AUTOCARROS ELÉTRICOS EM ANTIGAS VIAS FÉRREAS

Estação na linha BRT de Kesennuma
Estação na linha BRT de Kessenuma. Foto Wikimédia Commons
Transformar uma linha de caminho de ferro em estrada para autocarros era algo que ninguém acreditaria que fosse possível fazer, ainda para mais tratando-se de linhas com percursos muito acidentados, que atravessam rios e montanhas em pontes de ferro e túneis muito estreitos, construídas de raiz para circulação de comboios sobre carris.

No entanto, esta transformação já foi implementada em Kesennuma, no Japão, numa linha ferroviária que foi gravemente danificada após o terramoto e tsunami de 2011. Uma grande parte da infra-estrutura ferroviária que incluiu trilhos, estações e pontes, foram gravemente danificadas ou completamente destruídas . Como resultado dos danos catastróficos e dos custos elevadíssimos que a restauração como uma ferrovia implicaria a (JR East) East Japan Railway Company, propôs oficialmente a conversão da linha em uma rota dedicada de trânsito rápido (BRT),  em 27 de Dezembro de 2011.

O mais espantoso no meio de tudo isto foi a rapidez com que esta transformação foi feita e como o sistema começou a operar. O tsunami ocorreu em 11 de Março de 2011 e, decorridos apenas 18 meses sobre essa data, o sistema BRT da linha Kesennuma começou o seu funcionamento, inicialmente com um serviço temporário, usando ônibus antigos ao longo de um percurso exclusivo de dois quilômetros, a fim de prestar serviço a uma escola localizada junto da linha ferroviária.

Em 22 de Dezembro de 2012, chegaram os autocarros híbridos e o sistema entrou em funcionamento num percurso de 55 km, entre as estações de Kesennuma e Yanaizu, esta última transformada, após o tsunami de 2011, em estação terminal de facto da linha Kesennuma, sendo o resto do percurso de 17,5 km até à estação de Maeyachi, efetuado pela linha férrea que, entretanto, já fora recolocada em funcionamento desde 29 de Abril de 2011.

Autocarro híbrido, utilizado na linha Kessenuma
Veículo híbrido, utilizado na linha Kessenuma. Foto Wikimédia Commons

Um sistema idêntico de autocarros elétricos, ainda que de menor distância, cerca de 36 km, foi apresentado em Portugal como sendo a solução para resolver, em três anos e meio, o problema do ramal da Lousã, parado para obras há vários anos, um pequeníssimo problema comparado com este do Japão, que se viu confrontado com um terramoto e tsunami devastadores que causaram enorme destruição em algumas zonas do país.

Não se pretendendo discutir se esta é ou não a melhor solução para a linha da Lousã, o certo é que este percurso não se encontra destruído, antes pelo contrário está em muito boas condições após as obras que já foram realizadas com vista à implementação do sistema do metro, sistema de transporte sobre carris. Como é sobejamente conhecido os prazos apontados para a conclusão destas obras nunca ou quase nunca são cumpridos pelo que será de esperar que este novo sistema, se vier a ser implantado, irá demorar muito mais do que os três anos e meio.

Este “ trânsito rápido de ônibus” de Kesennuma serviu de mote ou de exemplo para o novo projeto do ramal da Lousã, tendo sido afirmado pelos responsáveis que o percurso da linha era idêntico ao de Kesennuma, tanto em distância como no acidentado do terreno e, pelos dois vídeos que se encontram no final do texto, que mostram viagens na linha antes do tsunami, ainda em comboio sobre carris e depois com os BRT, parece que, de facto, existe alguma semelhança nos traçados, pelo menos no que diz respeito a pontes e túneis, que são imensos tanto numa linha como noutra.

Foi também dito que este será o sistema mais económico para o ramal da Lousã, tendo em conta que se pretende que o serviço que iria ser prestado pelo metro, tenha continuação, ainda que redesenhado, por este sistema de autocarros, ficando de parte a hipótese muito reivindicada pela população, da continuação do transporte em comboios movidos a eletricidade, que circulariam como antes, exclusivamente no troço da antiga via-férrea existente. No Japão, os motivos para transformar a linha em estrada para autocarros foram muito mais fortes, uma vez que a via ficou muito destruída, certamente com troços irrecuperáveis que teriam de ser contornados e isso terá inviabilizado a continuação do  transporte sobre carris.

Linha da Lousã, em 2010, durante as obras para implementação do metro ligeiro de superfície
Linha da Lousã, em 2010, durante as obras para implementação do metro. Foto Candeia Verde

Este novo sistema de transporte que irá ser implantado na linha da Lousã vai ser apetrechado com uma frota de autocarros elétricos, alimentados com energia armazenada em baterias, com carregamentos noturnos, o que parece dispensar a eletrificação da linha nos mesmos moldes em que o teria de ser para os comboios, uma vez que os combustíveis derivados do petróleo estariam de qualquer modo postos de parte. Uma vantagem que parece evidente é estes autocarros poderem circular “fora da linha”, ou seja em estradas para circulação comum, ainda que com alguma adaptação, o que irá permitir prolongar as viagens para os passageiros a outros destinos programados, embora  na linha da Lousã, fora do espaço do canal ferroviário, a sua circulação deva restringir-se a algumas zonas da cidade de Coimbra, locais onde já estava prevista a passagem do metro ligeiro de superfície.

O Bus Rapid Transit (BRT), ou METROBUS, como também é designado, só é novo no que respeita à sua implementação em antigas vias férreas, porque ele já existe de facto em muitos países, sobretudo no Brasil e na América latina em geral. O primeiro sistema de BRT foi a Rede Integrada de Transporte (RIT), no município de Curitiba, Paraná, Brasil, que entrou em operação em 1974. Este sistema inspirou muitos outros semelhantes em todo o Brasil e no mundo, como o Trans Milenio, em Bogotá, Colômbia, inaugurado em 2000. Em novembro de 2013, mais de 166 cidades tinham implementado sistemas BRT, respondendo por 4.336 quilômetros de corredores ônibus. Estima-se que cerca de 27 milhões de passageiros utilizam este sistema de transporte público em todo o mundo diariamente, dos quais cerca de 17 milhões estão na América Latina, região que tem a maioria dos sistemas.

Este vídeo mostra uma viagem na linha de Kesennuma depois de, após o tsunami de 2011, esta ter sido transformada em estrada para autocarros, ou seja para o transporte rápido de ónibus (BRT). É possível ver que alguns troços do percurso da antiga linha de comboios foram alterados, devido à destruição causada pelo tsunami.
Aqui podemos recuar a 2009, antes do tsunami, e fazer uma viagem na linha Kesennuma ainda em comboio sobre carris e constatar algumas semelhanças com o percurso de comboio da linha da Lousã que terminou nesse mesmo ano de 2009.
Artigo do blog sobre a linha da Lousã, elaborado durante o decorrer das obras para implementação do metropolitano ligeiro de superfície. Para quem se interesse por esta temática poderá ser interessante ler este artigo e ficar a conhecer o antigo caminho de ferro, onde irão futuramente (se o projeto se vier a concretizar), circular autocarros elétricos.