tenho nenhuma sugestão para dar, apenas desejo o maior sucesso nesse empreendimento de dar vida, de novo, aos moinhos.

      Os meus cumprimentos e boa sorte!

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